Um caminhão carregado de laranjas tombou em frente ao Instituto Antônio Houaiss. Não foi um acidente: as próprias laranjas, após uma acalorada reunião, o tombaram. Em seguida, rolaram até a portaria do prédio, onde começaram a protestar, afirmando que o uso de seu nome, enquanto referência a um crime de natureza política, denigria sua imagem.
Um militante do movimento negro, passando por lá naquele mesmo instante, ouviu a terrível palavrinha — “Denigrir”?! — e enfezou-se. Sim, diria o vulgo, como se estivesse cheio de fezes.(O vulgo não sabe que a palavra “enfezar” vem do latim infensare.) E o militante, pois, furibundo, começou a pisotear as laranjas, que então gritaram de dor:
— Ai! Ele tá judiando da gente!
Ao ouvir aquilo, um careca (sim, um neonazista com as suásticas tatuadas ocultas sob a camiseta) — irritar-se-ão os que sofrem de calvície? — enfim, um careca iniciou um discurso no qual dizia que não apenas o holocausto, mas até mesmo os pogrons, nunca aconteceram. E também passou a sapatear sobre as pobres frutas. De fato, ouviu-se uma idosa dizer claramente: “Pobres frutas!”. E isto, claro, ofendeu um mendigo que, até então, limitara-se a observar silenciosamente a cena:
— Fruta é o veado do seu filho!
Para quê… Um militante gay enfureceu-se com aquilo, e então berrou:
— Veado é a mãe! Eu sou é gay.
No zoológico ao lado, o veado macho, líder do bando, pai zeloso, subiu nas tamancas, bradando lá de dentro:
— Como é que é?! Mãe?! Tá me estranhando?
E logo pulou a cerca, indo chifrar o militante gay.
O furdunço foi tamanho, que o Dicionário Houaiss, o famigerado Pai-dos-burros, que anos atrás já tivera problemas enormes com os ciganos (informe-se), levantou-se da prateleira e, da janela do prédio, ralhou a plenos pulmões com seus filhos, todos ali, engalfinhados na calçada, a rolar sobre marolas de suco de laranja:
— Parem de confundir o sentido literal ou o etimológico com o sentido conotativo, seus retardados!
Olharam-no pasmados, mas, sem dar com o significado daquelas estranhas palavras, partiram, em uníssono, para uma nova ignorância:
— Aquele livro falante ofendeu as pessoas portadoras de deficiência mental! Vamos rasgá-lo!
E isso explica por que, em frente ao Instituto Antônio Houaiss, nesta tarde, havia tanto papel misturado a bagaços de laranja.