"E aí? Leu o livro que lhe dediquei?"
"Ué, você me dedicou um livro?"
"Puts, quantas vezes terei de repetir que dediquei? Umas mil, setecentas e vinte e três vezes? Caralho, e olha que já faz dois anos que o publiquei!"
"Cadê o livro?"
"Na loja, claro. No site. Você nem comprou, né."
"E ainda preciso comprar?"
"Como é?! É óbvio que precisa!! Eu lhe dediquei um livro e ainda espera ganhá-lo de graça?! Quer comer minha bunda também? A da minha namorada? Que figura… Cobra caro cada segundo do trabalho que faz mas quer meu trabalho de graça… Depois ainda tem coragem de me dizer que escolhi uma carreira que não dá dinheiro…"
"Se você me dedicou, devia me dar o livro."
"Não acredito que você falou isso… Não acredito… Eu NÃO TENHO o livro! Eu apenas o escrevi. Não tenho dinheiro sobrando pra ficar comprando meu próprio livro só para dá-lo aos amigos."
"Credo, que mau humor…"
"Mau humor vírgula. Quer saber? Não dedico livro pra mais ninguém. Gente mais indiferente, credo."
"Se você não tem dinheiro pra me dar o livro, o problema não é meu…"
"A questão não é essa. Meu dinheiro é para outras coisas mais urgentes. Não é pra dar livro pra quem não o quer ler. Aliás, já coloquei a versão em ebook no seu iPad mil anos atrás. E de graça! Não é possível que não o viu no iBooks. Ou agora vai dizer que só lê livro de papel?"
"Não. Na verdade, não gosto de literatura nacional…"
"Certo, certo. Vai se ferrar então. Vai ver o BBB. Cada uma que a gente tem de ouvir…"
Enquanto o escritor sai, pisando duro, o outro, um enorme sorriso no rosto, volta a abrir o livro do amigo. De papel. Já está na página 77…
(Publicado no Digestivo Cultural.)