palavras aos homens e mulheres da Madrugada

Categoria: Infância Page 3 of 4

Hilda Hilst na TV Cultura: “Este livro é uma banana”

O Caderno Rosa de Lori Lamby não é um livro, é uma banana que estou dando para os editores, para o mercado editorial.” — Hilda Hilst.

Entrevista concedida em 1990.

It’s show time, folks!

“Viver é estar na corda bamba – o resto é espera!” ©Karl Wallenda

Vi este filme pela primeira vez em 1983, aos 12 anos de idade, no primeiro vídeo cassete comprado por meu pai. O namorado da minha irmã mais velha conhecia uma locadora em Moema (bairro de São Paulo), que, na época, só alugava fitas piratas. (E havia alguma que não o fazia?) All That Jazz acabou com a minha vida. Sério. Agora, quase todo o resto é espera.

(Aliás, por falar nas locadoras de outrora, a qualidade da imagem da fita d’O Exorcista indicava que havia sido gravada no inferno. Minha irmã nunca mais se recuperou.)

Aqui, o coreógrafo Joe Gideon apresenta a seus chocados patrocinadores seu novo musical para a Broadway, Air-otica: “Nós o levamos a todos os lugares mas não o fazemos chegar a lugar algum”.

All That Jazz, de Bob Fosse.

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Publicado no Digestivo Cultural.

A experiência da paternidade e o conceito do Pai Universal

 

Paternidade

Aproveitando que hoje é dia dos pais, segue um trecho do Livro de Urântia no qual é explicitada a importância da experiência da paternidade para a compreensão de Deus enquanto Pai Universal:

« (…) Nos sete mundos das mansões, os mortais ascendentes têm amplas oportunidades de compensar todas e quaisquer privações experienciais sofridas nos seus mundos de origem, seja devido à herança, ao ambiente ou a um término prematuro infeliz da carreira na carne. Isso é verdadeiro em todos os sentidos, salvo para a vida sexual mortal e para os ajustamentos que a acompanham. Milhares de mortais alcançam os mundos das mansões sem se haverem beneficiado particularmente da disciplina derivada das relações sexuais usuais nas suas esferas de nascimento. A experiência nos mundos das mansões pouca oportunidade pode dar para compensar essas privações bastante pessoais. A experiência sexual, em um sentido físico, faz parte do passado para os seres ascendentes; entretanto, na associação estreita com os Filhos e Filhas Materiais, tanto individualmente quanto como membros das suas famílias, esses mortais sexualmente carentes serão capazes de compensar os aspectos sociais, intelectuais, emocionais e espirituais em tudo o que houverem sido deficientes. Assim, a todos aqueles humanos, a quem as circunstâncias ou o juízo errôneo houverem privado dos benefícios de ligações sexuais vantajosas nos mundos evolucionários, aqui, na capital do sistema, são oferecidas oportunidades plenas de adquirir essas experiências mortais essenciais, em associação íntima e amorosa com as supernas criaturas sexuadas Adâmicas de residência permanente nas capitais dos sistemas.

« Nenhum mortal sobrevivente, nenhum ser intermediário, ou serafim, pode ascender ao Paraíso, alcançar o Pai, nem ser incorporado ao Corpo de Finalidade, sem haver passado pela experiência sublime de estabelecer uma relação de paternidade com as crianças em evolução, dos mundos, ou sem ter alguma outra experiência análoga e equivalente. A relação entre a criança e os seus pais é fundamental para o conceito essencial que devemos ter do Pai Universal e suas crianças no universo. Portanto, essa experiência torna-se indispensável à educação experiencial de todos os ascendentes.

« As criaturas intermediárias ascendentes e os serafins evolucionários devem passar por essa experiência de paternidade, em associação com os Filhos e Filhas Materiais da sede-central do sistema. Assim, esses ascendentes não-reprodutores ganham uma experiência de paternidade, ajudando aos Adãos e Evas, em Jerusém, na criação e na educação da sua progênie.

« Todos os mortais sobreviventes que não experimentaram a paternidade, nos mundos evolucionários, devem também adquirir esse aperfeiçoamento necessário enquanto permanecem nos lares dos Filhos Materiais de Jerusém, e como pais colaboradores desses esplêndidos pais e mães. Isso é verdade, exceto no caso em que esses mortais tenham sido capazes de compensar as suas deficiências nos berçários do sistema, localizados no primeiro mundo de cultura transicional de Jerusém.

« Esse berçário probatório de Satânia é mantido por algumas personalidades moronciais no mundo dos finalitores, onde a metade do planeta se dedica a esse trabalho de educar as crianças. Aqui, algumas crianças, filhas dos mortais sobreviventes, são recebidas e recompostas, tais como aquelas que pereceram nos mundos evolucionários antes de adquirirem o status espiritual como indivíduos. A ascensão de qualquer dos seus progenitores naturais garante que a essa criança mortal dos reinos seja outorgada a repersonalização, no planeta dos finalitores do sistema; e que ali lhe seja permitido demonstrar, pelo próprio livre-arbítrio subseqüente, se fará ou não a escolha de seguir o caminho da ascensão mortal dos progenitores. As crianças, aqui, apresentam-se como no mundo do seu nascimento, exceto pela ausência da diferenciação sexual. Não há reprodução à maneira mortal, após a experiência da vida nos mundos habitados.

« Os estudantes dos mundos das mansões que têm uma ou mais crianças no berçário probatório do mundo dos finalitores, e que apresentam deficiências quanto à experiência essencial da paternidade, podem solicitar a permissão de um Melquisedeque para efetivar a sua transferência temporária, dos deveres da ascensão, nos mundos das mansões, para o mundo dos finalitores, onde lhes é dada a oportunidade de funcionar como progenitores solidários dos seus próprios filhos e outras crianças. Esse serviço de incumbência da paternidade pode ser, mais tarde, creditado em Jerusém como equivalente à metade da educação a que esses seres ascendentes devem submeter-se nas famílias dos Filhos e Filhas Materiais.(…)»

Fonte: The Urantia Book.

Monteiro Lobato fala sobre o parasita que suga a nação brasileira

Monteiro Lobato

Eu já havia postado minha própria leitura (áudio) da crônica abaixo no meu ex-blog. Agora, segue o próprio texto.

Novo Gulliver

Há lembranças da meninice que jamais se apagam do cérebro adulto, mesmo quando esse receptador de impressões não consegue, por fraqueza senil, reter as da véspera. Lembro-me de um cromo de vivas cores que vi aos cinco anos, reclame da linha de coser Coat, e não me lembro dos desenhos alegóricos a Cristo publicados nos jornais da última sexta-feira santa. Representava aquele cromo um gigante estirado à borda do mar e enleado de mil fios de linha Coat; em redor formigava a legião dos pigmeus amarradores. De mãos à cintura, muito contentezinhos, confundiam a imobilidade do gigante, consequência do bom sono que dormia, com a imobilidade da mosca enleada por mil voltas da teia de aranha.

Mais tarde, quando chegou o belo tempo dos livros de Grimm, Andersen e outros maravilhadores da imaginação infantil, travei conhecimento com Jonathan Swift e tive a explicação do meu cromo de Coat. Representava Gulliver no país de Liliput, amarrado durante o sono por mil cordas liliputianas. Mas Gulliver acordou, estirou os músculos e com um simples espreguiçamento rompeu, com grande assombro dos locais, toda a amarrilhoca que o prendia.

Quem trepa a um Corcovado imaginário e de lá procura ver em conjunto o Brasil, espanta-se da sua atitude. É um gigante deitado e amarrado. Mas não dorme; estertora com a respiração opressa e faz desordenados movimentos convulsivos para romper o cordame enleador.

O Gulliver sul-americano principiou a ser amarrado pelos portugueses, quando Portugal descobriu que em suas veias circulava ouro, o sangue amarelo; e desde aí até hoje os homens do cipó, vulgo homens do governo, outra coisa não fizeram, federal, estadual, municipalmente, senão dobrar cipós, cordas e fios de arame sobre seus membros para que, a salvo de pontapés, possam sugá-lo com suas trombinhas de percevejo.

Portugal só organizou uma coisa no Brasil-colônia: o Fisco, isto é, o sistema de cordas que amarram para que a tromba percevejante sugue sem embaraços. Quem lê as cartas régias e mais literatura metropolitana enche-se de assombro diante do maquiavélico engenho luso na criação de cordas. Cordas trançadas de dois, de três, de quatro ramais; cordas de cânhamo, de crina, de tucum, de tripa; cordas estrangulatórias de espremer o sangue amarelo e cordas de enforcar.

E assim foi até que um português de gênio impulsivo se condoeu da triste sorte do gigante e cortou o cordão umbilical que o prendia à Metrópole: corda mestra, corda mãe de toda a linda coleção de cordas fiscais secundárias. E o gigante respirou e viveu feliz, sobretudo no meio século de "compreensão" que o magnânimo filho do primeiro Pedro houve por bem outorgar-lhe.

Mas não há felicidade que dure mais de meio século. Uns bacharéis formados pela universidade da Lua e uns generais tentados pela serpente da traição implicaram-se com a velhice do príncipe magnânimo, acusaram-no de saber quatorze línguas, de assistir a exames de meninos, de boicotar com um célebre lápis azul os maus juízes, em vez de fazer as coisas interessantes que, quatrienalmente, postos no lugar do velho sábio, eles, bacharéis e generais, fariam. E deportaram-no; meteram-no a bordo dum mau navio e:

— "Vai ninar os netos de Victor Hugo. Tu não entendes de lidar com o gigante."

O bom velho partiu e os bacharéis e generais, a olharem-se uns para outros, sorridentes e gozosos, tomariam conta da casa.

Não diremos aqui das consequências inúmeras da mudança; basta que as sintamos todos os dias como o suplício da gota d’água; diremos somente da coisa capital que a república fez, faz e continuará a fazer. Estomagada com a liberdade de movimentos do bom gigante, resolveu amarra-lo de novo. Foi às cartas régias da Metrópole e ressuscitou uma a uma todas as cordas fiscais rompidas pelos Pedros; recompo-las e recomeçou a enlear pachorrentamente o pobre Gulliver. Amarra os braços, amarra as pernas, amarra as mãos; amarra, amordaça a boca para que não grite – e foi-se a Constituição; amarra os olhos para que não veja – e lá se foi a imprensa.

Sobre o corpo de Gulliver desceram todos os arrochos. Não bastaram os cipós e cordas de invenção lusa; importaram-se cabos de aço, torniquetes complicadíssimos, borzeguins medievais remodelados pela engenhosidade moderna. O Fisco tornou-se o objetivo supremo de todas as suas altas cogitações. Anualmente se reúnem, durante meses, centenas de técnicos cuja função é uma só: inventar novas torturas fiscais, novos aparelhos de sarjar as cames e extorquir sangue à vítima.

Gulliver estertora. Todas as suas forças emprega-as ele em defender-se das cordas e ventosas que o Congresso torce e engenha. O Santo Ofício virou um marquês de Sade repartido em bancadas; não se contenta em tirar sangue, há que tirá-lo da maneira mais dolorosa, da maneira mais incômoda, da maneira mais lesiva ao organismo do bom gigante. A invenção do novo borzeguim – imposto da renda – excede a tudo quanto saiu da cabeça dos inquisidores: a vítima ignora o que tem de pagar e se não paga com exatidão incide em pena de confisco! E se em desespero de causa pede ao Fisco que lhe explique o mistério, que lhe de a chave vertical e horizontal do quebra-cabeças, o marquês de Sade sorri e responde diagonalmente:

– Pague com cheque cruzado, e explica com grande ironia de detalhes como se toma de uma régua, duma pena molhada em boa tinta e como se cruza um cheque.

Não há criatura neste país que não confesse um desânimo infinito. As energias do homem que trabalha e produz despendem-se por três quartos na luta contra a escolástica e o sadismo da cipoeira fiscal; sobra-lhe uma pequena parte para dedicar à sua indústria. Até esforço muscular dos dedos o sadismo do fisco lhe rouba. Pela manhã, ao acender o primeiro cigarro, tem que gastar o esforço de duas unhadas para romper o selo com que o fisco tranca as caixas de fósforos e os maços de cigarro…

Este engenhoso sistema de tortura tem em vista uma coisa só: permitir que sobre o corpo do gigante a vermina duma parasitalha infinita engorde em dolce far niente, como o carrapato engorda no couro do boi pesteado.

Vermina ininteligente! Consultasse ela os carrapatos e receberia deles um conselho salutar:

– "É perigoso levar a sucção a grau extremo; morre o boi, e com ele a parasitalha."

Será que nem o instinto da conservação própria consiga meter um raio de inteligência nos miolos do Triatoma megista, nome científico do que vulgarmente chamamos governo brasileiro?

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Monteiro LobatoNa antevéspera – 1946.

Marc Chagall fala sobre o amor e a arte

Marc Chagall (1887-1985)

« Tudo pode mudar em nosso mundo desmoralizado exceto o coração, o amor do homem e seu empenho em conhecer o divino. A pintura, como toda a poesia, tem uma parte no divino; as pessoas sentem isso hoje, do mesmo modo que costumavam sentir outrora. Que pobreza cercou minha infância, que provações experimentou meu pai, com seus nove filhos! E, no entanto, ele estava sempre cheio de amor e, à sua maneira, era um poeta. Foi através dele que pressenti, pela primeira vez, a existência da poesia neste mundo. Depois senti-a durante as noites quando contemplava o céu escuro. Aprendi então que também existia um outro mundo. Isso fez brotar lágrimas em meus olhos, tão profunda foi a comoção que se apossou de mim.»

Marc Chagall (1887-1985)

Algumas pinturas de Chagall (clique sobre as imagens para ampliá-las):

Chagall - A Crucificação Branca (1938) Chagall - Passeio (1917) Chagall - Aniversário (1915) Chagall - Mensagem bíblica (1960-1966) Chagall - Matrimônio chagall - Auto-retrato com paleta (1917)

Veja mais trabalhos de Marc Chagall, aqui.

O Caderno Rosa de Lori Lamby – Posfácio da versão digital

lorilamby2 Em 2000, escrevi o posfácio ao livro O Caderno Rosa de Lori Lamby , de Hilda Hilst, que passou então a ser distribuído gratuitamente pela eBooksBrasil.org. Nesta época eu era o responsável pelo site oficial da escritora e, como ela ainda não havia assinado com uma grande editora, decidimos experimentar novas mídias, no caso o ebook. (O mesmo livro foi distribuído também para Microsoft Reader, RocketBook e eBookEditPro, formatos da era pré-histórica do livro digital.)

Quando a Hilda assinou com a Editora Globo, o ebook foi retirado tanto da eBooksBrasil.org quanto de seu site oficial. Já me disseram que ele continua onipresente no eMule… Será?

O Caderno Rosa de Lori Lamby, juntamente com Cartas de um sedutor e Contos d’Escárnio/Textos Grotescos, faz parte da trilogia erótica de Hilda Hilst. Trata das confissões de uma menina de oito anos de idade…

Posfácio da versão digital

Caro(a) leitor(a)

Este livro que você acaba de ler é a pontinha da pontinha do iceberg que é a obra literária de Hilda Hilst. Não pense que agora já conhece seu estilo ou quem afinal é essa tar de “Hirda Rist”. Quando publicou este livrinho, ela já tinha um trabalho sólido e respeitado, seja em poesia, prosa ou teatro. Mas, à época, era pouco lida ou, pelo menos, assim parecia. Na verdade, o problema era outro…

Quando Gutenberg criou a imprensa com tipos móveis, criou implicitamente a clássica e complicada relação autor/editor. Como sempre, a culpa era do mordomo. (Nos últimos anos de sua vida, Gutenberg foi nomeado mordomo da casa do bispo de Mogúncia, Conde Adolfo de Nassau.) Pois é, a possibilidade de imprimir de forma rápida, econômica (risos) e sistemática uma série limitada de livros, mais conhecida como edição, permitiu ao autor expandir seu campo de leitores. Agora os livros já não se limitavam ao restrito e letrado círculo de iniciados, a esses senhores que, anteriormente, monopolizavam o acesso aos parcos volumes copiados à mão ou gravados em matrizes, como dizia o outro, de tipos “imexíveis”. Mas o autor seguia tendo um intermediário entre si e o leitor. (E assim seguirá, se a internet não se democratizar.) Claro que esta situação veio para o bem… e, inevitavelmente, não direi para o mal mas para sacanear mesmo certos autores. “Certos”, aqui, significa muitos. Pois se o editor é a figura que, apostando no escritor, tira do próprio bolso para bancar a edição, é ele também o cara que, consciente ou inconscientemente, retira da jogada muito trigo misturado ao joio. Sem falar na censura sistemática a que muitos autores ficam submetidos, já que ouro e poder são amiguinhos de infância, e, se as palavras do escritor não batem com as do editor e confrades, é ele então carta fora do baralho.

Mas… “a internet chegooou, e o ebook tambééémm, pra alegrar o leitoooor, e o autor tambééémm…” (Favor cantar com a melodia daquele jingle do Sílvio Santos.)

Calma. Enquanto existirem livros de papel, haverá editores. E sempre existirão. Um livro sempre será uma coisa boa de se ter entre os dedos. Mas, no futuro, será artigo de luxo. Porque quem realmente gosta de ler não se importará se as letras estão num papel ou numa tela qualquer, importa que o texto tenha qualidade ou que pelo menos seja agradável. E se não fosse pela internet, caro(a) leitor(a), você não teria tido acesso tão fácil ao livro que tem agora diante dos olhos. (Há anos totalmente esgotado e, pior, ausente dos empoeirados sebos.) Neste, entre outras coisas, Hilda satiriza com perfeição a relação autor-editor. Lalau – Massao?? – é o editor que sugere ao genial pai de Lori a escrita de uma “bandalheira”, ¿pois não é disso que as pessoas gostam? ¿Tchans, silicones, boquinha da garrafa e afins? Sim, a Hilda escreveu essa trilogia erótica – O Caderno rosa de Lori Lamby, Contos D’Escárnio/Textos grotescos e Cartas de um sedutor – para ganhar, pela primeira vez, algum dinheiro com seus livros. Mas, coitada, ela não conseguiu deixar de ser genial e escreveu uma literatura erótica que, se escandaliza, assim o faz no sentido bíblico e não no comum. Ou seja, no caso de Lori Lamby, é a súbita verdade da inocência infantil, por traz de tantas aparências sórdidas, que nos faz arregalar os olhos e ficar sem saber onde colocar as mãos. A verdade espanta.

Se o livro não é encontrado em qualquer parte do país, a culpa, apesar de tudo, não é do Massao Ohno. Ele, amigo de anos de Hilda, é um artista gráfico, avesso às sutilezas do mercado livreiro com seus intricados esquemas de distribuição e de pagamento de direitos autorais. E seu trabalho, praticamente conservado nesta edição, fala por si. (Hilda diz que ninguém encontra seus livros para comprar porque Massao a ama tanto que guarda-os todos debaixo da cama.) Quanto às ilustrações de Millôr Fernandes então, sem comentários.

Talvez você não saiba que um escritor, em média, recebe apenas 10% do preço de capa. Isto faz com que qualquer um que não seja um best-seller fique sem ter como se dedicar ao trabalho que a vida lhe impôs. (Nenhum verdadeiro escritor decidiu sê-lo simplesmente, o buraco é mais embaixo.) Precisa arranjar bicos. Tem que matar a própria fome. Imagine então quando, além da própria, há a fome de oitenta cães. O número atual, aqui na chácara de Hilda, é este. Há sessenta nos canis, vinte dentro de casa. Parece maluquice, mas todo aquele que decide receber e ajudar seres carentes passa por doido. Sem falar no sonho de Hilda, que gostaria de criar a Fundação Apolônio de Almeida Prado Hilst (em homenagem ao pai, também poeta). Queria construir, no terreno vago que há diante da Casa do Sol (sua residência), uma biblioteca pública e um anfiteatro. Queria possibilitar, aqui na casa, a reunião de pessoas ligadas à ciência, literatura, filosofia, etc., que juntas quisessem estudar a Imortalidade da alma humana. Só que…

Só que a Hilda deve mais de R$250.000,00 de IPTU, será aposentada pela UNICAMP – já que, após duas isquemias, está impossibilitada de ministrar aulas – e passará a receber oitocentos e poucos reais por mês. Só de ração para cães gasta-se R$790,00 por mês. E quase me esqueço: por enquanto nenhuma editora se interessou por suas obras completas. Logo, portanto, então… Vou citar uma fábula fabulosa do Millôr: um cara tá perdido num deserto, acompanhado apenas por seu cãozinho de estimação. Depois de horas, dias e tal sem comer nem beber, está próximo do desespero. Até que, olhando bem seu cão, no auge de seu delírio famélico, mata-o e o devora. Quando, enfim, já está a roer os ossos, começa a chorar comovido: “ah, tadinho do Lulu, ele ia gostar tanto de roer esses ossinhos…” E o Millôr é demais, a história tem moral: “O despertar dos belos sentimentos uma vez satisfeitas as necessidades básicas”. Pois é, caro(a) leitor(a), depois de Outubro/2000, quando a grana parar de entrar e estivermos no mato com oitenta cachorros, sei não…

Agora que criei o clima apropriado, atiro-me à questão: se você gostou deste livro, pode contribuir com a Hilda. Não é obrigatório, evidentemente, uma vez que você o adquiriu de graça. Também fica a seu critério o valor que quiser remeter. (Caso não esteja em condições – apesar de um livro digital custar em média R$4,00 – pode pelo menos enviar uma cópia do livro a seus amigos.) A conta corrente de Hilda Hilst é:

Banespa
Agência 0207
Conta 01-018330-3

Em nome de Hilda, agradeço a Millôr Fernandes, Massao Ohno, Luís Bogo (Livro Acesso), Teotonio (ebooksbrasil.com) e Jaime Mendonça (VirtualBooks Online). Agradeço também a Bete Coelho, Reinaldo Moraes e Iara Jamra que adaptaram O caderno rosa de Lori Lamby para teatro, atingindo indiscutível qualidade expressiva. E, claro, a você, caro(a) leitor(a), pólo complementar dessa relação mágica autor-leitor chamada literatura.

Abraço cordial
Yuri V. Santos
Casa do Sol – Setembro/2000

P.S.: Vale lembrar que a escritora Hilda Hilst faleceu em 2004 e que essa conta bancária já não existe…

Novo livro: A Bacante da Boca do Lixo

A Bacante da Boca do Lixo

Quero anunciar o lançamento do meu livro A Bacante da Boca do Lixo e Outros Escritos da Virada do Milênio. Trata-se de uma coletânea de contos, crônicas e um ensaio escritos entre 1993 e 2008. Todos os textos trazem – seja de modo explícito ou implícito – um pouco do clima apocalíptico que contagiou aqueles anos. (Em breve lançarei outro volume, no mesmo tom, de título O Exorcista na Casa do Sol e Outros Escritos da Virada do Milênio.)

O livro impresso e o ebook no formato EPUB podem ser adquiridos aqui ou aqui.

O ebook também está à venda na Amazon e na Kobo Books.

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