« A linguagem deles é cheia de um vigor natural e permanente; são um verdadeiro e total epigrama, não apenas quanto à cauda, mas também à cabeça, o estômago e os pés. Nada é forçado, nada é penoso, tudo caminha com o mesmo porte. Não se trata de uma eloqüência mole e sem arestas, mas de uma eloqüência nervosa e sólida, que enche e arrebata o mais forte espírito mais do que lhe agrada. Quando me encontro diante dessas formas pujantes de se explicar, tão vivas e tão profundas, não digo que está bem dito, mas bem pensado…
« O manuseio e a freqüentação dos belos espíritos dão corpo à língua, não tanto por inová-la, porém por emprestar-lhe sentidos mais vigorosos, mais amplos e maleáveis; não lhe trazem palavras novas, mas enriquecem as já existentes, dão-lhes mais peso e significação mais profunda; e maior uso, outorgam-lhes com prudência e engenho movimentos inéditos. E que isso não é apanágio de todos, vê-se por inúmeros escritores franceses deste século. São assaz arrojados e desdenhosos para não seguir o caminho comum; mas perde-os a carência de invenção e de discrição. Neles vemos tão somente uma pobre afetação de originalidade que em lugar de elevar avilta o assunto. Conquanto chafurdem na novidade, pouco se lhes dá a eficiência; na ânsia de uma palavra nova abandonam a vulgar, não raro mais forte e nervosa.
« Na nossa língua encontro bastante estofo, porém certa falta de estilo; muito se faria com a gíria da caça e da guerra, dadivoso terreno a ser ainda lavrado; e as maneiras de falar, como as plantas, se apuram e se fortalecem no transplante…
« Quando escrevo evito a companhia e a lembrança dos livros, de medo que me modifiquem o estilo; aliás os bons autores muito me desanimam e quebram a coragem. Copio de bom grado aquele pintor que tendo pintado miseravelmente galos proibia a seus servidores trouxessem galos de verdade a seu atelier…
« Por isso mesmo, escrevo propositadamente em minha casa situada em país selvagem onde ninguém me ajuda nem me corrige, onde não freqüento em geral pessoa alguma que entenda mais do que o padre-nosso em latim e muito menos em francês. Faria melhor obra alhures, mas ela seria menos minha; ora seu fim principal e sua qualidade estão exatamente em ser ela inteiramente minha. De bom grado corrigiria nela qualquer erro acidental, de que está cheia porque corro inadvertidamente, mas as imperfeições que me são naturais e constantes fora traição extirpá-las…»
Ensaios – Livro III, Capítulo 5, de Michel de Montaigne
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