Paul Johnson

« …o papel desempenhado pelas atividades. O castelo de cartas de Einstein era mais um exemplo de treinamento de caráter do que uma ajuda real ao pensamento criativo. Mas a maioria dos cientistas e muitos escritores têm sobre a mesa de trabalho apetrechos, bugigangas, jogos, quebra-cabeças, provavelmente por considerá-los úteis para o raciocínio. Não tenho dificuldade de concentração, e começo a escrever logo que sento à minha mesa (no cavalete ou na mesa de desenho), por isso não entendo com facilidade o raciocínio por trás desses apetrechos. Porém, em inúmeros casos, é evidente que a atividade espasmódica ou periódica ajuda o pensamento imaginativo. Assim, o fato de Dickens se levantar da mesa onde escrevia para fazer caretas diante de um espelho grande em seu estúdio não é, de forma alguma, algo incomum entre os escritores. Alguns deles desenvolvem tal resistência a escrever ou a continuar a escrever que é necessário recorrer a meios físicos para forçá-los a se concentrar. Certa ocasião, quando era editor, tive de trancar dois colaboradores em um sala vazia com uma máquina de escrever para que escrevessem ou terminassem um artigo, só permitindo que saíssem depois de concluído o trabalho. Mas muitos escritores não conseguem ter pensamentos criativos em uma sala de trabalho. Todos sabem que Wordsworth costumava compor seus versos enquanto caminhava ao ar livre, em torno do lago em Grasmere ou Rydal Water, ou descendo e subindo uma montanha. Ele memorizava as linhas que imaginava e só as colocava no papel quando voltava para casa. Às vezes, passavam-se vários dias, até semanas, para que ele colocasse no papel as palavras que tinha na cabeça. Não está claro se Wordsworth precisava caminhar para fazer poesia porque via coisas lá fora que poderia transformar em verso ou porque o simples movimento de caminhar estimulava seus pensamentos. Acredito na última opção, pois Wordsworth era, de alguma maneira, um homem distraído. Foi sua irmã Dorothy quem observou os trabalhos da natureza em detalhes surpreendentes e os anotou. Quando ambos estavam em Gowbarrow Bay, em Ullswater, quando os narcisos dançavam ao vento, foi Dorothy quem os observou e anotou em seu diário, transmitindo sua experiência visual ao irmão, que, algumas semanas mais tarde, compôs seu famoso poema. Sem Dorothy, o poema não existiria.

« No entanto, a experiência é a mãe, ou pelo menos uma das mães, da criatividade, e o que chamo de experiência é a combinação de observação e sentimento que leva a um momento criativo. Emily Dickinson não apenas observava as coisas na natureza (como Dorothy Wordsworth fazia); ela também se sentia forte, profunda ou perceptivelmente ligada a elas – e é isso que transforma seus pequenos poemas em algo de grande força e emoção. Os fortes sentimentos de Charlotte Brontë sobre sua vida, combinados a olhos e ouvidos perspicazes, a tornaram capaz de transformar a experiência, na primeira metade de Jane Eyre, em algo tão surpreendente em arte – um ato de criação raro, por sua beleza apaixonante, nos anais da literatura. Os escritores, em especial os romancistas, são extremamente criativos quando registram, embora transformados em ficção, suas experiências profundamente sentidas. Dickens sempre considerou David Copperfield seu melhor livro por esse motivo. Poder-se-ia dizer o mesmo sobre The Mill on the Floss, pois Maggie Tulliver é a jovem Mary Ann Evans, e tudo o que ela viveu e sentiu. Nesse romance maravilhoso, nas histórias de Scenes from Clerical Life, em Adam Bede e, até certo ponto, em Middlemarch, George Eliot escreve sobre coisas e pessoas que conheceu por intermédio da própria experiência direta e de seus sentimentos. Mais tarde, embora mais experiente como escritora, foi menos convincente. Para Daniel Deronda, seu romance sobre o problema judeu, e para Romola, passado na Florença renascentista, ela fez leituras cuidadosas, digeridas pela inteligência. Mas essas histórias não ganham vida do mesmo modo. Para o romancista, os livros não compensam a ausência do conhecimento direto e dos sentimentos. Flaubert escreveu Madame Bovary com emoção, a partir de suas últimas experiências com livros, e a diferença é clara. Bouvard et Pécuchet surgiu de uma biblioteca completa – natimorta. Quando vejo alguma romancista que conheço, sentada atrás de uma pilha de livros na sala de leitura da London Library, e tomando notas sem parar para seu próximo trabalho de ficção, digo com meus botões: “Ai, meu Deus!”

« Evelyn Waugh era muito consciente do capital criativo baseado na experiência direta de coisas profundamente sentidas na infância, na juventude e no início da vida adulta com as quais um romancista inicia sua carreira, e a facilidade com que esse capital precioso pode ser gasto – jogado fora, por assim dizer – em um trabalho pródigo. Ele disse que esse trabalho deveria ser cuidadosamente conservado, repartido frugalmente. Ai de mim, acrescentou, se um romancista tivesse de ficar velho e sábio o bastante para entender isso, seu capital já teria acabado. “Gasto”, como ele diz, com uma expressão arrependida no rosto. A única maneira de reabastecê-lo seria passar por uma experiência nova e especialmente intensa. É por isso que ele deu boas-vindas à Segunda Guerra Mundial, que começou quando estava com trinta e poucos anos, quando seu capital inicial estava quase extinto. Ele o usou bem, também: em primeiro lugar, como estrutura conceitual para o seu exemplo rococó do romantismo virtuoso, Brideshead Revisited, depois como a substância dos três volumes de sua obra-prima, sword of Honour. O mesmo aconteceu com o contemporâneo de Waugh, Anthony Powell, ao escrever o romance de 12 volumes A Dance to the Music of Time. É verdade que esse longo trabalho cobria sua vida inteira, desde os anos escolares à meia-idade. Mas a guerra, quando sua vida foi mais rica e mais interessante, e quando conheceu pessoas e passou por experiências bem diferentes daquelas a que estava acostumado, deu origem aos três melhores livros dos 12 e, sem eles, todo o trabalho teria falhado. Os que estudam o processo criativo, especialmente ficção, podem aprender muito comparando a absorção e a regurgitação de Waugh e Powell das respectivas carreiras militares – a primeira intensa, vívida e nobre; a segunda, discursiva, contemplativa e filosófica; ambas ricas na ironia que a guerra inspira no artista. Sem a guerra, ambos teriam sido muito menos criativos ou, falando mais claramente, teriam criado muito menos. O mesmo acontece com um número significativo de romancistas. Stendhal havia publicado bastante no final da década de 1820, quando estava com quarenta e poucos anos. Se seu trabalho terminasse nesse ponto, não haveria motivo para ele ser lido ou lembrado. Mas, em 1830, ele publicou O vermelho e o negro e, nove anos depois, La Chartreuse de Parme, ambos surgindo naturalmente de suas experiências como soldado e administrador militar sob o comando de Napoleão. Foram esses acontecimentos – e nenhum outro – que o transformaram, essencialmente, em um artista criativo. O mesmo poderia ser dito de Ernest Hemingway. Suas experiências na Itália durante a Primeira Guerra Mundial permitiram que escrevesse Adeus às armas, que o consagrou como romancista aos seus próprios olhos e aos do público; e outras guerras, na Espanha e no Noroeste da Europa, reabasteceram seu capital ficcional e o mantiveram como um criador. No caso das escritoras de ficção, o capital essencial é fornecido pela emoção e pelos casos de amor, pelos filhos e pelos divórcios, e não é tão facilmente reabastecido com o passar do tempo. Os romances de Jane Austen foram todos baseados nas emoções que teve na juventude. Se tivesse vivido até os 60 anos, por exemplo, em vez de morrer com 49 anos, como e onde ela teria reabastecido seu capital criativo esgotado?»

(…)

« Não é fácil ser um criador no nível mais elevado e o mais alto de todos costuma representar agonia. Todos os criadores concordam que se trata de uma experiência dolorosa e muitas vezes aterrorizante, algo a ser suportado, não desfrutado, preferível apenas ao fato de não ser um criador.»

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Os Criadores, de Paul Johnson.

(Leia também, do mesmo autor, Os Intelectuais e Os Heróis.)