palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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Roger Scruton diz por que a beleza importa

Um documentário imperdível do filósofo Roger Scruton, que trata da perda do sentido do belo em nossa época. (Para ativar as legendas, clique no ícone “cc”.)

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William James e A Vontade de Crer

William James

“(…) uma defesa de nosso direito de adotar uma atitude crente em assuntos religiosos, a despeito do fato de que nosso intelecto lógico meramente possa não ter sido coagido.”

(…)

“[Hipótese viva] é a que se mostra como uma possibilidade real a quem é proposta.”

(…)

[Se uma hipótese é viva, há uma] “tendência a agir por ela”.

(…)

“Nossa natureza passional não somente pode mas deve legalmente decidir quanto a optar entre proposições, sempre quando é uma opção genuína que não pode, por sua natureza, ser decidida em bases intelectuais.”

(…)

“Os absolutistas (…) dizem que nós não somente podemos atingir o conhecimento da verdade, mas que podemos saber quando atingimos o seu conhecimento; ao passo que o empírico pensa que, embora possamos atingi-la, não podemos infalivelmente saber quando. Saber é uma coisa, e saber ao certo o que conhecemos é outra.”

(…)

“A evidência objetiva e a certeza são, sem dúvida, categorias muito elevadas para o trato, mas onde porém, nesse planeta iluminado pela Lua e visitado pelo sonho, podemos encontrá-las?”

(…)

[Há um conflito entre duas leis distintas:] “Devemos conhecer a verdade” e “Devemos evitar o erro”.

(…)

“Quando nos apegamos à idéia de que há uma verdade (seja de que espécie for), fazemo-lo com toda a nossa natureza e resolvemos ficar de pé ou cair por seus resultados. O cético, com toda a sua natureza, adota a atitude duvidosa; qual de nós, porém, é o mais sábio, só Deus o sabe.”

(…)

“Há, então, casos onde um fato não pode vir de todo, a não ser que exista uma fé preliminar em sua vinda. E onde a fé em um fato pudesse ajudar a criar o fato, seria um lógico insano quem dissesse que a fé correndo adiante da evidência científica é a ‘mais baixa espécie de imoralidade’ na qual um ser pensante pode cair.”

(…)

“Nas verdades dependentes de nossa ação pessoal, então, a fé baseada no desejo é certamente uma coisa legal e possivelmente indispensável.”

(…)

“É melhor arriscar a perda da verdade do que a possibilidade de erro: essa é a posição exata de quem veta a fé.”

(…)

“Pregar ceticismo como um dever até que seja encontrada uma ‘evidência suficiente’ para a religião, é equivalente, portanto, a dizer-nos, quando em presença da hipótese religiosa, que ceder ao medo de ser um erro é mais sábio e melhor do que ceder à esperança de que possa ser verdadeira.”

(…)

“Que prova há de que a tapeação através da esperança é muito pior do que aquela através do medo?”

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A Vontade de Crer”, de William James.

Johann Wolfgang von Goethe: trechos do Diário de Otília

Goethe

“O melhor consolo para o medíocre é pensar que o homem de gênio também é mortal.”

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“Na vida toma-se a pessoa pela aparência, mas é preciso que aparente alguma coisa. São mais bem suportados os importunos que os insignificantes.”

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“Pode-se impor tudo à sociedade, menos o que tiver conseqüência.”

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“Não conhecemos os homens, quando vêm ao nosso encontro; é preciso ir ao encontro deles para sabermos o que eles verdadeiramente são.”

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“A convivência com senhoras é a base dos bons costumes.”

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“Não há nenhum sinal exterior de cortesia, que não contenha sólida base de moral. A verdadeira educação seria a que prendesse a causa ao gesto.”

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“A conduta é um espelho no qual cada um reflete sua imagem.”

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“Há uma cortesia do coração, que é parenta do amor. Dela emana a mais natural urbanidade da conduta exterior.”

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“Uma dependência voluntária é o mais belo estado; e como seria isso possível sem amor?”

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“Nunca nos afastamos tanto dos nossos desejos, como quando julgamos possuir o objeto desejado.”

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“Ninguém mais escravo que aquele que se julga livre sem sê-lo.”

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“Basta que nos declaremos livres para que, no mesmo instante, nos sintamos escravizados. Se ousamos declarar-nos dependentes, sentimo-nos livres.”

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“Contra grandes superioridades de segunda, o único meio de salvação é o amor.”

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“Situação insuportável para um homem superior: ver tolos vangloriarem-se diante dele.”

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“Ninguém é herói para seu camareiro, costuma-se dizer. Mas isso é porque o herói só é reconhecido por outro herói. É muito provável que o camareiro saiba apreciar outro camareiro.”

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“Os maiores homens estão sempre ligados ao seu século por alguma fraqueza.”

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“Geralmente julgamos os homens mais perigosos do que realmente são.”

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“Os nécios e os sensatos são igualmente inofensivos. Somente os semiloucos e os semiprudentes são perigosos.”

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“A arte é o recurso mais seguro de o homem evitar o mundo e nela está o meio mais eficaz de se ligar a ele.”

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“Até no auge da ventura e da maior desgraça sentimos necessidade do artista.”

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“A arte se ocupa do que é difícil e do que é bom.”

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“Quando vemos o difícil ser facilmente executado, temos a impressão do impossível.”

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“As dificuldades aumentam quanto mais nos aproximamos da meta.”

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“Semear não é tão difícil quanto colher.”

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Afinidades Eletivas, de Johann Wolfgang von Goethe.

A amizade e o entusiasmo pela vida

urantia

"O isolamento tende a exaurir a carga de energia da alma. A associação com os semelhantes é essencial para a renovação do gosto pela vida e é indispensável à manutenção da coragem para lutar nas batalhas conseqüentes da ascensão aos níveis mais elevados da vida humana. A amizade intensifica as alegrias e glorifica os triunfos na vida. As ligações humanas de amor e intimidade tendem a aliviar o sofrimento das penas da vida e a dificuldade de muitas amarguras. A presença de um amigo acentua toda a beleza e exalta toda a bondade. Por meio de símbolos inteligentes, o homem torna-se capaz de vivificar e aumentar as capacidades de apreciação dos seus amigos. Uma das glórias que coroam as amizades humanas é esse poder e possibilidade de estímulo mútuo da imaginação. Um grande poder espiritual é inerente à consciência da devoção, de todo o coração, a uma causa comum, à lealdade mútua a uma Deidade cósmica."

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The Urantia BookDocumento 160: Rodam de Alexandria

Quatro contribuições brasileiras ao pensamento universal

Olavo de Carvalho

« Mas, como dizia Reinhold Niebuhr, a consciência do homem está sempre um pouco acima da sociedade em que vive. O melhor do que o Brasil guardou para o futuro está nas criações do gênio individual. Ao contrário do que se passa com a língua e com a religião nacionais, elas sobrevivem às perguntas: Qual o valor da contribuição brasileira para a inteligência humana em sua caminhada sobre a Terra? Demos à humanidade algo de que ela realmente necessite, ou limitamo-nos a solicitar sua atenção para as nossas necessidades?

« Na esfera do pensamento — e excluindo portanto as manifestações artísticas, que escapam ao tema do presente capítulo —, o Brasil deu pelo menos quatro contribuições maiores, que sobreviverão à passagem dos séculos. Absolutamente incomparáveis, a sociologia de Gilberto Freyre, o pensamento jurídico e político de Miguel Reale, a obra crítica e historiográfica de Otto Maria Carpeaux e a filosofia de Mário Ferreira dos Santos são os pontos mais altos alcançados pelo pensamento brasileiro no seu esforço de cinco séculos para erguer-se à escala do universalmente humano. Se o povo brasileiro fosse varrido da existência na data de hoje, seria a eles que caberia comparecer em nosso nome ante o trono do Altíssimo para responder à cobrança temível: — Que fizeste dos talentos que te dei?

« As razões que sustentam essa avaliação podem ser resumidas em quatro palavras, que definem as esferas de realização abrangidas por cada uma dessas obras ciclópicas: cada uma delas é, mais que qualquer outra produzida neste país, abrangente, consistente, única e universal. Estes quatro adjetivos não têm apenas uma função enfática e laudatória, mas traduzem critérios precisos:

« 1° Cada uma delas abrange numa visão sintética a totalidade temática e problemática de um determinado campo do conhecimento até o ponto a que este havia chegado, em sua evolução histórica, no momento em que essa obra atingia seu ponto culminante.

« 2° Cada uma delas possui uma unidade orgânica que coere em torno de princípios fundamentais simples a vastidão do campo abrangido.

« 3° Cada uma delas é sem similares que as possam substituir em qualquer outra língua ou cultura.

« 4° Cada uma delas fala aos homens de todos os quadrantes, levando-lhes, desde o Brasil, um conhecimento essencial, a respeito não apenas do Brasil, mas a respeito deles mesmos e do mundo em que vivem. Dito de outro modo: nessas obras e somente através delas entramos plenamente no diálogo universal dos homens, superando o complexo egocêntrico de uma cultura voltada para si mesma.

« Todas elas e somente elas atendem a esses requisitos.

« Se alguém quiser por em dúvida a validade dos quatro critérios, movido por escrúpulos que lhe pareçam muito científicos no que diz respeito à possibilidade de fixar objetivamente o “mais alto” e o “menos alto”, direi que toma suas inibições pessoais como rigores de método.»

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O Futuro do Pensamento Brasileiro – Estudos sobre nosso lugar no mundo, de Olavo de Carvalho.

Mário Ferreira dos Santos: a diferença entre Ética e Moral

Mário Ferreira dos Santos

§ 56 Ao ser humano cabe a frustrabilidade de certos atos, que pode ele fazer ou não. Os animais dizem sempre sim à natureza. O homem, porém, pode dizer não. Nesse “não” está o índice de sua grandeza, a abertura de sua elevação, mas também o primeiro passo para os seus erros. O homem pode frustrar o dever-ser. O dever-ser dos animais é fatal porque eles obedecem aos instintos. Mas o do homem é frustrável, porque ele é inteligente e dispõe da vontade.

§ 57 E por que se dão tais coisas? As razões são simples: o homem não é um ente imutável e eterno. É um ente mutável e temporal. Sua vida é um longo itinerário, um longo drama, porque ele atua e sofre sucessivamente uma longa realização dramática, porque ele age e faz. E como age e faz, ele prefere e pretere. Por isso, ao longo do drama humano, ao longo da sua práxis, da sua prática, o homem avalia valores.

§ 58 Em toda vida prática do homem há a presença dos valores que são julgados, preferidos e preteridos. Onde há ação humana, há a presença do valor, e o que o homem faz ou sofre é conveniente mais ou menos ou não à sua natureza estática, dinâmica e cinematicamente considerada. Em tudo, portanto, há valores, maiores ou menores. E, ademais, o homem dá suprimento de valor ao que lhe convém, como também lhes retira. Supervaloriza ou desvaloriza. Todas estas características do homem são precisamente o que lhe dá o caráter da sua peculiaridade.

§ 59 Mas esses valores são valores do homem, por isso são valores humanos (em grego, valor é axiós e o homem é antropos, daí chamarem-se esses valores de axioantropológicos). Toda vida ativa e factiva do homem (a vida técnica) está cheia da presença dos valores e dos desvalores do homem. Por essa razão, cada ato humano é mais ou menos digno, segundo tenha mais ou menos valor. A dignidade dos atos continuados marca o seu valor.

§ 60 Os atos continuados constituem o costume (o que os gregos chamavam ethos e os latinos mos, moris, de onde vêm Ética e Moral). Os atos éticos ou morais são atos que têm valor, são atos, portanto, que têm dignidade. É eticamente valioso o dever-ser que corresponde à justiça como antes expusemos: é eticamente vituperável, indigno, o ato que ofende a justiça, ou seja, o direito, o que é devido à conveniência da natureza humana, na multiplicidade em que ela pode ser considerada.

§ 61 Assim, toda vida prática do homem gira em torno da Ética. Realmente a vida prática do homem é a vida ativa e a vida factiva, e naturalmente essa vida gira em torno do que é conveniente ou desconveniente. Na ação e na realização da vontade, há apreciações de valores do que convém e do que não convém, conseqüentemente, do dever-ser frustrado e, por isso, giram todas em torno da Ética, que tem de estar presente em todos os atos da vida prática. E prossegue o texto: como disciplina filosófica, esta tem por objeto formal a atividade humana em relação ao que é conveniente ou não à sua natureza. Os atos podem ser assim éticos ou antiéticos, ou então anéticos. Éticos, os que devem ser realizados; antiéticos, os que não deveriam ser realizados; e anéticos, os que nos parecem indiferentes.

§ 62 Portanto, toda vida ativa e factiva (técnica, artística) do homem se dá dentro da esfera ética. Razão tinham, pois, os filósofos antigos que punham o Direito, a Economia, a Sociologia, a Técnica e a Arte como inclusas e subordinadas à Ética, porque os atos humanos estão sempre marcados de eticidade. Esta a razão por que se deve distinguir Ética de Moral. Esta distinção não é arbitrária. Ora, os antigos, ao distinguirem essas disciplinas e as colocarem subordinadas à Ética, não subordinavam totalmente e absolutamente, porque há uma parte de cada uma dessas disciplinas, que é tipicamente própria das disciplinas, que é a sua parte específica. A Ética, então, funcionava em relação a essas disciplinas na mesma relação de gênero para espécie.

§ 63 A Ética estuda o dever-ser humano, a Moral descreve e prescreve como se deve agir para realizar este dever-ser. A Moral é variante, mas a Ética é invariante. Podem os homens, mas assistidos pela intelectualidade, errarem quanto à eticidade de um ato e estabelecer um costume (moral) que nem sempre é conveniente ou é exagerado. Podem errar, porque o homem pode errar, mas se der ele o melhor de sua atenção à Ética, ele não errará e poderia evitar os erros na Moral. É essa a razão por que muitas vezes encontramos diferenças entre a moral e a ética. E muitas vezes vimos que certos costumes de certos povos ofendem a princípios de justiça, porque nem sempre o homem escolhe como modo de proceder (seria o modo moral) aquele que melhor corresponde à realização do dever-ser ético, e às vezes é movido por certas circunstâncias históricas, ambientais, que determinam agir desse modo e não doutro, porque, apesar de não ser benéfico como seria de desejar, é menos maléfico do que de outros modos de proceder. Assim pode-se compreender que certas tribos, em determinadas circunstâncias, se vissem forçadas a liquidar os elementos inválidos que a constituíam, para que sobrassem alimentos suficientes para manutenção dos que tinham maior capacidade de sobrevivência. Este ato eticamente considerado é falho, mas moralmente considerado ele tem uma desculpa, dada as circunstâncias ambientais e históricas daquela tribo. Por isso, muitas vezes a moral pode chocar-se com a ética, e nem sempre a moral conheceria a melhor resposta ou a melhor solução ao dever ético. Nós hoje estamos numa crise, não de ética, estamos numa crise de moral, e esta crise na moral está por uma má visualização da diferença entre moral e ética. Como a moral decai, como a moral não consegue manter as suas normas, porque ela já não corresponde à realidade da vida atual, então quem sofre as conseqüências é a ética, parecendo aos olhos daqueles que não estão preparados, que fazem confusão entre ética e moral, que a ética também se derrui, como se está derruindo a moral, e não é verdade: a ética permanece em pé, a ética é indestrutível, a ética é eterna; a moral é humana, factível, caduca, e por isso ela pode errar. Se a mente humana for bem assistida, ela poderá evitar os erros da moral pela criação de costumes que correspondem melhor ao dever-ser ético.

§ 64 Aqueles que dizem que a Ética é vária porque a Moral é vária, confundiram a Moral com a Ética. Essas confusões provocaram inúmeros mal-entendidos e promoveram muita agitação entre os que desejavam atacar a Ética. Há costumes convenientes e inconvenientes apenas a uma parte da humanidade, mas o que é ético é universal e deve ser aplicado a todos. A Ética deve ser consagrada ao universal. Temos assim a explanação dos diversos aspectos importantes que já salientamos, mas o texto continua e nos vai esclarecendo a pouco e pouco este aspecto genuinamente cristão.

§ 65 Assim, da moral, que surge na vida prática do homem, a mente especulando sobre ela chega à Ética, que é mais especulativa do que prática, porque nela há princípios eternos, enquanto naquela há regras de valores históricos, portanto, mutáveis. Dar a cada um o que é de seu direito é uma norma ética, mas o modo como se proceda, segundo a conveniência humana obediente a esta norma, será uma regra moral. Porque erram os homens na Moral, não se deve negar à Ética o seu valor, porque esta seria uma violentação da inteligência.

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Cristianismo: A Religião do Homem, de Mário Ferreira dos Santos.

Fernando Pessoa discorre sobre estética

Fernando Pessoa

« Só a Arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte vê-se, porque dura.»

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« O valor essencial da arte está em ela ser o indício da passagem do homem no mundo, o resumo da sua experiência emotiva dele; e, como é pela emoção, e pelo pensamento que a emoção provoca, que o homem mais realmente vive na terra, a sua verdadeira experiência, regista-a ele nos fastos das suas emoções e não na crônica do seu pensamento cientifico, ou nas histórias dos seus regentes e dos seus donos [?]. Com a ciência buscamos compreender o mundo que habitamos, mas para nos utilizarmos dele; porque o prazer ou ânsia só da compreensão, tendo de ser gerais, levam à metafísica, que é já uma arte. Deixamos a nossa arte escrita para guia da experiência dos vindouros, e encaminhamento plausível das suas emoções. É a arte, e não a história, que é a mestra da vida.»

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« A ciência descreve as coisas como são; a arte descreve-as como são sentidas, como se sente que são. O essencial na arte é exprimir; o que se exprime não interessa.»

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« A arte é a auto-expressão forcejando por ser absoluta.»

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« O valor de uma obra de arte é tanto maior quanto é puramente artístico o meio de manifestar a idéia.»

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« A arte é apenas e simplesmente a expressão de uma emoção. Um grito, uma simples carta pertencem um à arte de cantar, à literatura a outra, inevitavelmente. O próprio gesto é artístico segundo é ou não interpretação de uma emoção. Porque no gesto há o fim do gesto e a expressão desse fim. Uma cousa reporta-se à vontade, a outra à emoção. Elegância ou deselegância de um gesto significam conformidade ou não-conformidade com a emoção que exprime. Assim uma estátua da dor é a fixação dos gestos que mostram a dor – e será tanto mais bela quanto mais justa e exatamente representar por esses gestos a emoção da dor, quanto mais adaptados em tudo forem esses gestos ao mostrar essa emoção.»

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Arte – Idealização

« Todo o material da arte repousa sobre uma abstração: a escultura, por exemplo, desdenha o movimento e a cor; a pintura desdenha a 3 dimensão e o movimento portanto; a música desdenha tudo quanto não seja o som; a poesia baseia-se na palavra, que é a abstração suprema, e por essência, porque não conserva nada do mundo exterior, porque o som – acessório da palavra – não tem valor senão associado – por impercebida que seja essa associação. A arte, portanto, tendo sempre por base uma abstração da realidade, tenta reaver a realidade idealizando. Na proporção da abstração do seu material está a proporção em que é preciso idealizar. E a arte em que mais é preciso idealizar é a maior das artes.»

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« Porque a arte dá-nos, não a vida com beleza, que, porque é a vida [var.: concreta], passa, mas a beleza com vida, que, como é beleza [var.: abstrata], não pode perecer. A cada conceito da vida cabe não só uma metafísica, mas também uma moral. O que o metafísico não faz porque é falso, e o moralista não faz porque é mau, o esteta não faz porque é feio.»

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Os desvios ideativos da poesia moderna

« Emoção que não seja vaga, pensamento que o seja não prestam. Os modernos poetas franceses têm o contrário: são nítidos e (…) na emoção e vagos, deploravelmente vagos na idéia. Uma obra literária procura sentimentos que têm que ver com: a idéia, a emoção, a imaginação (que vem a ser uma combinação inteira de idéia e emoção). A idéia deve ser nítida, a emoção vaga, a imaginação, como é composta essencialmente de ambos, ao mesmo tempo vaga e nítida. – A arte deve dirigir-se a estas 3 faculdades, que não a uma ou duas delas isoladamente.»

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« Se a obra de arte proviesse da intenção de fazê-la, podia ser produto da vontade. Como não provém, só pode ser, essencialmente, produto do instinto; pois que instinto e vontade são as únicas duas qualidades que operam. A obra de arte é, portanto, uma produção do instinto. O drama, sendo primariamente uma obra de arte, é-o também.»

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Introdução à Estética

« Exigir de sensibilidades como as nossas, sobre que pesam, por herança, tantos séculos de tantas cousas, que sintam e portanto se exprimam com a limpidez, e a inocência de sentidos, de Safo ou de Anacreonte, nem é legítimo, nem razoável. Não é no conteúdo da sensibilidade que está a arte, ou a falta dela: é no uso que se faz desse conteúdo.

« Distinguiremos na arte, como em tudo, um elemento material, e um formal. A matéria da arte, da sensibilidade, a forma, dirige-a a inteligência. E na forma há, ainda, duas partes a considerar: a forma concreta ou material, que se prende com a matéria mesma da obra, e a forma abstrata ou imaterial, que se prende só com a inteligência e depende de suas leis imutáveis.

« Três são as leis da forma abstrata, e, como são da forma abstrata, aplicam-se a todas as artes e a todas as formas de cada arte. Abdicar delas é abdicar da mesma arte. Podemos eleger quebrar tais leis; não podemos, porém, elegendo-o, presumir que fazemos arte, pois a arte consiste, mais que em qualquer outra cousa, na obediência a essas leis. As três leis da forma abstrata são: a unidade; a universalidade ou objetividade; e (…).

« Por unidade se entende que a obra de arte há-de produzir uma impressão total definida, e que cada seu elemento deve contribuir para a produção dessa impressão; não havendo nela nem elemento que não sirva para esse fim, nem falta de elemento que possa servir para esse fim. É uma falha artística, por exempla, a introdução em um poema de um trecho, por belo que seja, que não tenha relação necessária com o conjunto do poema, como o é, mais palpavelmente, a introdução em um drama de uma cena em que, por grande que seja a força ou a graça própria, a ação pára ou não progride, ou, o que é pior, se atrasa.

« Por universalidade, ou objetividade, se entende que a obra de arte há-de ser imediatamente compreensível a quem tenha o nível mental necessário para poder compreendê-la.

« Quanto mais altamente intelectual for uma obra de arte, maior será, em princípio, a sua universalidade, pois que a inteligência abstrata é a mesma em todos os tempos e em todos os lugares – dada a espécie humana no nível de tê-la -, enquanto a sensibilidade varia de tempo para tempo e de lugar para lugar.

« Cumpre esclarecer este ponto. A obra de arte procede de uma impressão ou emoção do artista que a constrói, impressão ou emoção que, como tal, é própria e intransmissível. Se o valor dessa emoção, para quem a sente, é o ser própria, deve gozar-se simplesmente, e não exprimir-se. Se o valor dela, porém, é mais alguma cousa, (…).

« Todos nós sentimos a dor e o delírio do Rei Lear de Shakespeare; esse delírio, contudo, é, diagnosticavelmente, o da demência senil, de que não podemos ter experiência, pois quem cai em demência senil nem pode perceber Shakespeare, nem qualquer outra causa. Porque é, então, que, sendo esse delírio tão caracterizadamente o do demente senil, o sentimos tanto nós, que não temos conhecimento desse delírio? Porque Shakespeare pôs nesse delírio só aquela parte que nele é humano, e afastou a que nele seria, ou particular do indivíduo Lear, ou especial do demente senil. Todo o processo mórbido envolve essencialmente ou um excesso, ou um abatimento, de função; ou uma hipertrofia, ou uma atrofia, de órgão. O desvio, que constitui a doença, está na distância a que fica o excesso, ou o abatimento, do nível da função normal; na dessemelhança que se estabelece entre o órgão hipertrofiado, ou atrofiado, e o órgão são. Assim a doença é, ao mesmo tempo, e no mesmo ato, um excesso ou abatimento do normal, e um desvio (ou diferença) desse normal. Se, apresentando um caso de doença mental, o apresentarmos pelo lado em que é excesso ou abatimento da função normal, com isso mesmo o apresentamos como ligação a essa função, e compreensível para quem a tenha; se, porém, o apresentarmos pelo lado em que é desvio ou diferença, com isso mesmo o apresentamos como desligado ou separado dessa função, e incompreensível, portanto, a quem não esteja no mesmo caso mórbido, o que será pouca gente, senão pouquíssima. As duas maneiras são comparáveis à maneira racional, e à dogmática ou aforística, de apresentar uma conclusão: o raciocinador leva o ouvinte ou lente até à conclusão por um processo gradual, e ainda que a conclusão seja estranha ou paradoxal, torna-se em certo modo aceitável por se tornar compreensível como se chegou até ela; o dogmático põe a conclusão sem explicar como chegou a ela, e sucede, como se não vê relação entre o ponto de partida e o de chegada, que só quem tenha feito o raciocínio necessário, ou quem aceite a conclusão sem raciocínio, pode convir nessa conclusão.

« Tudo que se passa numa mente humana de algum modo análogo se passou já em toda outra mente humana. O que compete, pois, ao artista que quer exprimir determinado sentimento, por exemplo, é extrair desse sentimento aquilo que ele tenha de comum com os sentimentos análogos dos outros homens, e não o que tenha de pessoal, de particular, de diferente desses sentimentos.

« A obra de arte, ou qualquer seu elemento, deve produzir uma impressão, e uma só; deve ter um sentido, e só um; seja sugestivo o processo, ou explícito. Isto se vê claramente no emprego do epíteto em literatura. Muito se tem bradado contra o emprego de adjetivos estranhos, ou juntos a substantivos com os quais não parecem poder ligar-se. Não há, porém, adjetivos estranhos, nem é possível construir uma frase a que se não possa atribuir um sentido qualquer. O que é necessário é que esse «sentido qualquer» seja só um, e não possivelmente um de vários. Ésquilo, numa frase célebre, refere-se ao «riso inúmero das ondas»; o epíteto é daqueles a que é uso chamar ousados, pois que tudo é ousado para quem a nada se atreve. Toda a gente, porém, compreende a frase, nem lhe é atribuível mais que um sentido. Há, porém, uma poetisa francesa que deu a um seu livro o título, mimado desta frase, de O Coração inúmero, frase esta que pode ter vários sentidos, porém que não é certo que tenha este ou aquele. A «ousadia» do epíteto é igual no grego e na francesa; uma, porém, é a ousadia da inteligência, a outra a do capricho.

« Pode ser, no caso de um epíteto desta última ordem, que a sensibilidade de várias pessoas convenha na mesma interpretação, e, ainda, que essa interpretação seja – o que também poderia não acontecer – aquela mesma que lhe o autor deu. Como, porém, a sensibilidade é passageira e local, local e passageira é também a interpretação que dela procede.

« Estas considerações têm que ser interpretadas em relação às diversas artes, diversamente para cada uma, conforme sua matéria e fim. Aquele trecho musical cuja frescura e alegria me dá a mim a impressão de madrugada, pode dar a outro a impressão de Primavera. Como, porém, não é função da música definir as cousas, senão a emoção que geram, o trecho produziu, em verdade, a mesma impressão em mim e no outro, pois ambos sentimos nele frescura e alegria; o lembrar-me essa frescura a madrugada, e a outro a Primavera, é apenas a tradução pessoal que cada um de nós faz da sensação que recebeu, pois a sensação abstrata de alegria e de frescura é comum à madrugada e à Primavera. A um terceiro esse mesmo trecho poderia evocar, por exemplo, certa cena de amor, ou certa paisagem, sem que em alguma cousa saísse do seu fim próprio, logo que a essa cena de amor e a essa paisagem estejam nele ligadas as idéias de frescura e alegria. Do mesmo modo a frase de Ésquilo “riso inúmero das ondas” não é diversa em mim e num veneziano por em mim evocar o Atlântico e nele o Adriático.»

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Obra em Prosa, de Fernando Pessoa. (Ele mesmo, e não do heterônimo Bernardo Soares.)

Imagino que esses trechos possam estar nesse livro, já que não encontrei, na internet, este outro a que me refiro. Eu costumava renovar o empréstimo desse livro semanas sobre semanas na biblioteca da UnB. Lia e relia sem parar. Claro, juntamente com o volume da Obra Poética.

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