Há algo bastante sedutor no livro “Partículas Elementares”: a lucidez de seu autor, Michel Houellebecq.
Bruno ofereceu um cálice de pineau à católica. “Como te chamas?”, perguntou-lhe. “Sophie”, foi a resposta. “Não danças?”, continuou ele. “Não, não gosto das danças africanas, é demasiado…” Demasiado quê? Compreendia a perturbação dela. Demasiado primitivo? Evidentemente que não. Demasiado ritmado? Já estava no limite do racismo. Decididamente nada se podia dizer sobre aquelas danças africanas idiotas.
Pobre Sophie, tentava fazer o melhor possível. Tinha um belo rosto, com os cabelos pretos, olhos azuis, a pele muito branca. Devia ter seios pequenos, mas muito sensíveis. Era certamente da Bretanha. “Tu es bretã?”, perguntou ele. “Sim, de Saint-Brieuc!”, respondeu ela com alegria. “Mas adoro as danças brasileiras…”, acrescentou, na tentativa, com certeza, de fazer-se perdoar por não apreciar as danças africanas. Não era preciso mais para irritar Bruno. Começava a encher o saco dessa estúpida mania pró-Brasil. Por que o Brasil? Conforme tudo o que sabia, o Brasil era um país de merda, povoado de brutos fanáticos por futebol e por corridas de automóvel. A violência, a corrupção e a miséria estavam no apogeu. Se havia um país detestável, era justamente, e especificamente, o Brasil.
“Sophie”, exclamou Bruno com força. “Eu poderia ir ao Brasil, em férias. Passearia nas favelas, num microônibus blindado; observaria os pequenos assassinos de oito anos, que sonham em se tornar chefes de bando aos treze anos; não sentiria medo, protegido pela blindagem; à tarde, iria à praia, entre riquíssimos traficantes de droga e de proxenetas; no meio dessa vida desenfreada, dessa urgência, esqueceria a melancolia do homem ocidental; tens razão, Sophie: ao voltar, pegarei informações numa agência Nouvelles Frontières.”
Agora, boa mesmo é a crítica que ele faz à geração 1960/1970, aos “podi-crê” de 68 e demais adeptos da Nova Era e da famigerada “revolução de costumes”. Hilário.