Ela deixou o irmão sozinho no carro e retornou correndo à clínica psiquiátrica:
— Doutor, você acabou de lhe dar alta, mas ele continua surtado.
— Seu irmão está tranqüilo, dona Paula, não se preocupe.
— Tranqüilo? Ele ainda acha que é Napoleão!
— Ah, sim: ele se identifica como Napoleão. Mas isso não é nada.
— Como assim “nada”, doutor? Isso é horrível!
— Horrível por quê? No STF, há rábulas que se identificam como juízes; no Planalto, há um ladrão que se identifica como presidente; na Europa, há um rapaz que se identifica como Miss Holanda; nas TVs, há militantes que se identificam como jornalistas, e assim por diante. Por que seu irmão não pode ser Napoleão?
— Mas… mas… tudo isso é loucura!
— Exato! — e o psiquiatra sorriu. — Logo, se a sociedade está louca, por que seu irmão deveria ser normal? Para ele se sentir desconfortável? Deslocado? Não, não. E o que é a normalidade afinal? Ora, tenha certeza de que ele está mais adaptado ao momento presente do que nós dois.
— Doutor Rodrigo, o senhor não… — mas, de súbito, ela se calou. De cenhos franzidos, ambos passaram a ouvir gritos e protestos vindos de fora. Assustada, Paula saiu à rua e se deparou com uma cena terrível: a torcida do Internacional de Porto Alegre depredava o carro com seu irmão lá dentro. Atrás do veículo, alguns torcedores atendiam seus colegas feridos, deitados no asfalto.
— Parem com isso! Estão assustando meu irmão, ele é um doente mental!
— Não falei que ele era louco? — disse um torcedor.
Outro torcedor, mancando, se aproximou:
— Moça, foi ele quem nos atropelou! Estávamos apenas atravessando a rua e ele jogou o carro na nossa direção.
— Ninguém o provocou — disse uma torcedora.
— Meu Deus… — murmurou Paula, que, batendo à janela com os nós dos dedos, pedia ao irmão para baixar o vidro.
— Malditos ingleses… — balbuciou ele, assim que a obedeceu. — Pensaram que eu não ia reconhecer seus uniformes.
MORAL: Coadunar com a loucura é caminhar para o desastre.