Esta noite sonhei que participava de uma reunião de amigos, numa casa desconhecida, e entre esses amigos estava a Carol Martins, que não vejo há muito tempo. Lá pelas tantas, ela se levantou do sofá, olhou em torno e se despediu dizendo: “Gente, preciso ir agora porque logo mais o trânsito estará muito ideológico”.
— Como assim ideológico, Carol? — perguntei, já achando aquele comentário genial.
— Ah, congestionamento, estresse, buzinas, xingamentos, barbeiros…
— E você faz parte dos motoristas conservadores ou dos progressistas?
— Não faço idéia — respondeu sorrindo.
— Você é do tipo que buzina para quem está na frente ou do tipo que ouve a buzina atrás?
— Ah, eu buzino. Então devo ser progressista, né, porque quero progredir pelas ruas e não me deixam!
— Ou então participa de buzinaços…— repliquei.
Só me lembro até aí. A partir de agora, chamarei o trânsito caótico de trânsito ideológico.
A Carol é a amiga a quem, na Casa do Sol, ensinei o mantra “li-li-la-lá-li-li-la-lá-li-li-la-lá-li-li-la-lá”. Lembro que Hilda Hilst a achou “chiquérrima, elegantíssima”. Ela ocupou o quarto de hóspedes cuja parede dos fundos dava para o primeiro canil.
— Carol, se os cachorros perceberem sua presença e começarem a latir à noite, repita esse mantra e eles ficarão sossegados — aconselhei.
Ela riu, mas insisti que era sério, que usasse o mantra.
Na manhã seguinte, ela estava impressionada:
— Yuri! Deu certo! Eles latiram de madrugada, eu comecei com o “li-li-la-lá-li-li-la-lá-li-li-la-lá-li-li-la-lá” e eles pararam. Onde você aprendeu isso? É algum tipo de mantra especial para cães?
— Não, Carol. É que no primeiro canil só há duas cadelas: a Lili e a Lalá.
Saudades das conversas engraçadas, Carol.