palavras aos homens e mulheres da Madrugada

Categoria: Imaginação Page 6 of 8

Mario Vargas Llosa (Nobel de Literatura 2010): El viaje a la ficción

Mario Vargas Llosa expone su visión sobre el fenómeno literario y los vínculos entre la realidad y la ficción.

Colin Wilson comenta J.R.R. Tolkien

J. R. R. Tolkien

« Tolkien falou sobre a tarefa mais importante do conto de fadas: criar um estado de ‘recuperação’ que faça as pessoas verem novamente com lucidez.»

(…)

« Existem apenas duas possibilidades: ou a gente se deixa empolgar pela fantasia de Tolkien, ou acha tudo uma bobagem. Se cada descrição atingisse o efeito intencionado, então seu livro se tornaria sem dúvida alguma uma das grandes obras de todos os tempos. Na primeira leitura isto acontece, porque o leitor fica tão empolgado que não percebe que algumas descrições ‘não estão com nada’. Na segunda leitura, porém, ainda se deliciando com as belas descrições de rios e florestas, o leitor nota que a personagem principal, Tom Bombadil, é um chato de galochas, Lothlorien e os elfos, uma quimera sentimental, e Minas Tirith e seus bravos guerreiros, um filme de Errol Flynn. O centro da história, que mesmo depois de muitas leituras continua interessante, é sempre a viagem de Frodo

(…)

« Segundo Tolkien, é dever do artista criar uma árvore tão verde e viva quanto possível. Essa árvore tem que ser uma espécie de guia num mundo cada vez mais repleto de cidades mortas e secas

(…)

« A fórmula do sucesso de Tolkien é evidente. Ele fala sobre viagens em terras e panoramas fantásticos, sobre aventuras repentinas, onde os anões são tocados por monstros cabeludos. O leitor adulto fica interessado porque os monstros parecem tanto com gângsteres ou carrascos nazistas que ele acha que está lendo sobre seu próprio mundo

(…)

[Segundo Wilson, Tolkien é muito sentimental, está mais para 1850 que 1950.] « Não podemos esperar que Tolkien, além de muitas outras coisas, seja ainda um Tolstói ou um Dostoiévski.»

(…)

[Em Tolkien há um escapismo: uma fuga para a Realidade, diz Wilson.] Numa conferência em St. Andrews (1938), intitulada “Sobre contos de fada”, J.R.R. Tolkien declarou:

« Precisamos limpar nossos vitrôs para poder enxergar perfeitamente e libertar-nos das manchas sujas do cotidiano, dos hábitos e da possessividade.»

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De um artigo de Colin Wilson, que li em algum lugar.

“Grande Sertão: Veredas”: as pérolas de sabedoria de Riobaldo

Guimarães Rosa

«‘Que-Diga’? Doideira. A fantasiação. E, o respeito de dar a ele assim esses nomes de rebuço, é que é mesmo um querer invocar que ele forme forma, com as presenças!»

*

« Compadre meu Quelemém descreve que o que revela efeito são os baixos espíritos descarnados, de terceira, fuzuando nas piores trevas e com ânsias de se travarem com os viventes – dão ‘encosto’.»

*

« Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum.»

*

« O diabo existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso…»

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« O senhor não duvide – tem gente, neste aborrecido mundo, que mata só para ver alguém fazer careta…»

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« Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo mundo… Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.»

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« Viver é muito perigoso… Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado.»

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« Moço!: Deus é paciência. O contrário, é o diabo.»

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« Compadre meu Quelemém nunca fala vazio, não subtrata. Só que isto a ele não vou expor. A gente nunca deve de declarar que aceita inteiro o alheio – essa é que é a regra do rei!»

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« E, outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro!»

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« Eu cá não madruguei em ser corajoso; isto é: coragem em mim era variável.»

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« Acho proseável.»

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« Às vezes eu penso: seria o caso de pessoas de fé e posição se reunirem, em algum apropriado lugar, no meio dos gerais, para se viver só em altas rezas, fortíssimas, louvando a Deus e pedindo glória do perdão do mundo. Todos vinham comparecendo, lá se levantava enorme igreja, não havia mais crimes, nem ambição, e todo sofrimento se espraiava em Deus, dado logo, até a hora de cada uma morte cantar. Raciocinei isso com compadre meu Quelemém, e ele duvidou com a cabeça: –‘Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho…’ – ciente me respondeu.»

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« Guerra diverte – o demo acha.»

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« Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma!»

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« Ah, medo tenho não é de ver morte, mas de ver nascimento. Medo mistério. O senhor não vê? O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um sem-fim que não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dela a gente tudo vendo.»

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« Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.»

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« Viver é um descuido prosseguido.»

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« Um homem consegue intrujar de tudo; só de ser inteligente e valente é que muito não pode.»

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« Cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo!»

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« O mal ou o bem, estão é em quem faz; não é no efeito que dão.»

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« O senhor é homem de pensar o dos outros como sendo o seu, não é criatura de pôr denúncia.»

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« Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância.»

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« Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada.»

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« Comigo, as coisas não têm hoje e ant’ontem amanhã: é sempre.»

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« Não sabe que quem é mesmo inteirado valente, no coração, esse também não pode deixar de ser bom?!» (Essa é do, da, ah, você sabe, da Diadorim.)

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« Nasci devagar. Sou é muito cauteloso.»

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« O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada.»

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« O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto; dificultoso, mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.»

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« (…) peguei saudade dos passarinhos de lá, do poço no córrego, do batido do monjolo dia e noite, da cozinha grande com fornalha acesa, dos cômodos sombrios da casa, dos currais adiante, da varanda de ver nuvens.» (Esse trecho vai aqui apenas porque é a descrição exata da fazenda da minha avó.)

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« Amigo? Aí foi isso que eu entendi? Ah, não; amigo, para mim é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça aos demais. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou-amigo-é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.»

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« A natureza da gente é muito segundas-e-sábados.»

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« Quanto pior mais baixo se caiu, maismente um carece próprio de se respeitar.»

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« Medo de errar é a minha paciência.»

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« Do escurão, tudo é mesmo possível.»

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« (…) mulher que não ria – esse lenho seco.»

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Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.

Os Livros Malditos: Jacques Bergier e o que John Dee viu no espelho negro

John Dee

« Como o abade Trithème, John Dee realmente existiu. Nasceu em 1527 e morreu em 1608. Sua vida foi tão extraordinária que, melhor do que a maior parte de seus biógrafos, foram os romancistas que melhor o descreveram em obras de imaginação. Estes romancistas são Jean Ray e Gustav Meyrink. Matemático distinto, especialista nos clássicos, John Dee inventou a idéia de um meridiano de base: o meridiano de Greenwich. Levou à Inglaterra, tendo-os encontrado em Louvain, dois globos terrestres de Mercator, assim como instrumentos de navegação. E foi assim o início da expansão marítima da Inglaterra.

« Pode-se dizer, dessa forma – não participo dessa opinião – que John Dee foi o primeiro a fazer espionagem industrial, pois levou à Inglaterra, por conta da Rainha Elizabeth, quantidade enorme de segredos de navegação e fabricação. Foi certamente um cientista de primeira ordem, ao mesmo tempo que um especialista dos clássicos, e manifesta a transição entre duas culturas que, no século XVI, não eram, talvez, tão separadas como o são agora.

« Foi também muitas outras coisas, como veremos. No curso de seus brilhantes estudos em Cambridge, pôs-se, infelizmente para ele, a construir robôs entre os quais um escaravelho mecânico que soltou durante uma representação teatral e que causou pânico. Expulso de Cambridge por feitiçaria, em 1547, foi para Louvain. Lá, ligou-se a Mercator. Tornou-se astrólogo e ganhou a vida fazendo horóscopos, depois foi preso por conspiração mágica contra a vida da Rainha Mary Tudor. Mais tarde, Elizabeth libertou-o da prisão e o encarregou de missões misteriosas no continente.

« Escreveu-se com freqüência que sua paixão aparente pela magia e feitiçaria seriam uma “cobertura” à sua verdadeira profissão: espião. Não estou totalmente convencido disto.

« Em 1563, numa livraria de Anvers, encontrou um manuscrito, provavelmente incompleto, da Steganographie de Trithème. Ele a completou e pareceu ter chegado a um método quase tão eficaz quanto o de Trithème.

« Publicando a primeira tradução inglesa de Euclides, e estudando para o exército inglês a utilização de telescópios e lunetas, continuou suas pesquisas sobre a Steganographie. E em 25 de maio de 1581, elas superaram todas as suas esperanças.

« Um ser sobre-humano, ou ao menos não-humano, envolto em luz, apareceu-lhe. John Dee chamou-o anjo, para simplificar. Esse anjo deixou-lhe um espelho negro que existe ainda no Museu Britânico. É um pedaço de antracite extremamente bem polido. O anjo lhe disse que olhando naquele cristal veria outros mundos e poderia ter contato com outras inteligências não-humanas, idéia singularmente moderna. Anotou as conversações que teve com seres não-humanos e um certo número foi publicado em 1659 por Méric Casaubon, sob o título “A true and faithfull relation of what passed between Dr. John Dee and some spirits”.

« Um certo número de outras conversações é inédito e os manuscritos se encontram no Museu Britânico.

« A maior parte das notas tomadas por John Dee e dos livros que preparava, foram, como veremos, destruídos. Entretanto, restam-nos suficientes elementos para que possamos reconstituir a língua que esses seres falavam, e que Dee chamou a Língua Enochiana.

« É a primeira linguagem sintética, a primeira língua não-humana de que se tem conhecimento. É, em todo caso, uma língua completa que possui um alfabeto e uma gramática. Entre todos os textos em língua enochiana que nos restam, alguns concernem à ciência matemática mais avançada do que ela estava no tempo de John Dee.

« A língua enochiana foi a base da doutrina secreta da famosa sociedade Golden Dawn, no fim do século XIX.

« Dee percebeu logo que não poderia lembrar-se das conversações que tinha com os visitantes estrangeiros. Nenhum mecanismo para registrar a palavra existia. Se dispusesse de um fonógrafo ou de um magnetóide, o seu destino, e talvez o do mundo, estariam mudados.

« Infelizmente, Dee teve uma idéia que o levou a perder-se. Entretanto, tal idéia era perfeitamente racional: encontrar alguém que olhasse o espelho mágico e mantivesse conversações com os extraterrestres, enquanto ele tomaria nota das conversas. Em princípio, tal idéia era muito simples. Infelizmente, os dois visionários que Dee recrutou, Barnabas Saul e Edward Talbot, revelaram-se como grandes canalhas. Desvencilhou-se rapidamente de Saul, que parecia ser espião a soldo de seus inimigos. Talbot, ao contrário, que trocou seu nome pelo de Kelly, agarrou-se. E agarrou-se tanto que arruinou Dee, seduziu sua mulher, levou-o a percorrer a Europa, sob o pretexto de fazer dele um alquimista, e acabou por estragar sua vida. Dee morreu, finalmente, em 1608, arruinado e completamente desacreditado. O Rei James I, que sucedera a Elizabeth, recusou-lhe uma pensão e ele morreu na miséria. A única consolação que se pode ter é de pensar que Talbott, aliás, Kelly, morreu em fevereiro de 1595, tentando escapar da prisão de Praga. Como era muito grande e gordo, a corda que confeccionara rompeu-se e ele quebrou os braços e as pernas. Um justo fim a um dos mais sinistros crápulas que a história conheceu.

« Apesar da proteção de Elizabeth, Dee continuou a ser perseguido, seus manuscritos foram roubados assim como uma grande parte de suas anotações.

« Se estava na miséria, temos que reconhecer que parcialmente a merecera. Com efeito, após ter explicado à Rainha Elizabeth da Inglaterra que era alquimista, solicitara um amparo financeiro. Elizabeth da Inglaterra disse-lhe, muito judiciosamente, que se ele sabia fazer o ouro, não precisava de subvenções, pois teria suas próprias. Finalmente, John Dee foi obrigado a vender sua imensa biblioteca para viver e, de certo modo, morreu de fome.

« A história reteve sobretudo os inverossímeis episódios de suas aventuras com Kelly, que são evidentemente pitorescos. Vimos aparecer aí, pela primeira vez, a troca de mulheres que, atualmente, é tão popular nos Estados Unidos.

« Mas essa estatuária de Epinal obscureceu o verdadeiro problema, que é o da língua enoquiana, a dos livros de John Dee que nunca chegaram a ser publicados.

« Jacques Sadoul, em sua obra “O Tesouro dos Alquimistas”, conta muito bem a parte propriamente alquimista das aventuras do Dr. Dee e de Kelly. Recomendo-a ao leitor.

« Voltemos à linguagem enoquiana e ao que se seguiu. E falemos primeiro da perseguição que se abateu sobre John Dee, desde que começou a dar a entender que publicaria suas entrevistas com “anos” não-humanos. Em 1597, em sua ausência, desconhecidos excitaram a multidão a atacar sua casa. Quatro mil obras raras e cinco manuscritos desapareceram definitivamente, e numerosas notas foram queimadas. Depois a perseguição continuou, apesar da proteção da Rainha da Inglaterra. Foi, finalmente, um homem alquebrado, desacreditado, como o seria mais tarde Madame Blavatsky, que morreu aos 81 anos de idade. Em 1608, em Mortlake. Uma vez mais a conspiração dos Homens de Preto parece ter vencido.

« A excelente enciclopédia inglesa “Man, Mith and Magic” observou muito oportunamente em seu artigo sobre John Dee: “Apesar de os documentos sobre a vida de John Dee serem abundantes, fez-se pouca coisa para explicá-lo e interpretá-lo”. Isto é verdadeiro.

« Ao contrário, as calúnias contra Dee não faltam. Nas épocas de superstição afirmava-se que ele faria magia negra. Em nossa época racionalista pretendeu-se que seria um espião, que fazia alquimia e magia negra para camuflar suas verdadeiras atividades. Tal tese é notadamente a da enciclopédia inglesa que citamos acima.

« Entretanto, quando examinamos os fatos, vemos primeiro um homem bem dotado, capaz de trabalhar 22 horas ao dia, leitor rápido, matemático de primeira ordem. Ademais, ele construiu autômatos, foi um especialista de óptica e de suas aplicações militares, da química.

« Que foi ingênuo e crédulo, é possível. A história de Kelly o mostra. Mas que fez uma importante descoberta, a mais importante, talvez, da história da humanidade, não está totalmente excluso. Parece-me possível contudo, que Dee tenha tomado contato, por telepatia ou clarividência, ou outro meio parapsicológico, com seres não-humanos. Era natural, dada a mentalidade da época, que ele atribuísse a esses seres uma origem Angélica, em vez de fazê-los vir de outro planeta ou de outra dimensão. Mas comunicou-se bastante com eles para aprender uma língua não-humana.

« A idéia de inventar uma língua inteiramente nova não pertencia à época de John Dee e nem de sua mentalidade. Foi muito depois que Wilkins inventou a primeira linguagem sintética. A linguagem enoquiana é completa e não se parece com nenhuma língua humana.

« É possível, evidentemente, que Dee a tenha tirado integralmente de seu subconsciente ou inconsciente coletivo, mas tal hipótese é tão fantástica quanto a da comunicação com seres extraterrestres. Infelizmente, a partir da intervenção de Kelly, as conversações estão visivelmente truncadas. Kelly inventa-as e faz dizer aos anjos ou espíritos o que lhe convinha. E do ponto de vista de inteligência e imaginação, Kelly era pouco dotado. Possui-se notas sobre uma conversação onde pede a um dos “espíritos” cem libras esterlinas durante quinze dias.

Carl Sagan e o contato com civilizações extraterrestres

Carl Sagan

« Um motivo padrão na ficção científica e na literatura de UFOs assume serem os extraterrestres tão capazes como nós. Talvez tenham um tipo diferente de espaçonave ou raios, mas em uma batalha — e a ficção científica adora descrever batalhas entre civilizações — nós e eles competimos igualmente. Na verdade, não há quase chance de duas civilizações galácticas interagirem no mesmo nível. Em qualquer confronto, uma quase sempre dominará inteiramente a outra. Um milhão de anos é muita coisa. Se uma civilização avançada estiver para chegar em nosso sistema solar, não haverá nada que possamos fazer a respeito. Sua ciência e tecnologia estarão muito além de nós. É perda de tempo preocuparmo-nos com as possíveis intenções malévolas de uma civilização avançada com a qual deveremos estabelecer contato. É mais provável que, se sobreviveram tanto tempo, isto signifique que tenham aprendido a viver com eles mesmos e com os outros. Talvez nossos receios sobre um contato extraterrestre sejam meramente uma projeção de nosso próprio passado, uma expressão da nossa consciência culpada pela nossa história anterior, a destruição de civilizações só um pouco mais atrasadas do que a nossa. Lembramos Colombo e os Arawaks, Cortés e os Astecas, mesmo o destino dos Tlingits nas gerações pós-La Pérouse. Lembramo-nos e preocupamo-nos. Mas se uma armada interestelar aparecer em nossos céus, prevejo que seremos muito obsequiosos.

« É muito mais provável um tipo bem diferente de contato — o caso que já discutimos, no qual recebemos uma mensagem complexa e rica, provavelmente pelo rádio, de outra civilização no espaço, mas não estabelecemos, pelo menos por um tempo, um contato físico com ela. Neste caso não há como a civilização transmissora saber se recebemos a mensagem. Se acharmos o conteúdo ofensivo ou assustador, não seremos obrigados a responder. Mas se a mensagem contiver uma informação valiosa, as conseqüências para a nossa própria civilização serão espantosas — visões de ciência, tecnologia, arte, música, política, ética, filosofia e religião alienígenas, e acima de tudo, uma profunda desprovincialização da condição humana. Saberemos o que mais é possível.»

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Cosmos, de Carl Sagan.

 

E se o contato já tiver ocorrido? E se foi utilizado um meio mais eficaz que o rádio? E se a mensagem já estiver na internet?

Hehehe…

O realismo fantástico de Louis Pauwels e Jacques Bergier

 Louis Pauwels e Jacques Bergier

« Podia ter conciliado, muito mais cedo, o gosto pela vida interior e o amor pelo mundo em movimento. Podia ter construído mais cedo, e talvez com maior eficácia, quando as minhas forças estavam intactas, uma ponte entre a mística e o espírito moderno. Ter-me-ia sentido simultaneamente religioso e solidário com o grande impulso da história. Podia ter sentido mais cedo a fé, a caridade e a esperança. Este livro* resume cinco anos de pesquisas, em todos os setores do conhecimento, nas fronteiras da ciência e da tradição. Lancei-me nesta empresa nitidamente superior às minhas possibilidades, porque já não podia recusar por mais tempo este mundo presente e futuro que, no entanto, é o meu. Mas todo o excesso é esclarecedor. Podia ter descoberto mais cedo um meio de comunicação com a minha época. Pode ser que não tenha perdido totalmente o tempo ao ir até ao extremo da minha procura. Não acontece aos homens aquilo que eles merecem, mas sim o que se lhes assemelha. Procurei durante muito tempo, como o desejava o Rimbaud da minha adolescência, "a Verdade numa alma e num corpo". Não o consegui. Na perseguição dessa Verdade perdi o contato com as pequenas verdades que teriam feito de mim, não decerto o super-homem por que ansiava, mas um homem melhor e mais unificado do que sou. No entanto, aprendi, a respeito do comportamento profundo do espírito, dos diversos estados possíveis da consciência, da memória e da intuição, coisas preciosas que não teria aprendido de outra forma e que me permitiriam, mais tarde, compreender o que há de grandioso, de essencialmente revolucionário na base do espírito moderno: a interrogação sobre a natureza do acontecimento e a necessidade imperiosa de uma espécie de transmutação da inteligência

(…)

« É necessário apalpar, examinar os frutos-armadilhas, depois afastarmo-nos com rapidez. Satisfeita uma certa curiosidade, convém dirigir imediatamente a nossa atenção para o mundo em que estamos, recuperar a nossa liberdade e a nossa lucidez, retomar o caminho sobre a terra dos homens da qual fazemos parte. O que importa é ver em que medida o movimento essencial do pensamento dito tradicional encontra o movimento do pensamento contemporâneo. A física, a biologia, as matemáticas, nos seus aspectos terminais, contém atualmente certos dados do esoterismo, reúnem certas visões do cosmos, relações da energia e da matéria que são visões ancestrais. As ciências de hoje, se as abordamos sem conformismo científico, mantêm um diálogo com os antigos mágicos, alquimistas, taumaturgos. Opera-se sob o nosso olhar uma revolução, e há de novo um casamento inesperado da razão, no auge das suas conquistas, com a intuição espiritual. Para os observadores verdadeiramente atentos, os problemas que se põem à inteligência contemporânea já não são problemas de progresso. Há alguns anos que a noção de progresso deixou de existir. São problemas de mudança de estado, problemas de transmutação. Neste sentido, os homens atentos às realidades da experiência interior vão na direção do futuro e dão solidamente a mão aos sábios de vanguarda que preparam o surgimento de um mundo sem nada de comum com o mundo de pesada transição no qual vivemos ainda por algumas horas."»

(…)

« É portanto necessário, pensava eu antes de o iniciar, projetar a inteligência muito longe em direção ao passado e muito longe em direção ao futuro para compreender o presente. Apercebi-me de que tinha razão para não amar, outrora, as pessoas que são simplesmente "modernas". Somente eu condenava-as sem saber o porquê. Na verdade, são condenáveis porque o seu espírito apenas ocupa uma fração demasiado pequena do tempo. Mal surgem, tornam-se anacrônicas. O que é preciso ser, para estar presente, é contemporâneo do futuro.»

(…)

« Em cinco anos de estudos e reflexões, no decorrer dos quais os nossos dois espíritos [Pauwels e Bergier], bastante dessemelhantes, se sentiram sempre felizes em conjunto, parece-me que descobrimos um novo ponto de vista e rico em possibilidades. Era o que faziam, à sua maneira, os surrealistas há trinta anos atrás. Mas, ao contrário deles, não foi no sono e na infraconsciência que procuramos. Foi na outra extremidade: do lado da ultraconsciência e da vigília superior. Resolvemos chamar à escola que iniciávamos a escola do realismo fantástico. Ela não manifesta em coisa alguma preferência pelo insólito, o exotismo intelectual, o barroco, o pitoresco. "O viajante caiu morto, ferido pelo pitoresco", disse Max Jacob. Nós não procuramos a fuga a este mundo. Não exploramos os arrabaldes longínquos da realidade, tentamos pelo contrário, instalar-nos no centro. Cremos que é no próprio centro da realidade que a inteligência, por muito pouco excitada que seja, descobre o fantástico. Um fantástico que não convida à evasão, mas antes a uma mais profunda adesão. É por falta de imaginação que os letrados, os artistas vão procurar o fantástico fora da realidade, entre as nuvens. Trazem apenas um subproduto. O fantástico, à semelhança das outras matérias preciosas, deve ser arrancado às entranhas da terra, do real. E a verdadeira imaginação é coisa muito diferente de uma fuga para o irreal. "Nenhuma faculdade do espírito se afunda e penetra mais que a imaginação: é ela a grande mergulhadora. " Geralmente o fantástico é definido como uma violação das leis naturais, como a aparição do impossível. Para nós não é nada disso. O fantástico é uma manifestação das leis naturais, um resultado do contato com a realidade quando esta nos chega diretamente, e não filtrada pelo véu do sono intelectual, pelos hábitos, os preconceitos, os conformismos. A ciência moderna ensina-nos que para além do visível simples está o invisível complicado. Uma mesa, uma cadeira, o céu estrelado são na verdade radicalmente diferentes da idéia que deles fazemos: sistemas em rotação, energias em suspenso, etc. Era neste sentido que Valéry dizia que, no conhecimento moderno, "o maravilhoso e o positivo contraíram uma espantosa aliança". O que sobressai claramente, como se verá, segundo espero, neste livro, é que esse contrato entre o maravilhoso e o positivo não é apenas válido no domínio das ciências físicas e matemáticas. O que é verdadeiro para essas ciências é sem dúvida igualmente verdadeiro para os outros aspectos da existência: a antropologia, por exemplo, ou a história contemporânea, ou a psicologia individual, ou a sociologia. O que tem valor nas ciências físicas, é provável que também tem valor nas ciências humanas. Mas existem grandes dificuldades para que disso nos apercebamos. É que, nas ciências humanas, todos os preconceitos se refugiaram, incluindo aqueles que as ciências exatas atualmente desprezaram. E que, num domínio tão perto deles, e tão instável, os investigadores, para verem enfim claro, constantemente tentaram reduzir tudo a um sistema: Freud explica tudo, O Capital explica tudo, etc. Quando dizemos preconceitos, deveríamos dizer: superstições. Há as antigas e há as modernas. Para certas pessoas, nenhum fenômeno de civilização é compreensível se não admitimos, nas origens, a existência da Atlântida. Para outros, o marxismo chega para explicar Hitler. Alguns vêem Deus em todo e qualquer gênio, outros vêem apenas o sexo. Toda a história humana é templária, a menos que seja hegeliana. O nosso problema é portanto tornar sensível, no estado bruto, a aliança entre o maravilhoso e o positivo no homem isolado ou no homem em sociedade, da mesma forma que o é em biologia, em física ou em matemática modernas, onde se fala muito abertamente e, no fim de contas, muito simplesmente, de "Algures Absoluto" de "Luz Interdita" e de "Número Quântico de Estranheza". "À escala do cósmico (toda a física moderna no-lo ensina), só o fantástico tem probabilidades de ser verdadeiro", diz Teilhard de Chardin. Mas, para nós, o fenômeno humano deve igualmente medir-se pela escala do cósmico. É o que dizem os mais antigos textos da sabedoria. É igualmente o que diz a nossa civilização, que principia a lançar foguetões em direção aos planetas e procura o contato com outras inteligências. A nossa posição é portanto a de homens testemunhas das realidades do seu tempo. Vista de perto, a nossa atitude, que introduz o realismo fantástico das ciências superiores nas ciências humanas, nada tem de original. Aliás, nós não pretendemos ser espíritos originais. A idéia de aplicar as matemáticas às ciências não era realmente revolucionária: não obstante, deu resultados novos e importantes. A idéia de que o Universo talvez não seja aquilo que supomos não é original: mas reparemos como Einstein altera as coisas ao aplicá-la. É evidente que a partir do nosso método, um trabalho como o nosso, elaborado com o máximo de honestidade e o mínimo de ingenuidade, deve provocar mais interrogações do que soluções. Um método de trabalho não é um sistema de pensamento. Não acreditamos que um sistema, por muito engenhoso que seja, possa esclarecer por completo a totalidade da vida que nos ocupa. Podemos remoer indefinidamente o marxismo sem conseguir que nele caiba o fato de que Hitler teve várias vezes consciência, com terror, de que o Superior Desconhecido o visitara. E podia virar-se em todos os sentidos a medicina anterior a Pasteur sem dela extrair a idéia de que as doenças são causadas por animais pequenos demais para serem vistos. No entanto, é possível que haja uma resposta global e definitiva para todas as perguntas que formulamos, e que não a tenhamos ouvido. Nada é excluído, nem o sim, nem o não. Nós não descobrimos nenhuma "panacéia"; não nos transformamos em discípulos de um novo messias; não propomos doutrina alguma. Esforçamo-nos simplesmente por abrir para o leitor o maior número possível de portas, e, como a maior parte delas se abrem do lado de dentro, afastamo-nos para o deixar passar. Repito: o fantástico, a nossos olhos, não é o imaginário. Mas uma imaginação poderosamente aplicada ao estudo da realidade descobre que é muito tênue a fronteira entre o maravilhoso e o positivo, ou, se preferem, entre o universo visível e o universo invisível. Existe talvez um ou vários universos paralelos ao nosso. Creio que não teríamos empreendido esta tarefa se, no decorrer da nossa vida, não tivesse acontecido sentirmo-nos, realmente, fisicamente, em contato com outro mundo.»

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* O Despertar dos Mágicos – Introdução ao Realismo Fantástico, de Louis Pauwels e Jacques Bergier. (O texto acima é de Louis Pauwels.)

Li este livro pela primeira vez no Equador, em 1989, quando então o ganhei de aniversário de Antonio Naranjo e Cumandá Naranjo, meus saudosos “pais de intercâmbio”. (Sob o título El Retorno de los Brujos.) Nunca mais fui o mesmo…

Foi nele que li pela primeira vez um conto de Jorge Luis Borges: El Aleph.

Voltei a lê-lo em 1999, na Casa do Sol, a pedido da escritora Hilda Hilst — de quem fui secretário e webmaster –, que queria discuti-lo comigo. (Ela me disse que o exemplar que possuía havia sido um presente do Jô Soares.)

Sinceramente? Quem nunca leu O Despertar dos Mágicos é mulher do padre.

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Harold Bloom e os livros que valem a pena ser lidos

 Harold Bloom

« Os motivos para ler, como para escrever, são muito diversos, e muitas vezes não claros mesmo para os leitores ou escritores mais autoconscientes. Talvez o motivo último para metáfora, ou para a escrita e leitura de uma linguagem figurativa, seja o desejo de ser diferente, estar em outra parte. Nesta afirmação eu sigo Nietzsche, que nos advertia que aquilo para que conseguimos encontrar palavras já está morto em nosso coração, de modo que há sempre uma espécie de desprezo no ato de falar. Hamlet concorda com Nietzsche, e os dois talvez tenham estendido o desprezo ao ato de escrever. Mas não lemos para descarregar nossos corações, portanto não há desprezo no ato de ler. As tradições nos dizem que o eu livre e solitário escreve para vencer a mortalidade. Creio que o eu, em sua busca para ser livre e solitário, em última análise lê com um só objetivo: encarar a grandeza. Esse confronto mal disfarça o desejo de juntar-se à grandeza, que é a base da experiência estética outrora chamada de o Sublime: a busca de uma transcendência de limites. Nosso destino comum é a velhice, a doença, a morte, o esquecimento. Nossa esperança comum, tênue mas persistente, é alguma versão de sobrevivência.

« Encarar a grandeza quando lemos é um processo íntimo e dispendioso, e jamais esteve em grande voga crítica. Agora, mais que nunca, está fora de moda, quando a busca de liberdade e solidão é condenada como politicamente incorreta, egoísta e não adequada à nossa sociedade angustiada.»

(…)

« Que utilidade pode ter para um crítico individual, tão tardiamente na tradição, catalogar o Cânone ocidental como o vê? Mesmo nossas universidades de elite hoje estão inertes diante das continuadas levas de multiculturalistas. Ainda assim, ainda que nossas atuais modas prevaleçam para sempre, as escolhas canônicas de obras passadas e presentes têm seu próprio interesse e encanto, pois também elas fazem parte da continuada disputa que é a literatura. Todo mundo tem, ou deve ter, uma lista para uma ilha deserta, para o dia em que, fugindo de seus inimigos, seja lançado na praia, ou quando se afastar capengando, todas as guerras feitas, para passar o resto de seu tempo lendo tranqüilamente. Se eu pudesse ter um livro, seria Shakespeare completo; se dois, isso e a Bíblia. Três? Aí começam as complexidades. William Hazlitt, um dos poucos críticos definitivamente no Cânone, tem um esplêndido ensaio “Sobre a leitura de Velhos Livros”:

Não penso inteiramente o pior de um livro por ter sobrevivido ao autor uma ou duas gerações. Confio mais nos mortos que nos vivos. Os escritores contemporâneos podem em geral dividir-se em duas classes – nossos amigos e nossos inimigos. Dos primeiros, somos obrigados a pensar bem demais, e dos últimos estamos dispostos a pensar mal demais, receber muito prazer da folheada, ou julgar com justiça o mérito de uns e outros.

« Hazlitt manifesta uma cautela própria ao crítico numa era de crescente tardiedade. A superpopulação de livros (e autores), causada pela extensão e complexidade da história registrada do mundo, está no centro dos dilemas canônicos, hoje mais que nunca. “Que vou ler?” não é mais a questão, uma vez que tão poucos lêem hoje, na era da televisão e do cinema. A questão pragmática tornou-se: “Que não vou me dar o trabalho de ler?”»

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« A ideologia desempenha um papel considerável na formação de um cânone literário se se quer insistir em que uma posição estética é em si uma ideologia, uma insistência comum a todos os seis ramos da Escola do Ressentimento: feministas, marxistas, lacanianos, neo-historicistas, desconstrucionistas, semióticos. Há, evidentemente, estética e estética, e os apóstolos que acreditam que o estudo literário deve ser uma franca cruzada pela transformação social obviamente manifestam uma estética diferente da minha versão pós-emersoniana de Pater e Wilde.»

(…)

« Por que, então, é a literatura tão vulnerável à investida de nossos idealistas sociais contemporâneos? Uma resposta parece ser a ilusão comum de que menos conhecimento e menos habilidade técnica são necessários para a produção ou compreensão da literatura de imaginação (como a chamávamos) que para outras artes.

« Se todos falássemos em notas musicais ou pinceladas, suponho que Stravinsky e Matisse estariam sujeitos aos riscos peculiares hoje sofridos pelos autores canônicos. Tentando ler muitas das obras apresentadas como alternativas do ressentimento ao Cânone, reflito que esses aspirantes devem acreditar que falaram prosa a vida inteira, ou então que suas sinceras paixões são já poemas, exigindo apenas uma pequena reescrita. Volto-me para minhas listas, esperando que os sobreviventes letrados encontrem entre si alguns autores e livros que ainda não encontraram, e colham as recompensas que só a literatura canônica oferece.»
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O Cânone Ocidental, de Harold Bloom.

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