palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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No Pressure: ato falho ecofascista?

Quando assistimos ao curta-metragem No Pressure, nossa primeira impressão é a de que estamos vendo uma crítica ácida aos ambientalistas radicais, esses que, em vez de debater racionalmente com base em evidências, preferem eliminar toda dissensão a seu ponto de vista. (Isso quando não anunciam ― tal como um professor da PUC-GO deixou claro durante um programa sobre meio-ambiente que dirigi ― que seria muito melhor eliminar certos seres humanos a vê-los “acabar com o meio-ambiente”. Seu depoimento foi tão radical e absurdo, verdadeiramente eco-terrorista, que jamais entraria na edição final do programa piloto. Há um teaser aqui.) Enfim, ver o curta-metragem acima é como assistir a uma versão do South Park com atores reais. Só há um problema: trata-se, na verdade, de uma peça publicitária bancada por ambientalistas! (É uma campanha da ActionAid, da The Carbon Trust e da The Energy Saving Trust. A direção é de Richard Curtis, o mesmo de Notting Hill e Bridget Jones’s Diary.)

Ficam, pois, três perguntas: 1) Você achou o vídeo engraçado?; 2) Você não sentiu nenhuma pressão para concordar com eles?; 3) Não seria um ato falho eco-fascista?

Caso ache que estou exagerando, então imagine a mesma ideia aplicada às campanhas políticas da Dilma, do Serra, da Marina… Os eleitores dos adversários sendo explodidos… Qual seria a reação da famigerada opinião pública? Qual seria a sua reação?

José Bonifácio fala do Caráter Geral dos Brasileiros et cetera

José Bonifacio de Andrada e Silva

« É preciso sacrificar-se para o bem do Brasil, e tu não verás este bem. Os campos estão cheios de sementeiras de flores e tu não as gozarás… Vivamos hoje se no-lo permitem; não lutemos contra o Destino.»

(…)

« Se me acusarem de plagiário, direi com Byron que não faço escrúpulo de servir-me dos pensamentos alheios, que me parecem felizes. Quanto Shakespeare não tirou dos seus contemporâneos e quanto o nosso Camões!»

(…)

« Devemos saber ignorar em paz muita coisa grande.»

(…)

« O viajeiro, que como eu há tanto tempo viaja, é como o homem que come muito sem tempo de digerir. Desejo voltar à pátria para poder fazer boa digestão e ruminar o que hei visto.»

(…)

« La Vita Nuova de Dante é o breviário do amor. Dante é intraduzível. Podem-se verter os pensamentos, mas não a beleza, a simplicidade clássica.»

(…)

« O homem de bem projeta e espera; o ambicioso agita-se e precipita-se.»

(…)

« O déspota que não pode ser amado quer ser temido.»

(…)

« O brasileiro, que possui uma terra virgem debaixo de um céu amigo, recebeu das mãos da benigna natureza todo o físico da felicidade, e só deve procurar formá-lo em bases morais de uma boa Constituição que perpetue nossos bons costumes. Devemos ser os chins do Novo Mundo sem escravidão política e sem momos. Amemos pois nossos usos e costumes, ainda que a Europa se ria de nós.»

(…)

« Um grande poeta não pode ser ateu ou indiferente.»

(…)

« No Brasil, a virtude quando existe é heróica porque tem de lutar com a opinião e o governo.»

(…)

« No Brasil, há um luxo grosseiro a par de infinitas privações de coisas necessárias.»

(…)

« De que servia fazer leis se a sua execução estava entregue à mais infame corrupção?»

(…)

« As nações pouco cultas, mas vivas e impetuosas como a nossa, detestam novidades de prática, mas abraçam logo todas as especulativas, sejam quais forem.»

(…)

«Não é senhor de si quem a outrem sujeitou a língua. Um só homem, que queira e saiba falar a tempo, faz calar e tremer a muitos, pode ser a conservação de um povo inteiro que o silêncio perderia. A verdade muda introduz a tirania.»

(…)

« Caráter geral dos Brasileiros. Os Brasileiros são entusiastas do belo ideal, amigos da sua liberdade e mal sofrem perder as regalias que uma vez adquiriram. Obedientes ao justo, inimigos do arbitrário, suportam melhor o roubo que o vilipêndio; ignorantes por falta de instrução, mas cheios de talento por natureza; de imaginação brilhante e por isso amigos de novidades que prometem perfeição e enobrecimento; generosos mas com bazófia; capazes de grandes ações, contanto que não exijam atenção aturada e não requeiram trabalho assíduo e monotônico; apaixonados do sexo por clima, vida e educação. Empreendem muito, acabam pouco. Serão os Atenienses da América se não forem comprimidos e desanimados pelo despotismo.»

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Trechos de José Bonifácio, com textos selecionados por Octavio Tarquínio de Sousa. Para ler sobre José Bonifácio de Andrada e Silva

Alguns poemas de Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos

O COVEIRO

Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.
Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro
Da morte, quem matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chão,
Ali jazia o seu amor primeiro!
Depois, tomando a enxada, gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente:
– “Ai, foi por isso que me fiz coveiro!”

O LUPANAR

Ah! Por que monstruosíssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do ângulo diedro da parede,
A alma do homem polígamo e lascivo?!
Este lugar, moços do mundo, vede:
É o grande bebedouro coletivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vêm matar a sede!
É o afrodístico leito do hetairismo,
A antecâmara lúbrica do abismo,
Em que é mister que o gênero humano entre,
Quando a promiscuidade aterradora
Matar a última força geradora
E comer o último óvulo do ventre!

O MARTÍRIO DO ARTISTA

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetas células guarda!
Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz e na que ardente o lavra
Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!

O MORCEGO

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

A ESPERANÇA

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!

AMOR E CRENÇA

Sabes que é Deus? Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?
Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?
Ah! Se queres saber a sua grandeza
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!
Deus é o Templo do Bem. Na altura imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a crença,
Ama, pois, crê em Deus e… sê bendita!

AMOR E RELIGIÃO

Conheci-o: era um padre, um desses santos
Sacerdotes da Fé de crença pura,
Da sua fala na eternal doçura
Falava o coração. Quantos, oh! Quantos
Ouviram dele frases de candura
Que d’infelizes enxugavam prantos!
E como alegres não ficaram tantos
Corações sem prazer e sem ventura!
No entanto dizem que este padre amara.
Morrera um dia desvairado, estulto,
Su’alma livre para o céu se alara.
E Deus lhe disse: “És duas vezes santo,
Pois se da Religião fizeste culto,
Foste do amor o mártir sacrossanto.”

SONETO

A praça estava cheia. O condenado
Transpunha nobremente o cadafalso,
Puro do crime, isento de pecado,
Vítima augusta de indelével falso.

E na atitude do Crucificado,
O olhar azul pregado n’amplidão,
Pude rever naquele desgraçado
O drama lutuoso da Paixão.

Quando do algoz cruento o braço alçado
Se dispunha a vibrar sem compaixão
O golpe na cabeça do culpado

Ele, o algoz – o criminoso – então,
Caiu na praça como fulminado
A soluçar: perdão, perdão, perdão!

ARIANA

Ela é o tipo perfeito da ariana.
Branca, nevada, púbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essência que de si dimana.

As níveas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.

Dorme talvez. Em flácido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana.

Enquanto o amante pálido, a seu lado,
Medita, a fronte triste, o olhar velado,
No Mistério da Carne Soberana.

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Eu e Outras Poesias, de Augusto dos Anjos

Cláudio Moreno: “Deixem nossa ortografia em paz!”

Cláudio Moreno

« Esta anunciada reforma é ineficaz, amadora e espantosamente prejudicial ao nosso sistema de ensino. Se o Brasil ainda guardar uma pequena reserva de sensatez, vai esquecer esta proposta para sempre e sepultá-la no cemitério das idéias malucas, de onde ela nunca deveria ter saído. Em primeiro lugar, é ineficaz porque não conseguiria alcançar o que pomposamente anuncia — unificar a grafia em todos os países que compartilham nosso idioma. O sistema ortográfico brasileiro e o português são muito parecidos; como dois navios paralelos, singram o oceano sempre na mesma direção, a vinte metros um do outro. A atual reforma conseguiria aproximá-los para dezessete metros — isto é, iria diminuir três metros da distância, a qual, no entanto, continuaria a existir. É muito custo e muito trabalho para muito pouco proveito. Daqui a uns trinta anos, tudo ia começar de novo.

« Em segundo lugar, é amadora porque pouco ou quase nada simplifica o trabalho de aprender e de ensinar a ortografia; elimina algumas regrinhas secundárias, embaralha ainda mais (se é que isso é possível!) o emprego do hífen e, ironia suprema, quer suprimir o acento de pára (verbo), usado para distingui-lo da preposição para — logo um dos raríssmos acentos diferenciais que teria toda a justificativa para continuar existindo.

« Em terceiro lugar, causaria um dano incalculável ao sistema de ensino. Hoje convivem brasileiros que foram alfabetizados (1) pelo modelo anterior a 1943, (2) pelo modelo definido pelo Acordo de 1943, (3) pelo modelo modificado pelo Acordo de 1971; já vivemos um quadro suficientemente complicado e não precisamos acrescentar mais uma camada nesse pandemônio. Ortografia precisa de tempo para sedimentação — e isso se conta em séculos, não em décadas. Uma nova reforma aumentaria ainda mais a insegurança que todo brasileiro tem na hora de escrever — insegurança essa, como podemos ver, absolutamente justificada. Parem de brincar com o que não entendem; deixem nossa ortografia em paz!»

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Arquivem esta reforma! E já!, de Cláudio Moreno.

Dentre todos os artigos e comentários que li a respeito da famigerada nova ortografia e do cinzento Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, os mais sãos, os mais lúcidos e relevantes foram escritos pelo professor Cláudio Moreno. Eu, que ainda não engoli essas mudanças, que no máximo arrisquei a grafar, com peso na consciência, uma que outra “idéia” sem acento, não podia ficar mais satisfeito ao encontrar tão preparado combatente: Cláudio Moreno não perdoa o desengonçado Acordo Ortográfico. A leitura de seus textos me traz alívio – suas ironias e metáforas são irresistíveis – e me deixa mais seguro de que resistir a essa arbitrariedade é o melhor caminho. Sugiro os artigos abaixo:

Ferreira Gullar fala sobre a nova ortografia

Ferreira Gullar

« Eu acho que o Brasil e Portugal, com os outros países de língua portuguesa, têm de parar com essa coisa de ficar mudando as regras ortográficas. Eu acho que é uma coisa que não ajuda em nada. É uma perda de tempo. Cria confusão, inclusive dá prejuízos. Já imaginou o que vai acontecer? Coleções de livros vão ter que ser jogadas fora e reimpressas, para obedecer a uma nova ortografia porque uma ou duas pessoas resolveram mudar a maneira de escrever a língua. Isso é uma arbitrariedade. Quem é que outorgou a essas pessoas o direito de fazer isso? A língua é patrimônio do país, da população, não é propriedade de ninguém. Não pode haver uma entidade que decide mudar a língua de todo o mundo. Isso é um absurdo. É uma coisa precária, que cria confusões, porque é impossível você encontrar uma forma de colocar todos os países de língua portuguesa em que não se crie ambigüidade nenhuma. É um sonho vão. A ortografia tem de ser uma representação da linguagem falada. Então é uma bobagem. Uma perda de tempo.»

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Leia a entrevista completa com Ferreira Gullar: "O acordo ortográfico é uma perda de tempo". (E veja também o que ele fala sobre Lula e Dilma.)

Fonte: www.ionline.pt

Alexander Solzhenitsyn: « Alerta ao Ocidente »

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« Por terem os avós e os pais tampado os ouvidos aos gemidos do mundo e fechado os olhos aos seus abismos — por tudo isso — irá pagar a geração atual.»

(…)

« Nós, os povos oprimidos da Rússia, os povos oprimidos da Europa Oriental, percebemos dolorosamente o catastrófico enfraquecimento da Europa. Nós lhes oferecemos a experiência dos nossos sofrimentos — nós gostaríamos que vocês a assimilassem, sem pagar o incomensurável preço em mortes e escravidão, como nós pagamos. Mas a vossa sociedade se afasta das nossas vozes, que tentam adverti-los. E, provavelmente, devemos reconhecer desolados que a experiência de vida não se transmite. Todos devem viver tudo por si mesmos…»

(…)

« …ficamos sabendo que Dostoiévski, se errou, foi para o lado menor: de 1917 a 1959, o socialismo custou à atual União Soviética 110 milhões de pessoas!»

Alerta ao Ocidente, de Alexander Solzhenitsyn (1918-2008).

Fernão Mendes Pinto e sua peregrinação pelo oriente do século XVI

Fernão Mendes Pinto

« Quando às vezes ponho diante dos olhos os muitos e grandes trabalhos e infortúnios que por mim passaram, começados no princípio da minha primeira idade e continuados pela maior parte e melhor tempo da minha vida, acho que com muita razão me posso queixar da ventura que parece que tomou por particular tenção e empresa sua perseguir-me e maltratar-me, como se isso lhe houvera de ser matéria de grande nome e de grande glória; porque vejo que, não contente de me pôr na minha Pátria logo no começo da minha mocidade em tal estado que nela vivi sempre em misérias e em pobreza, e não sem alguns sobressaltos e perigos de vida, me quis também levar às partes da Índia, onde em lugar do remédio que eu ia buscar a elas, me foram crescendo com a idade os trabalhos e os perigos. Mas por outro lado, quando vejo que do meio de todos estes perigos e trabalhos me quis Deus tirar sempre a salvo e pôr-me em segurança, acho que não tenho tanta razão de me queixar de todos os males passados, quanta tenho de lhe dar graças por este só bem presente, pois me quis conservar a vida para que eu pudesse fazer esta rude e tosca escritura que por herança deixo a meus filhos (porque só para eles é minha intenção escrevê-la) para que eles vejam nela estes meus trabalhos e perigos de vida que passei no decurso de vinte e um anos, em que fui treze vezes cativo e dezessete vendido, nas partes da Índia, Etiópia, Arábia Feliz, China, Tartária, Maçácar, Samatra e outras muitas províncias daquele oriental arquipélago dos confins da Ásia, a que os escritores chins, siameses, guéus, léquios, chamam em suas geografias a pestana do mundo, como ao adiante espero tratar muito particular e muito amplamente. Daqui por um lado tomem os homens motivo de não desanimarem com os trabalhos da vida para deixarem de fazer o que devem, porque não há nenhuns, por grandes que sejam, com que não possa a natureza humana, ajudada do favor divino, e por outro me ajudem a dar graças ao Senhor onipotente por usar comigo da sua infinita misericórdia, apesar de todos meus pecados, porque eu entendo e confesso que deles me nasceram todos os males que por mim passaram, e dela as forças e o ânimo para os poder passar e escapar deles com vida.»

Assim se inicia o relato de 774 páginas (divididas em dois volumes) do aventureiro e explorador português Fernão Mendes Pinto (1510?–1583), que com uma prosa dinâmica e direta, mas de poder narrativo sempre envolvente, nos transporta através de tempestades e batalhas em alto-mar, de terras e povos estranhos, de paisagens e animais fantásticos, de reis, rainhas, mouros, piratas e assim por diante. Impressiona, por exemplo, ler sobre a preparação, em Goa, Índia, de uma armada composta por 225 navios portugueses — entre naus, caravelas, galeões, galés, fustas, etc. — para a batalha que deveria ter sido travada com 50 navios muçulmanos: foram necessários cinco dias para embarcar um total de 40 mil homens. (Taí um filme que gostaria de ver.) Com a mesma sintaxe viva, colorida, Mendes Pinto também nos faz gargalhar ao relatar seu encontro com o rei de Quedá, o qual havia – assim afirmavam seus súditos – assassinado o pai e se casado com a própria mãe, grávida do filho incestuoso. O detalhe tragicômico é que o rei mandava executar sumariamente qualquer um que comentasse o fato…

Estudiosos chamam a atenção para o fato de este livro, apesar de ser considerado “uma das obras capitais da formação do nosso idioma enquanto língua literária”, não ter se tornado tão conhecido e louvado como os Lusíadas, de Camões. Talvez, especulam, porque o autor, em meio a situações fantásticas, não poupa seus compatriotas de um enfoque realista, isto é, mesmo sendo virtualmente tementes a Deus, no geral não eram nada santos…

Também é interessante notar que Machado de Assis tinha para com Fernão Mendes Pinto (e também para com Gomes Eanes Zurara) a mesma consideração que eu, há pelo menos quinze anos, tenho para com Antônio Vieira: autores aos quais recorremos para revitalizar nosso próprio uso da língua ou, como escreveu Machado, para estudar “as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar deles [Mendes Pinto e Zurara] mil riquezas, que à força de velhas se fazem novas”.

É possível ler online a versão original da Peregrinação aqui. Mas não aconselho, porque a ortografia da época, sendo muito distinta – bastante curiosa, na verdade –, impede a fluidez da leitura. O melhor é adquirir a versão adaptada à ortografia atual por Maria Alberta Menéres e publicada pela Editora Nova Fronteira: volume 1 e volume 2.

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