— Você não pode dizer “vírus chinês”: isto é ra-cis-mo!
— Deixa de falar abobrinha, Tiago. Eu nem sei qual é a raça do vírus. Não sei se é pequinês, shih tzu, pug, chow chow…
— Ha-ha. Muito engraçado. Vírus não é exatamente um ser vivo. Só vive quando está dentro de você.
— Tá, mas deixa eu voltar aonde parei. Não quero ficar falando das características do zumbi microscópico. Eu só estava dizendo que o vírus chow chow ou pug (você decide a raça), enfim, que ele é uma arma do Partido Comunista deles. Isso é óbvio.
— E eles iam começar matando o próprio povo? Tá bom.
— Caramba, você não entende nada de comunista mesmo. Quem mais mata comunista nesse mundo é outro comunista, garoto.
— Querem parar com essa discussão na hora do almoço? Deixa o menino falar o que quiser, Alfredo.
— E não tô deixando? Mas eu também posso dizer o que eu penso, oras. Esse garoto, depois que entrou na universidade, ficou bobo. Impressionante! Não posso nem falar que “a coisa tá preta” que já me chama de racista. Tô de saco cheio.
— Bom, enquanto as aulas não voltarem, você vai ter de me aturar.
— E vê se pára de me tratar por “você”. Eu sou seu pai e pago as contas. Diga “senhor”, ouviu?
— Ai, que saco.
Tapa na boca.
— Parem já com isso, pelo amor de Deus!
O filho sai e, ao entrar no quarto, bate a porta.
— Esse moleque anda muito impertinente, Marisa. Pior que o vírus chinês é o vírus que ele pegou na faculdade. E ainda arranjou aquela lambisgóia pra namorar. Porra! A menina é careca! Que coisa mais feia!
— Uê, não era você o apaixonado pela Sinéad O’Connor? Vivia cantando pra mim “nothing compares to you”…
— Não compara a Sinéad com a lambisgóia. Nada compares to Sinéad! Ela não tinha um pentagrama satânico tatuado na cabeça e nem piercing nos mamilos.
— Ué! E como você sabe que a Gislaine tem piercing nos mamilos?
— Nossa, Marisa, como você é desatenta. A garota não usa sutiã e vem de camiseta aqui. Você acha que aquilo é o quê? A chave onde você liga e desliga a psicopatia dela?
— Ai, Alfredo, essa quarentena tem de acabar. Vocês dois vão me deixar louca!
— É a faculdade e a… como ela chama?
— Quem?
— A namorada dele, porra.
— Gislaine.
— Então, é ela e a faculdade que estão deixando nosso filho doido e, de tabela, nós dois. Em plena era da Fake news, o moleque foi escolher logo jornalismo para estudar. Que palhaçada.
— Tá, Alfredo, tudo bem. Também não estou satisfeita. Mas você precisa ter mais paciência. Desse jeito você vai acabar enfartando.
— Pelo menos essa agonia acabaria logo.
— Credo, meu amor! Não fala isso.
— Já tem político idiota querendo arrastar a coisa por mais alguns meses. Tem filho da puta dizendo que a quarentena tinha de durar até 2022! Imagine! Se a gente ficar desse jeito mais quinze dias, a empresa vai quebrar e vou acabar na rua.
De máscara, o filho sai do quarto, levando uma mochila às costas.
— Aonde você pensa que vai?
— Já falei com a Gislaine. Vamos morar juntos.
— Mas, meu filho, como vocês vão se manter?
— A gente dá um jeito, mãe. Aqui é que eu não fico mais.
— Deixa ele, Marisa. Assim pelo menos ele vai ver o que é bom pra tosse. Tá achando que sustentar uma esposa é fácil? Uma família então…
— Não tem problema. O Rogério também vai ajudar.
— Ah, é? E agora você vai depender de dinheiro de amigo?
— Ele não é só meu amigo. O Rô também namora a Gislaine. Somos um trisal.
— Meu filho!
— Puta que o pariu! Tá vendo, Marisa? Aquela garota é o cão. É uma islâmica ao contrário! Em breve terá quatro maridos e, em seguida, um harém.
— Pára de falar besteira, pai.
— Besteira? Eu já notei a maneira como ela fala com você: te trata feito um discípulo, um seguidor. Você é todo desafiador comigo, com seu próprio pai que sempre te amou e cuidou de você, e só falta lamber o chão que a Gilânia pisa.
— Gislaine.
— E o que eu disse? Gislânia. Aposto que você é coprófogo e ainda come a merda dela. Seu palhaço fresco.
— Eu e o Rô já bebemos mesmo o mijo dela. Nós três, no chuveiro…
A mãe fica zonza:
— Ai, ai, meu Deus, preciso me sentar.
— Sai daqui, moleque! Vai lá pra tariqa da sua mestra, vai. Vai pro ashram dela. Vai lá beber xixi e só volte quando estiver arrependido, trabalhando de terno e gravata.
— Vou mesmo. Não suporto mais essa caretice, esse conservadorismo hipócrita de vocês.
— Ah, é, somos hipócritas: eu e sua mãe ficamos zangados na sua frente e, mais tarde, na cama, comemos o cocô um do outro.
— Vai, meu filho, vai. Antes que seu pai tenha um troço.
— Tchau pra vocês.
— Isso! Chô chô. Se manda. Chow chow! Vai lá se contaminar ainda mais com esse vírus universitário seu.
— Lula livre!
O filho sai e bate a porta.
— Não disse que a gente devia ter tido uns cinco filhos? Agora não temos mais nenhum.
— Ai, Alfredo, não fala assim.
— Falo, sim, falo. Senão eu explodo!