palavras aos homens e mulheres da Madrugada

Categoria: Literatura Page 24 of 37

Mario Vargas Llosa fala da patrulha esquerdista

Mario Vargas Llosa

Por que é tão difícil para os intelectuais da sua geração abandonar as idéias obsoletas da esquerda?

A esquerda tem o controle do establishment cultural. Ela domina o mundo acadêmico, as editoras e até os setores de cultura dos jornais e de revistas de direita. Isso dá um poder de chantagem enorme à esquerda. Todo escritor, desde muito jovem, sabe que não ser de esquerda significa defrontar portas fechadas. Por outro lado, ser esquerdista garante regalias. A esquerda fracassou em tudo, menos no controle da cultura. Isso foi possível porque a direita é muito ignorante e também por não ter se preocupado em utilizar a cultura ideologicamente, politicamente. A esquerda, sim. Como resultado, muitos intelectuais e artistas, inclusive aqueles que não militam na esquerda, jamais se atrevem a criticá-la. Isso não ocorre apenas na América Latina. Conheci um ambiente assim na França dos anos 60. Não ser de esquerda dava muita dor de cabeça.

Foi o que aconteceu quando o senhor rompeu com Cuba, em 1971?

Sim. Quando rompi abertamente com Cuba, parecia que eu tinha contraído a peste. Eu era atacado por todos os lados em manifestos muito violentos. Desde então, tive de dedicar uma parte considerável da minha vida não apenas a defender minhas idéias, mas também a dizer o que eu não sou. Na lógica dos patrulheiros, quem não é comunista só pode ser nazista, defender o apartheid na África do Sul e ser a favor da Guerra do Vietnã. Explicar cada dia, cada semana, que não se é nada disso é um trabalho muito chato e incômodo. Por isso, muitos escritores dizem que são de esquerda só para ser deixado em paz.

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Fonte: Revista Veja, edição 2187 – “Queremos ser pobres”, uma entrevista com Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura de 2010.

¿Quem nunca levou uma porta na cara por criticar a esquerda? O principal elogio que meu primeiro livro recebeu, e do qual muito me orgulho, foi escrito pelo filósofo Olavo de Carvalho… (Nem irei falar das entrevistas no You Tube…) ¿Será que vocês podem imaginar o que isso significa quando se faz necessário conseguir um trabalho em jornal, revista, editora, agência de publicidade (sim, até em publicidade) e quejandos? Houve quem me aconselhasse a desaparecer com tal elogio, afinal, a vida de quem escreve, nos dias de hoje, é um site aberto. E basta uma rápida visita ao Google, feita pelo empregador, para que mais uma porta se feche… No entanto, ¿por qual razão eu esconderia o elogio de uma das pessoas cuja inteligência e cujo caráter eu mais respeito? Como já dizia Louis Pauwels, “o público em geral não sabe que estamos em guerra civil nos meios da cultura. Contudo, o resultado dessa guerra determinará o destino cotidiano”.

Luis Fernando Allen e Woody Veríssimo

Woody Allen e Luis Fernando Veríssimo

Alguns contos do Luis Fernando Veríssimo parecem ter sido escritos pelo Woody Allen. E vice-versa. Já havia notado isso? Não? Então procure pelos contos humorísticos desses dois. É possível, por exemplo, colocar a assinatura de Veríssimo sob o conto Conde Drácula, de Woody Allen, e ninguém duvidará que foi o gaúcho quem o escreveu. Da mesma forma, escreva Woody Allen sob os contos Brincadeira e Suspiros , ambos de Veríssimo, e ninguém duvidará dessa suposta autoria. Não estou dizendo que um tenha imitado o outro, nada disso. Creio apenas que sejam ambos do mesmo planeta criativo.

Luis Fernando Allen e Woody Veríssimo. Nada mais, nada menos. Esses dois são muito parecidos. Se brasileiro fosse, Woody Allen teria escrito, anos a fio, maravilhas sobre os petistas e demais sanguessugas do progressismo. Tal como fez Luis Fernando Veríssimo. Se norte-americano, Luis Fernando Veríssimo teria elogiado Obama na imprensa ianque, tal como o liberal Woody Allen. E teria feito piadas semelhantes sobre os religiosos, os conservadores, a Igreja, a família, as feministas, os psicanalistas, os capitalistas, os comunistas e assim por diante, todas dignas de perdão e muitas risadas, porque piadas. Claro, ele as teria feito em inglês e cinematograficamente, porque, em português, ele as fez, pois estão escritas, publicadas e à venda nas melhores livrarias. Aliás, que pena que Veríssimo seja — conforme reza a lenda — tão tímido. E que pena a economia brasileira, tão keynesiana, tão subjugada pelo Estado, seja também tão tímida. Do contrário, tal como Allen, Veríssimo teria migrado em algum momento para o cinema e nos brindado com excelentes comédias. (Filmes são caros, você sabe. Economias tímidas não suportam muitos filmes ao ano.) Bem, alguns filmes ou comédias televisivas foram realizados sob sua influência — inevitável, já que certos contos de Luis Fernando Veríssimo são verdadeiros roteiros — mas nenhum haveria de se comparar a um longa-metragem original escrito e dirigido por ele. Talvez o carma de se defender uma economia atrelada ao Estado seja este: ter todo o talento para se tornar um ótimo cineasta e não poder sê-lo porque um filme de humor tão refinado seria um investimento demasiado grande para um retorno financeiro tão mirrado. Sim, infelizmente, o humor refinado não é muito popular. Mas, num país de capitalismo mais saudável, como o norte-americano, o retorno seria o bastante para tornar a atividade auto-sustentável, tal como a de Woody Allen, que não lança blockbusters, mas que sempre consegue rodar ao menos um filme por ano. Detalhes…

Gosto desses dois autores porque seu humor fala diretamente ao meu senso de humor. São excelentes ao explorar o contraste existente na fronteira entre o convencional e o ridículo. Por isso não me importa mais a visão de mundo que apresentam explícita ou implicitamente em suas obras ou fora delas. E tampouco dou atenção ao que dizem a sério por aí. Da mesma forma, prefiro mil vezes mais ouvir as músicas geniais do Caetano Veloso a saber o que o compositor baiano pensa sobre as eleições, o presidente, a economia, etc. Quero que o mundo continue sendo um mundo em que todos eles possam falar o que lhes der nas telha. Mas que não parem de fazer o que sabem fazer melhor.

Ah, antes que eu me esqueça: tanto Allen quanto Veríssimo são músicos diletantes de jazz! Que coisa…

Mario Vargas Llosa (Nobel de Literatura 2010): El viaje a la ficción

Mario Vargas Llosa expone su visión sobre el fenómeno literario y los vínculos entre la realidad y la ficción.

José Bonifácio fala do Caráter Geral dos Brasileiros et cetera

José Bonifacio de Andrada e Silva

« É preciso sacrificar-se para o bem do Brasil, e tu não verás este bem. Os campos estão cheios de sementeiras de flores e tu não as gozarás… Vivamos hoje se no-lo permitem; não lutemos contra o Destino.»

(…)

« Se me acusarem de plagiário, direi com Byron que não faço escrúpulo de servir-me dos pensamentos alheios, que me parecem felizes. Quanto Shakespeare não tirou dos seus contemporâneos e quanto o nosso Camões!»

(…)

« Devemos saber ignorar em paz muita coisa grande.»

(…)

« O viajeiro, que como eu há tanto tempo viaja, é como o homem que come muito sem tempo de digerir. Desejo voltar à pátria para poder fazer boa digestão e ruminar o que hei visto.»

(…)

« La Vita Nuova de Dante é o breviário do amor. Dante é intraduzível. Podem-se verter os pensamentos, mas não a beleza, a simplicidade clássica.»

(…)

« O homem de bem projeta e espera; o ambicioso agita-se e precipita-se.»

(…)

« O déspota que não pode ser amado quer ser temido.»

(…)

« O brasileiro, que possui uma terra virgem debaixo de um céu amigo, recebeu das mãos da benigna natureza todo o físico da felicidade, e só deve procurar formá-lo em bases morais de uma boa Constituição que perpetue nossos bons costumes. Devemos ser os chins do Novo Mundo sem escravidão política e sem momos. Amemos pois nossos usos e costumes, ainda que a Europa se ria de nós.»

(…)

« Um grande poeta não pode ser ateu ou indiferente.»

(…)

« No Brasil, a virtude quando existe é heróica porque tem de lutar com a opinião e o governo.»

(…)

« No Brasil, há um luxo grosseiro a par de infinitas privações de coisas necessárias.»

(…)

« De que servia fazer leis se a sua execução estava entregue à mais infame corrupção?»

(…)

« As nações pouco cultas, mas vivas e impetuosas como a nossa, detestam novidades de prática, mas abraçam logo todas as especulativas, sejam quais forem.»

(…)

«Não é senhor de si quem a outrem sujeitou a língua. Um só homem, que queira e saiba falar a tempo, faz calar e tremer a muitos, pode ser a conservação de um povo inteiro que o silêncio perderia. A verdade muda introduz a tirania.»

(…)

« Caráter geral dos Brasileiros. Os Brasileiros são entusiastas do belo ideal, amigos da sua liberdade e mal sofrem perder as regalias que uma vez adquiriram. Obedientes ao justo, inimigos do arbitrário, suportam melhor o roubo que o vilipêndio; ignorantes por falta de instrução, mas cheios de talento por natureza; de imaginação brilhante e por isso amigos de novidades que prometem perfeição e enobrecimento; generosos mas com bazófia; capazes de grandes ações, contanto que não exijam atenção aturada e não requeiram trabalho assíduo e monotônico; apaixonados do sexo por clima, vida e educação. Empreendem muito, acabam pouco. Serão os Atenienses da América se não forem comprimidos e desanimados pelo despotismo.»

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Trechos de José Bonifácio, com textos selecionados por Octavio Tarquínio de Sousa. Para ler sobre José Bonifácio de Andrada e Silva

Alguns poemas de Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos

O COVEIRO

Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.
Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro
Da morte, quem matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chão,
Ali jazia o seu amor primeiro!
Depois, tomando a enxada, gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente:
– “Ai, foi por isso que me fiz coveiro!”

O LUPANAR

Ah! Por que monstruosíssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do ângulo diedro da parede,
A alma do homem polígamo e lascivo?!
Este lugar, moços do mundo, vede:
É o grande bebedouro coletivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vêm matar a sede!
É o afrodístico leito do hetairismo,
A antecâmara lúbrica do abismo,
Em que é mister que o gênero humano entre,
Quando a promiscuidade aterradora
Matar a última força geradora
E comer o último óvulo do ventre!

O MARTÍRIO DO ARTISTA

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetas células guarda!
Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz e na que ardente o lavra
Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!

O MORCEGO

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

A ESPERANÇA

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!

AMOR E CRENÇA

Sabes que é Deus? Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?
Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?
Ah! Se queres saber a sua grandeza
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!
Deus é o Templo do Bem. Na altura imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a crença,
Ama, pois, crê em Deus e… sê bendita!

AMOR E RELIGIÃO

Conheci-o: era um padre, um desses santos
Sacerdotes da Fé de crença pura,
Da sua fala na eternal doçura
Falava o coração. Quantos, oh! Quantos
Ouviram dele frases de candura
Que d’infelizes enxugavam prantos!
E como alegres não ficaram tantos
Corações sem prazer e sem ventura!
No entanto dizem que este padre amara.
Morrera um dia desvairado, estulto,
Su’alma livre para o céu se alara.
E Deus lhe disse: “És duas vezes santo,
Pois se da Religião fizeste culto,
Foste do amor o mártir sacrossanto.”

SONETO

A praça estava cheia. O condenado
Transpunha nobremente o cadafalso,
Puro do crime, isento de pecado,
Vítima augusta de indelével falso.

E na atitude do Crucificado,
O olhar azul pregado n’amplidão,
Pude rever naquele desgraçado
O drama lutuoso da Paixão.

Quando do algoz cruento o braço alçado
Se dispunha a vibrar sem compaixão
O golpe na cabeça do culpado

Ele, o algoz – o criminoso – então,
Caiu na praça como fulminado
A soluçar: perdão, perdão, perdão!

ARIANA

Ela é o tipo perfeito da ariana.
Branca, nevada, púbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essência que de si dimana.

As níveas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.

Dorme talvez. Em flácido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana.

Enquanto o amante pálido, a seu lado,
Medita, a fronte triste, o olhar velado,
No Mistério da Carne Soberana.

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Eu e Outras Poesias, de Augusto dos Anjos

Copiar não é Roubo / Copy is not theft



O vídeo acima me lembra que, meses atrás, respondi a uma pergunta no Formspring sobre direitos autorais. (Leia aqui.) Continuo pensando da mesma forma no que se refere a “atribuição de autoria”, “obras derivadas” e tudo o mais. Mas o problema da remuneração continua, cada vez mais gordo, enquanto os artistas não bancados pelo ☭Estado☭ emagrecem a olhos vistos. (Arte é, em certo sentido, um investimento de tempo, o qual se cristaliza na forma de dinheiro, que, por sua vez, está nas mãos do Estado — impostos, gente! impostos! — ou nos bolsos de investidores incultos.) Num mundo ideal, creio que o mais correto seria — no caso dos ebooks, por exemplo — os livros espalharem-se livremente pela rede e, caso o leitor gostasse do texto, que então fizesse (de livre e espontânea vontade, lógico) uma doação ao autor através do PayPal (ou serviço semelhante). Infelizmente o mundo ideal não existe e as pessoas não querem jogar moedinha no chapéu de artista nenhum, essa gente à toa, essas cigarras desprovidas de senso prático. Aliás, aqui no Brasil, retribuir financeiramente algo que se recebeu “de graça”?! Isso nem nos passa pela cabeça. A Lygia Fagundes Telles, quando a visitei anos atrás, me disse que ganhava mais dinheiro dando palestras que através de direitos autorais. Talvez, da mesma forma que os músicos foram obrigados a sair em turnê para conseguir sobreviver — e temos de agradecer aos arquivos MP3 por isso (graças a esse estado de coisas já rolou até um show do The Doors a dois quarteirões da minha casa; sim, sem o Jim Morrison) –, da mesma forma que os músicos, os escritores terão de fazer o mesmo: sair a dar palestras, oficinas literárias, de roteiro, fazer stand-up comedy ou coisa assim. Só que as pessoas tampouco parecem saber que isso é possível e, além de conveniente, uma necessidade para o escritor. Quando finalmente o convidam, a não ser que seja um evento patrocinado pelo Estado (ah, esse nosso socialismo disfarçado…), querem que você faça, sim, tudo de graça, o que me lembra este outro vídeo aqui.

Mas o assunto era Copyright… Bem, este site apresenta a questão de uma forma bastante abrangente. E esta palestra (também em inglês, sem legendas) resume bem a situação toda. E, claro, é sempre bom, em casos assim, recorrer ao Mises Institute: aqui e aqui.

Stanislaw Ponte Preta e O menino que chupou a bala errada

Sérgio Porto

Diz que era um menininho que adorava bala e isto não lhe dava qualquer condição de originalidade, é ou não é? Tudo que é menininho gosta de bala. Mas o garoto desta história era tarado por bala. Ele tinha assim uma espécie de idéia fixa, uma coisa assim… assim, como direi? Ah… creio que arranjei um bom exemplo comparativo: o garoto tinha por bala a mesma loucura que o Sr. Lacerda tem pelo poder. [Eu, Yuri, diria “a mesma loucura que o Sr. Lula tem pelo poder”. Entendeu agora?]

Vai daí um dia o pai do menininho estava limpando o revólver e, para que a arma não lhe fizesse uma falseta, descarregou-a, colocando as balas em cima da mesa. O menininho veio lá do quintal, viu aquilo ali e perguntou pro pai o que era:

– É bala – respondeu o pai, distraído.

Imediatamente o menininho pegou diversas, botou na boca e engoliu, para desespero do pai, que não medira as conseqüências de uma informação que seria razoável a um filho comum, mas não a um filho que não podia ouvir falar em bala que ficava tarado para chupá-las.

Chamou a mãe (do menino), explicou o que ocorrera e a pobre senhora saiu desvairada para o telefone, para comunicar a desgraça ao médico. Esse tranqüilizou a senhora e disse que iria até lá, em seguida.

Era um velho clínico, desses gordos e bonachões, acostumados aos pequenos dramas domésticos. Deu um laxante para o menininho e esclareceu que nada de mais iria ocorrer. Mas a mãe estava ainda aflita e insistiu:

– Mas não há perigo de vida, doutor?

– Não – garantiu o médico: – Para o menino não há o menor perigo de vida. Para os outros talvez.

– Para os outros? – estranhou a senhora.

– Bem… – ponderou o doutor: – o que eu quero dizer é que, pelo menos durante o período de recuperação, talvez fosse prudente não apontar o menino para ninguém.

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De Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto).

Fonte: “365 – Seleção de Leitura e Informação”, 1973 (?).

Sugiro, para começar, o livro O Melhor de Stanislaw Ponte Preta.

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