Mário Ferreira

« Ante o espetáculo do mundo, em face de um objeto, o homem pergunta que é esse objeto. Exemplifiquemos: em face de uma árvore, pergunta: que é isso? A resposta seria: “é uma árvore”.

« Se imaginássemos que o interrogante fosse um ser vindo de outro planeta, poderia ele prosseguir em seu diálogo com um homem, na seguinte forma: “em que consiste esta árvore? De que ela é feita?”. Responderia o outro: “Esta árvore é composta de matéria orgânica vegetal”. “Mas esta matéria orgânica vegetal — perguntaria o outro — em que consiste?” O interrogado responderia: consiste num conjunto de corpos minerais que são fornecidos pela terra, pelo ar. “Em que consistem estes minerais?” Tornaria a perguntar o interrogante. “Consistem em manifestações diversas da matéria”. E se essas perguntas prosseguissem nesse diapasão, fatalmente o interlocutor verificaria, afinal, que uma coisa consiste em ser feita de outra, e essa outra de outra, e assim sucessivamente, até formular esta pergunta: “Mas deve ter um fim. Há de haver algo que não seja outro, quer dizer, algo que compõe as outras coisas”.

« Realmente, pois se esse algo é composto de outras coisas, a pergunta prosseguiria. Portanto, deve haver, atrás de todas as coisas, algo que seja ele mesmo, que não seja outro, que não pode ser composto, pois se fosse composto seria constituído de outros.

« E como ele é o primeiro, é naturalmente simples. Portanto deve ser idêntico a si mesmo. Dessa forma, essa primeira coisa deve ser simples, uma, e idêntica a si mesma.

« Tinham os gregos uma palavra: arkhê, que encontramos muito usada em nossa língua, nas obras de filosofia, e grafada arquê, cuja significação mais simples é princípio, começo. Vemo-la em palavras como arcaico (antigo), arcaísmo, arquivo, arqueologia, e em palavras compostas como monarquia.

« Podemos aproveitar esta palavra para denominar o que buscam os filósofos: um princípio idêntico de todas as coisas. Uma razão suficiente de tudo quanto existe, um princípio de onde tudo decorre.

« Há, na filosofia, um desejo constante em todos os tempos: o de encontrar uma certeza, um ponto arquimédico de certeza.

« Arquimedes pedia uma alavanca e um ponto de apoio, e deslocaria o mundo. O ponto de apoio, que toda filosofia busca, é o princípio supremo, essa arquê

Trecho de Filosofia e Cosmovisão, de Mário Ferreira dos Santos.