Blog do Yuri

palavras aos homens e mulheres da Madrugada

Amar um escritor (ou músico, ator… hum? empreendedor?!)

Jack Kerouac

Jack Kerouac: Bonito, charmoso, mas…

Por Steven Pressfield.

¿Você está apaixonada por um escritor? ¿Tem certeza? ¿Está segura de que não quer tentar alguém mais fácil de lidar, tal como um peão de rodeio, um soldado do BOPE ou um dublê especialista em cenas com motos?

Dito isto, eis algumas orientações, nascidas da dolorosa experiência, para aquelas que tenham dado seu coração aos servidores da Musa literária. (As seguintes observações se aplicam igualmente, é claro, a atores, artistas, músicos, comediantes, empreendedores e a todos os demais membros desta espécie particularmente tumultuosa.) Caras amantes, por favor, mantenham em mente o que segue:

1) Escritores não são normais.

E.L. Doctorow considera a arte literária uma “forma socialmente aceitável de esquizofrenia”. O que ele quer dizer é que artistas e empreendedores são um pouco malucos. Eles ouvem a música que o restante de nós não consegue ouvir. E às vezes a busca dessa música os leva para longe de seu mais amável e gentil Eu. Nós devemos exercitar a paciência quando amamos artistas. Eles são conduzidos por forças que não entendem e não podem controlar.

2) Escritores vivem em suas cabeças.

O que é divertido para pessoas normais — paraquedismo, digamos; um final de semana em Aruba — não significa nada para seu escritor. A diversão dele está em sua própria cabeça. Um épico está sendo projetado dentro dela e ela está tomando ditado tão rápida e furiosamente quanto lhe é possível. “Quando trabalho, relaxo”, dizia Picasso. “Não fazer nada… me deixa cansado.”

O princípio unificador sob essa doideira artística é que escritores/artistas/empreendedores estão lutando contra a Resistência [conceito apresentado por Pressfield em seu livro A Guerra da Arte] — e com a inspiração. Eles caminham na corda-bamba sobre um desfiladeiro ardente de 300 metros de profundidade, simultaneamente duelando com o diabo e cortejando a divina oponente deste — a inspiração, a mágica, o “fluxo”.

3) Escritores não são governados pela razão.

Nós imaginamos que artistas e empreendedores são inteligentes, até mesmo brilhantes. Mas na verdade eles estão atuando por instinto e com os nervos à flor da pele. Não se deixe enganar por seu domínio da câmera Panavision 3D ou sua habilidade de dar seqüência a uma dúzia de sentenças completas. Eles estão patinando sobre gelo quebradiço. “Cada vez que escrevo um livro, todas as vezes que encaro aquele caderno de anotações”, disse Maya Angelou, “eu penso, ‘Nossa, agora eles vão me desmascarar’.”

¿Como lidar com um artista? Como um treinador trata um cavalo de corrida. Lembre-se, você é a única com a tabela de alimentação e o cronômetro. Sua montaria ficará com o coração derretido por você se ele souber que você se importa e que você o deixará, e até mesmo o ajudará a, disputar sua corrida.

4) Escritores são primitivos.

¿Você já leu Crônicas, livro de memórias de Bob Dylan? O relato sobre como Mister D junta as peças para formar um álbum soa como a saga de um xamã do Neolítico planejando para sua tribo a caça outonal a um mastodonte.  Deuses e monstros aparecem; jornadas épicas são realizadas; incensos e encantamentos são oferecidos. Comparado ao método de trabalho de Dylan, Hunter Thompson parece um modelo de ordem civilizada.

Artistas e empreendedores requerem a supervisão de adultos. Não importa o quão eloquentemente eles apresentem seu caso, por baixo eles estão numa intensa batalha, como você, para encontrar e manter seu equilíbrio emocional. Eles são inseguros, grandiosos, ciumentos, fascinantes, volúveis, românticos.

¿Você é um artista? Dê uma folga à sua parceira. Amá-lo não é um dia de sol na praia. Você é um mala, querido.

Tente visitar o planeta Terra tão frequentemente quanto possível e, quando você vier, vá acampar por uns tempos. Esteja realmente presente. Ouça de verdade. Lembre-se que sua namorada / namorado/ esposa tem de lidar com o fato de que você está servindo a Musa. Sua companheira se aflige ao sentir que é a número 2 em seu coração. Tranqüilize-a. Sexo, flores, espumantes levam a um bom caminho.

Lembre-se que sua parceira pode ser tão insegura, grandiosa, ciumenta, fascinante, volúvel e romântica quanto você.

5) Uma última palavra aos amantes de artistas.

Antes de tudo, ¿por que alguns de nós sentem-se atraídos por artistas? Buscamos nos aproximar da mágica? ¿Estamos intoxicados com o poder de nosso cônjuge para produzir maravilhas com fumaça azulada, cabelos longos e uma Fender Stratocaster?

Dois avisos: se você pretende se aproximar daquela mágica por causa do ímpeto e do burburinho, esteja pronta para pagar o preço.

Mas aqui vai o Principal. Se você é conduzida ao poder do seu artista por sentir que há um dom similar dentro de si mesma, mas você não sabe o que fazer (ou falta a coragem) para acessá-lo, pare e pense bem. Esse frio na barriga pode não ser amor. Pode ser a Resistência. Sua própria Resistência retendo, com mãos frias, seu único, autêntico e ainda-latente dom.

Neste caso, o amor pode ser, para ambos, um choque frontal de trens. Em vez disso, seja amiga do seu artista — e faça seu próprio trabalho.

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Fonte: Loving A Writer By STEVEN PRESSFIELD.
Traduzido por Yuri Vieira.

Apenas um comentário: achei bastante singular o fato de Steven Pressfield incluir na categoria de escritores/artistas a figura do entrepreneur (empreendedor, empresário). Num país como o Brasil onde 100 milhões de habitantes, por intermédio do Estado, vivem às custas dos outros cerca de 84 milhões, ser um empreendedor é como ser Vincent van Gogh. É possível até imaginar as angústias, o desespero e talvez mesmo a tragédia de tentar ser um empresário, de tentar começar de baixo e vencer pelo próprio esforço e mérito. (Bom, eu tentei, mas não o suficiente para arrancar a orelha.) Tantos impostos — para bancar essa gente toda –, tantos encargos e leis trabalhistas esdrúxulos, tudo em nome da idéia de “distribuição de renda”, que não faz senão criar uma nova elite: a elite dos que se penduram nas tetas do Estado sem nada produzir, sem nada criar, sem nada arriscar. Como se a vida não fosse, como diria Riobaldo (Grande Sertão: Veredas) como se a vida não fosse um “descuido prosseguido”. E o pior é que nem eu mesmo, por mais que tente, consigo escapar disso: quase todo trabalho que me chamam para fazer em vídeo — enquanto roteirista e diretor —  é ou para o governo ou bancado com alguma “lei de incentivo”. (É assim fora do circuito Rio-São Paulo, o qual, em época de eleições, também “lava a sua égua.”) E o pior: sempre que vou à bancarrota sou obrigado a “me virar nos trinta”. No Brasil, se você não é burocrata, se não é funcionário do Estado, no curto e médio prazos está perdido. Porque no longo prazo a pirâmide irá ceder: não é possível sugar tanto a tantos por tanto tempo.  Os empreendedores brasileiros — e aqui estão incluídos até mesmo os camelôs — dão o sangue para pintar girassóis, mas os demais querem apenas saber o quanto irão embolsar do preço do quadro…

Atualizações semanais no Twitter em 2010-07-26

Profissão: herdeiro (de um escritor) – na revista Época

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« Famílias, eu vos detesto. A antologia que acaba de sair na França com esse título é uma coleção de casos vividos por Emmanuel Pierrat, especialista em propriedade intelectual. O que pode ser pior para um fã de Jorge Luis Borges do que não encontrar suas obras pela coleção Pléiade porque a reedição foi bloqueada pela viúva do autor, Maria Kodama? E a frustração dos leitores de Jean Giono que não poderão ler as 3 mil páginas de sua correspondência com a amante Blanche Meyer, proibida pelos sucessores?

« Freud já estudava as lutas familiares depois da morte do pai e o impulso de retomar o lugar vago. Não acontece apenas no terreno psíquico nem só na França. O bibliófilo José Mindlin dizia que familiares de escritores deviam ostentar no cartão de visita a profissão “herdeiro”. Não é justo colocar no papel do carrasco apenas as famílias. O próprio Pierrat reconhece que editoras são especialistas em ultrapassar limites. Na guerra travada por trás das estantes, o leitor nem desconfia por que esse ou aquele autor evaporou-se de repente.»

Assim começa a matéria Profissão: herdeiro, da revista Época, que explica por que muitos autores, por anos e anos, simplesmente desaparecem das livrarias, deixando velhos leitores saudosos e novas gerações completamente alheias à sua existência. Para um escritor que espera ser lido ao menos após sua morte, herdeiro é serpente

Entrevista com o escritor e crítico literário José Castello

José Castello

Conheci José Castello na Casa do Sol, residência da escritora Hilda Hilst, em 1999, ocasião em que foi entregar, em mãos, um exemplar do seu livro O Inventário das Sombras, no qual há um capítulo dedicado à própria Hilda. O curioso é que, naquele mês, eu havia lido Qadós, conto dela, cuja descrição do protagonista — mormente sua loucura e suas vestes — me lembrou Arthur Bispo do Rosário. Eu comentara a respeito com Hilda, que nunca tinha ouvido falar dele. E aí apareceu Castello com seu livro: um outro capítulo tratava justamente de Bispo do Rosário… (Devo observar que, tal como James Joyce, Hilda também se impressionava profundamente com qualquer coincidência. Ela não conseguia esquecer-se do fato enquanto lia o que Castello escrevera sobre Rosário. Também achava ali muitas semelhanças.)

Ah, sim: O Inventário das Sombras é um ótimo livro. O capítulo sobre Clarice Lispector é bizarro, sua histeria diante do gravador linda simultaneamente com o cômico e o patético, fica difícil concluir se ela era adepta do happining da pegadinha (digamos) –, ou se era de fato doida de pedra…

Primeira parte:

Segunda parte:

Como os “indie ebooks” irão transformar o mercado livreiro

Sorry, macacada: apresentação de slides apenas em ingrêis

Ryūnosuke Akutagawa e o escritor que se sente medíocre

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« Depois que Kazan se retirou, Bakin sentou-se à mesa, como de hábito, com o intuito de continuar o manuscrito do Hakkenden, aproveitando a emoção que ainda sentia. Era seu costume, desde há muito, reler o que produzira no dia anterior, antes de continuar a escrever. Então, também nesse dia, leu com vagar e atenção as folhas do manuscrito, cheias de correções em vermelho entre as linhas cerradas.

« Mas, por que seria? Aquilo que estava escrito não sintonizava com seu espírito. Ocultas dissonâncias entre as palavras rompiam a harmonia do conjunto. No início, ele interpretou isso como efeito do seu nervosismo.

« — O problema, hoje, é meu estado de espírito. Pois o que está escrito, escrevi da melhor forma que pude.

« Assim pensando, retomou uma vez mais a leitura. Mas a tonalidade dissonante continuava inalterada. Ele começou a ser tomado pelo pavor, apesar de sua idade avançada.

« Como estará a outra parte?

« Passou os olhos pela parte que escrevera antes. Também ali via frases cruas e inúteis, espalhadas em desordem. Leu a parte anterior àquela. E depois leu a parte anterior a essa.

« Mas, à medida que as lia, a composição imatura e a redação caótica iam se desenrolando frente a seus olhos. Havia descrições de cenas que não sugeriam imagem alguma. Havia exclamações que não continham qualquer entusiasmo. E havia, ainda, uma retórica que não seguia nenhuma lógica. Todos aqueles manuscritos que lhe custaram muitos dias de trabalho, de seu ponto de vista atual, não passavam de uma inútil tagarelice. Ele sentiu de súbito uma dor lancinante a lhe penetrar a alma.

« — Não há outra solução senão reescrever desde o começo! — gritando assim com toda a alma, afastou para o lado os manuscritos, como que enojado, e deitou-se pesadamente, apoiado num dos cotovelos. Mas, talvez ainda preocupado, não desviava os olhos da mesa. Sobre aquela mesa, ele havia escrito o Yumiharizuki (Lua crescente), o Nankano yume (Sonhos de Nanka) e agora trabalhava no Hakkenden. Todos os objetos que estavam sobre a mesa — a pedra de tinta de Tankei, o peso de papel com formato de sonri, a garrafinha de bronze para água modelada em forma de sapo, o pára-vento de porcelana azul ultramar ornada de leão chinês e peônias e o pórta-pincéis grosso de bambu com orquídeas cinzeladas —, todos esses objetos de escritório desde há tempos estavam familiarizados com a dor que neles acompanhava a criação. Ao olhá-los, Bakin não podia reprimir uma inquietação abominável, como se o fracasso daquele momento projetasse uma sombra escura sobre as obras de sua vida inteira e como se sua própria competência estivesse dramaticamente sendo posta em questão.

« — Até há pouco, eu tinha a intenção de escrever uma grande obra-prima, sem igual no país. Mas pode ser que esta seja, quem sabe, uma pretensão banal.

« Essa inquietação lhe provocou um sentimento quase insuportável de solitude e desolação. Ele não era de esquecer jamais a modéstia que devia ter diante dos gênios da China e de seu país, a quem respeitava. Mas, por outro lado, acontecia de se mostrar orgulhoso e até mesmo insolente em relação aos escritores insignificantes de seu tempo. Naquele momento, ¿poderia reconhecer facilmente que também ele, afinal de contas, era tão pouco competente quanto os outros ou que, como eles, não passava de um desprezível “porco de Ryôtô”*? Além disso, o seu poderoso “ego” fervilhava demais, de emoção, para se refugiar dentro da “iluminação” e da “resignação”.»

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Trecho do conto Devoção à Literatura Popular, do livro Rashômon e Outros Contos (Editora Hedra), de Ryūnosuke Akutagawa (1892-1927).

[* “Porco de Ryôtô”: História narrada na China, onde um porco de cabeça branca, tido como raro, foi levado como oferenda ao Imperador; ao chegar lá, perceberam que muitos porcos ali também tinham a cabeça branca.]

P.S.: Hoje, 24 de Julho de 2010, é aniversário de 83 anos da morte de Akutagawa.

Vintila Horia fala sobre a psicanálise

Vintila Horia

« É evidente que a psicologia, sobretudo a freudiana — e Jung pressentiu-o logo desde o primeiro encontro com Freud — se transformou, com o tempo, numa filosofia, no sentido mais vulgar do termo. O homem para quem “Deus morreu”, como reza o desespero contemporâneo, tem que se refugiar numa algaravia. E aquele que não se quer politizar, ou vender a alma ao diabo, põe-se a acreditar na psicanálise ou nos seus sacerdotes. É todo um culto laico, engendrado por um profeta do século XX, de cuja propaganda se encarregaram, pelo menos ao princípio, as mulheres, como acontece na fase inicial de todas as religiões.»

Vintila Horia, em Viagem aos Centros da Terra.

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