Banheiro feminino

— Ei, por que você tá me olhando desse jeito?

— Por nada.

— Essa voz…

— Que é que tem minha voz?

— Aaah! Você é homem! Sai daqui!

— Não saio não.

— Então eu vou gritar!

— Mas eu sou crossdresser.

— Hã?! Crós o quê?

— Crossdresser. Estou vivenciando meu lado feminino.

— Tá bom! Só porque tá vestido de mulher…

— É verdade.

— Se é verdade, tava me olhando por quê?

— Para aprender a me portar melhor como mulher, ora.

— Hum, sei… Muito esquisito isso.

— É sério. Por exemplo: gostei da sua idéia de cobrir o vaso com papel antes de se sentar. Toda mulher faz isso?

— O quê? Você tava me espiando no reservado?

— Dei uma olhadinha por cima, de pé na privada aí do lado. Achei muito interessante.

— Seu safado!

— Safado não. Respeite minha opção. Quero ser tratado como mulher. É meu direito.

— Não acredito que agora sou obrigada a ouvir isso…

— Obrigada a ouvir você não é, mas é obrigada a aceitar. Se me tirarem daqui, posso processar você e o dono do bar.

— Tá legal, calma. Só que primeiro eu preciso me acostumar com a idéia, né. Até meu avô já se vestiu de mulher; mas isso era no carnaval, poxa!

— Certo, eu entendo. Meus tios também faziam isso lá no Rio. Mas, enquanto você se acostuma, posso pedir um favor?

— Que favor?

— Depois que você faz xixi, na hora de se enxugar, você esfrega o papel na xoxota ou só o encosta de leve?

— Ah, pelo amor de Deus! Me poupe, né!

— Poxa, é uma pergunta relevante. Cerveja faz a gente vir aqui toda hora. E imagino que, se você esfrega o papel cada vez que faz xixi, acaba ficando toda assada, né.

— Por que você não pergunta isso pra sua mãe, hem?

— Bom, minha mãe já faleceu… — responde, com a voz embargada.

— Ah, desculpe, não quis…

— Tudo bem… — diz ele, uma expressão triste no olhar.

— Não faz essa cara, falei sem saber.

— Bom, se você me fizer um favor, juro que vou me sentir melhor.

— Ai… O que é agora?

— Posso passar o papel em você pra eu sentir como é?

— O quê?! Ficou maluco, é?

— Maluco não: maluca!

— Tá: maluca. Ficou maluca, é?

— Deixa, vai. Só um pouquinho.

— Nem ferrando!!

— Então deixa pelo menos eu ver você fazendo. Não deu pra ver olhando de cima.

— Ai, caramba… Tá bom, tá bom.

— Eba.

— Mas já vou te avisando: se você encostar um dedo em mim, eu grito; viu?

— Viu.

Ela volta ao reservado, pega um pedaço de papel, levanta a saia, arria a calcinha.

— Hum, bigodinho de Hitler, né.

— Pára com isso e presta atenção: só vou mostrar uma vez.

Ela encosta em si mesma o papel dobrado algumas vezes, pressionando de leve.

— Ah, eu sabia! Sem esfregar.

— Pois é…

Ele estende a mão e, afastando o papel de cima da xoxota, verifica se ela ficou mesmo sequinha.

— Aaaaah! — ela grita, derrubando-o com um chute no rosto e ajeitando novamente a roupa.

— Socoooorro!!! — ele berra ainda mais alto do que ela.

Uma policial uniformizada entra no banheiro: — O que está acontecendo aqui?

— Esse homem me atacou! — diz a mulher.

— Eu? — contesta ele, sentado no chão, o nariz sangrando. — Quem é que foi nocauteado aqui? Quem é a vítima? — E para a policial: — Ela não respeitou minha opção. Sou crossdresser, se a senhora não a prender agora, vou acionar a Coordenadoria Estadual de Políticas para a Diversidade Sexual. Vocês duas estarão violando a lei estadual 10.948/2001.

A policial, engolindo em seco, segura a mulher pelo braço: — A senhora está presa.

— O quê?! Ficou maluca?!! Não seja idiota, não caia na conversa desse cretino!

— Quieta! Não me desacate! — e então a algema, levando-a dali cheia de autoridade.

— Ai, ai, nada como usufruir dos meus privilégios… — suspira o crossdresser. — Qual outro bar tem umas gatas como essa mesmo? Esse aqui já era…

E, levantando-se, saiu em direção à porta, equilibrando-se como podia em seus saltos que destoavam completamente da saia fora de moda.