As mulheres ganharam. Ou, pelo menos, a maneira feminina de encarar o mundo vem levando a melhor – e isso não é necessariamente bom, diz Camille Paglia. Para ela, a valorização das características associadas às mulheres emparedou os homens e fez com que certas virtudes masculinas caíssem perigosamente em desuso. Em entrevista a Veja [5/3/2014], a autora de Personas Sexuais mostra que, aos 66 anos, continua sendo uma fervorosa dissidente do feminismo ortodoxo dos anos 60. Segundo ela, ao priorizarem o sucesso profissional, as mulheres da sua geração deram “de cara com a parede” – e em breve verão que as felizes de verdade não são as ricas e bem-sucedidas, mas as que, em vez de correr atrás do sucesso, se dedicaram a construir grandes famílias.
As mulheres venceram?
Nosso mundo político e econômico certamente não é regido pelas mulheres. Os homens ainda são maioria, talvez porque seja mais fácil para eles trabalhar harmoniosamente em equipe. As mulheres, porém, reinam nos domínios emocional e psicológico. Valores femininos como cooperação, sensibilidade e compromisso hoje são promovidos em todas as escolas públicas dos Estados Unidos e do Reino Unido. Fico preocupada com isso. Não é responsabilidade escolar moldar ou influenciar o caráter dos alunos. Então, sim, há uma vitória feminina no sistema de educação, e é por isso que tantos meninos se sentem sufocados ou presos nesse ambiente governado por mulheres.
Essa constatação veio da sua experiência de ser mãe de um menino? (Camille adotou Lucien, hoje com 11 anos)
A maternidade apenas confirmou minhas opiniões. Nos meus trabalhos, sempre parti de uma observação social, e não de teorias criadas a priori. Ser mãe me permitiu outras descobertas, entre elas a existência de uma rede de mulheres com enorme poder de organização e capacidade de administrar o próprio tempo.
Mas os homens estão mais frágeis?
A masculinidade tradicional está numa encruzilhada. O que os homens podem ser? Como eles podem se diferenciar das mulheres? Alguns não veem problema em receber ordens delas. Mas, para outros, é como se a masculinidade tivesse sido apagada, como se eles tivessem perdido sua posição dentro da família. Sentem-se sufocados e precisam estar com outros homens. Aí entram a pornografia, os clubes de strip-tease, os esportes: é quando os homens escapam para o mundo deles. Chutar uma bola no meio do campo é muito revigorante e bom para escapar das mulheres.
Em outras palavras, elas fazem com que eles se sintam errados o tempo todo?
Sim! Em uma palavra: sim! Houve um tempo em que homens faziam coisas que as mulheres não podiam fazer. Então, ninguém questionava se eles “eram homens” ou não. Eu lembro que, em casa, depois do jantar, os homens ficavam na sala, falavam de carro, assistiam a algum esporte na TV. Enquanto isso, as mulheres conversavam arrumando a cozinha. Hoje, elas querem que o homem seja igual à mulher. Querem falar com ele do mesmo jeito que conversam com as amigas. Isso é com os gays! Os gays conversam por horas, fofocam, falam sobre a vida pessoal… Os héteros não. Eles não querem aprofundar-se nos sentimentos. Há um grande desentendimento no casamento moderno porque mulheres e homens não têm tanto em comum assim. Quando nasce uma criança, então, o homem é marginalizado. Pode escolher entre escapar de casa e ser apenas mais um dos planetas orbitando ao redor do “Sol”. Famílias de classe média são basicamente ambientes femininos. Tudo é bom e gentil, e os homens têm de mudar seu comportamento para se encaixar nelas. As mulheres pedem a eles que sejam o que não são e, quando eles se tornam o que não são, elas não os querem mais. “Ah, meu marido é meu terceiro filho, é meu bebê.” Ouvimos isso o tempo todo. O problema número 1 é que as mulheres não estão receptivas aos homens. Elas precisam ouvi-los. O feminismo é duro demais com eles.
Ao longo do tempo, as mulheres incorporaram alguns atributos masculinos. Diz-se frequentemente que agora é hora de eles incorporarem atributos femininos. A senhora não concorda?
Não. No que diz respeito aos governos ocidentais, por exemplo, a tendência é agirem no estilo “estado-babá”, cheios de complacência e cuidados, atributos associados ao universo femininos. Só que isto está incapacitando as nações de ficar seriamente em alerta contra as ameaças de terrorismo, por exemplo. As sociedades ocidentais são ingênuas e complacentes ao imaginar que todo mundo é naturalmente benevolente. Várias grandes civilizações entraram em colapso por se apresentar vulneráveis. A compaixão e a sensibilidade femininas são virtudes positivas, mas as maiores conquistas nas áreas de cultura e tecnologia ainda requerem certos traços masculinos, bem como planejar a defesa de uma sociedade sob ameaça de ataque.
Essa “lacuna” explicaria o fato de existirem poucas mulheres no poder?
O líder de uma nação tem de ter diferentes atributos. Precisa saber compor, comandar, controlar os nervos – precisa combinar qualidades masculinas e femininas. Falta às mulheres uma educação voltada a desenvolver visões de longo prazo, capacidade de decisão, pensamento militar. Essa história de ser carinhosa e ter compaixão já está resolvida – vamos parar de falar disso. O que não é valorizado como deveria é a capacidade de decisão. E, do jeito que as mulheres são educadas, não vejo como essa mudança pode acontecer. Por exemplo: liderar uma nação significa cuidar também de suas questões militares. Isso requer um tipo de personalidade firme e assertiva. Por isso, em vez de estudarem questões de gênero, as mulheres que querem ascender politicamente deveriam estudar história militar e economia. Não é fixando proporções – “as mulheres têm de representar 50% dos legisladores” – que produziremos lideranças. O Brasil não tem a mesma obsessão pela questão militar que os Estados Unidos, por isso vocês têm uma mulher presidente.
Como a senhora avalia uma eventual candidatura de Hillary Clinton à Presidência em 2016?
Hillary Clinton é completamente incompetente. Em tudo o que fez, não teve êxito. Seu currículo segue em branco, sem nenhuma grande conquista, exceto ter se casado com Bill Clinton. É incrível como temos poucas candidatas. Sempre achei que a senadora democrata Dianne Feinstein, da Califórnia, deveria ter tentado concorrer à Presidência, e não Hillary Clinton. O que precisamos aprender é como exercer a liderança e nos comunicar com as pessoas sem que nos sintamos diminuídas, da maneira como a Hillary Clinton faz. Ela é estridente, irritante, sempre sorrindo, sorrindo, sorrindo. E é mal-humorada, tola – o oposto do que queremos de um líder. Continuar a impulsioná-la vai atrasar a evolução feminina em décadas.
Quais as perspectivas femininas para as próximas décadas?
Eu vejo um mundo muito instável à frente, tanto política quanto economicamente. Acho que essa maneira de encarar as coisas baseada em gêneros está errada. É como se as mulheres tivessem respostas para tudo. E, se não estão felizes, a culpa é dos homens. Temos de olhar para a natureza da vida moderna, para o nosso isolamento psicológico, para essa quebra da família tradicional, transformada em pequenos núcleos. Tudo isso resulta em ansiedade. As mulheres sentem que têm de ser essas pessoas bem-sucedidas, tudo na vida delas tem de estar relacionado com o poder feminino, com “encarar obstáculos”. É um modo de vida muito estressante.
E ainda há a questão não resolvida de como conciliar carreira e vida pessoal. Por que isso continua a ser um sofrimento?
O feminismo cometeu o engano de tentar reduzir a vida feminina às conquistas profissionais. Uma coisa é exigir que se retirem as barreiras para o avanço social das mulheres e que se ofereçam a elas oportunidades, promoções, salários etc. Outra é supor que essas conquistas suprirão as demandas da vida pessoal – não suprirão. Questões pessoais são de uma natureza diferente das profissionais: têm a ver com sexo, procriação e viver a vida. Essas feministas anglo-americanas dos anos 60 têm uma visão mecânica do que é viver. Há ainda um grande problema com o sistema de carreira moderno. O modo de progredir profissionalmente faz com que seja difícil para elas lidar com os homens em pé de igualdade. A mulher precisa ter uma vida dupla: ser ambiciosa e dominadora no escritório, mas adaptar-se em casa para ser sexualmente desejada e emocionalmente carinhosa. Minha prioridade sempre foi esta: temos de parar de culpar os homens e começar a olhar o sistema e as mudanças ocorridas no trabalho e nos lares no último século.
Quais seriam as transformações mais significativas?
Uma das que mais merecem atenção é o isolamento feminino. As pessoas amam ter privacidade, ter sua própria casa. O resultado disso é uma quantidade tremenda de trabalho doméstico que recai sobre as mulheres e do qual elas têm de dar conta sem a ajuda de outras mulheres. Não muito tempo atrás, as pessoas viviam em uma espécie de tribo, em que umas olhavam pelas outras. Minha mãe se lembra disso em sua infância na Itália. As mulheres reuniam-se, pegavam suas crianças e iam lavar roupa nas pedras. Havia uma comunidade de mulheres, uma vida social construída a partir dessas atividades. Hoje estamos muito felizes com as nossas máquinas de lavar e secar, mas o que isso significa? Isolamento total! A mulher está isolada, desconectada do mundo feminino. Quando você é parte de um grupo, você sabe quem você é, não precisa ir descobrir.
Recentemente, a senhora foi criticada por declarar que as mulheres deveriam pensar melhor no que vestem para não ficar tão vulneráveis. O que quis dizer?
Eu apoio totalmente as mulheres que se vestem de maneira sexy. Mas quem faz isso tem de compreender que sinais está enviando. Quando disse isso, estava me referindo às garotas americanas brancas de classe alta, que frequentaram as melhores universidades e terão os melhores empregos. Elas usam roupas sexy, mas seu corpo está morto, sua mente está morta. Elas nem entendem o que estão vestindo.
Por que esse diagnóstico se restringe às americanas?
Mulheres na Itália, França, Espanha, Brasil e outros países da América do Sul comunicam melhor sua sexualidade, estão mais confortáveis com seu corpo. Afro-americanas também sabem fazer isso. Mas as mulheres americanas brancas que estão cursando as melhores universidades… oh! Bom, você deve se lembrar de Sexy and the City. Elas são espertas e ambiciosas, mas vivem uma situação em que fazem sexo com uma incrível quantidade de homens e de repente é o homem quem escolhe com quem vai ficar e quando é a hora de casar. E, quando resolvem casar, querem as de 20 anos. É muito difícil. Antigamente não se fazia sexo antes de casar. Mas hoje… as mulheres são tediosas.
Tediosas?
Quando eu vou a Nova York vejo essas mulheres nas ruas: bem cuidadas, lindas, bem-sucedidas, graduadas em Harvard, Yale e… tediosas! Te-di-o-sas. Não têm nenhuma mística erótica. Acho que o número de homens gays vem aumentando porque os homens são mais interessantes do que as mulheres.
Onde elas deveriam buscar a felicidade?
Bem, achar que as mulheres profissionalmente bem-sucedidas são o ponto máximo da raça humana é ridículo. Vejo tantas delas sem filhos porque acreditaram que podiam ter tudo: ser bem-sucedidas e mães aos 40 anos. Minha geração inteira deu de cara com a parede. Quando chegarmos aos 70, 80 anos, acredito que a felicidade não estará com as ricas e poderosas, mas com as mulheres de classe média que conseguiram produzir grandes famílias.
Fonte: Veja – edição 2363.
Gabriel Antunes
Mesmo com toda a sinceridade, ela falha em abordar o ponto principal: homens e mulheres são diferentes. Tem assuntos que são de homem, e assuntos que são de mulher. E quem se mete no “departamento alheio” é exceção, e não regra. Simples assim rs! Quando as mulheres pararem de fazer exigências absurdas de si mesmas, dos homens e da vida, e voltarem a ser companheiras, serão muito mais felizes. E terão maridos. Quanto aos homens, creio que se sentiriam melhor se parassem de usar lacinhos de fita na cabeça, e voltassem a fazer o papel de homem da relação.