A crítica na visão de Bárbara Heliodora. (Entrevista concedida ao Instituto Millenium.)
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A crítica na visão de Bárbara Heliodora. (Entrevista concedida ao Instituto Millenium.)
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« Milton, no Areopagitica, nos dá, talvez sem querer, uma pista sobre as fontes do elemento profético numa sociedade moderna. Elas podem aparecer através da palavra impressa, sobretudo na pena dos que despertam resistência e ressentimento na sociedade, por falarem com uma autoridade que esta reluta em reconhecer. Neste contexto uma tal autoridade não é infalível, mas ainda assim pode conter uma genuína antevisão. A tolerância para com mentes criativas, reconhecendo-as como potencialmente proféticas, é uma marca da maioria das sociedades maduras, mesmo se essa tolerância não possui padrões definidos de antemão nem postula a infalibilidade daquelas mentes. Portanto no mundo moderno, se algo corresponde à autoridade profética, é o crescimento do que antes chamamos de pluralismo cultural. Neste contexto um cientista, um historiador ou um artista podem pensar que seu assunto possui uma autoridade inerente. Na mesma linha de pensamento, reconhecem que podem realizar descobertas que entrem em conflito com o espírito socialmente predominante e que mesmo assim, diante da oposição por parte da sociedade, devem permanecer leais à sua matéria.
« Na Bíblia a profecia é uma visão abrangente da situação humana, medindo-a da criação à libertação final; é uma visão que demarca o que, em outros contextos, despertaria a imaginação criadora. Ela incorpora a perspectiva da sabedoria, ampliando-a. O sábio pensa na situação do homem como se esta fosse uma linha horizontal, formada pelo precedente, pela tradição, e avançando graças à prudência; o profeta vê o homem num estado de alienação provocado pelas distrações que lhe são próprias, no ponto mais baixo de uma curva em forma de U. Voltaremos a esta curva mais tarde, como a unidade narrativa na Bíblia. Ela (a curva) postula um estado original de felicidade relativa, e olha para diante, na esperança de uma restauração definitiva deste estado para pelo menos algum “sobrevivente”. O momento presente do sábio é o ponto em que se equilibram o passado e o futuro; as incertezas deste são minimizadas pela observância da lei que procede do passado. O momento presente do profeta é o de um filho pródigo alienado, um momento que rompeu com sua própria identidade no passado mas pode a ela retornar no futuro. Desse ponto de vista podemos ver que o Livro de Jó, embora seja classificado entre a literatura da sabedoria e inclua mesmo um elogio da própria sabedoria, não pode ser compreendido apenas como tal. Para ser compreendido ele precisa de uma perspectiva profética.»
Trecho do livro O Código dos Códigos, de Northrop Frye.
Em vista do adiamento para 2016 da famigerada Reforma Ortográfica, vale a pena ler de novo os artigos do professor Cláudio Moreno — os melhores que li sobre o tema —, afinal, talvez ainda haja tempo para reformar a reforma.
São muitos os artigos do Sua Língua que falam do Acordo Ortográfico. Reúno, abaixo, em ordem de publicação, os dez textos em que analiso mais de perto as causas, as consequências e os prejuízos desta periclitante Reforma:
01 ─ Deixem a nossa ortografia em paz!
02 ─ Esqueçam essa reforma!
03 ─ O pesadelo de Cassandra
04 ─ O pesadelo de Cassandra continua
05 ─ O que muda na ortografia?
06 ─ Mudanças na ortografia
07 ─ Não compre o novo VOLP! (1)
08 ─ Não compre o novo VOLP! (2)
09 ─ Não compre o novo VOLP! (3)
10 ─ Não compre o novo VOLP (4)
Palestra de Rodrigo Gurgel, o jurado “C” do Prêmio Jabuti, a respeito de seu livro Muita Retórica – Pouca Literatura. (O áudio está baixo até os primeiros 5 ou 6 minutos. Se não conseguir ouvi-lo desde o início, avance o vídeo até aí.)
« Esta anunciada reforma é ineficaz, amadora e espantosamente prejudicial ao nosso sistema de ensino. Se o Brasil ainda guardar uma pequena reserva de sensatez, vai esquecer esta proposta para sempre e sepultá-la no cemitério das idéias malucas, de onde ela nunca deveria ter saído. Em primeiro lugar, é ineficaz porque não conseguiria alcançar o que pomposamente anuncia — unificar a grafia em todos os países que compartilham nosso idioma. O sistema ortográfico brasileiro e o português são muito parecidos; como dois navios paralelos, singram o oceano sempre na mesma direção, a vinte metros um do outro. A atual reforma conseguiria aproximá-los para dezessete metros — isto é, iria diminuir três metros da distância, a qual, no entanto, continuaria a existir. É muito custo e muito trabalho para muito pouco proveito. Daqui a uns trinta anos, tudo ia começar de novo.
« Em segundo lugar, é amadora porque pouco ou quase nada simplifica o trabalho de aprender e de ensinar a ortografia; elimina algumas regrinhas secundárias, embaralha ainda mais (se é que isso é possível!) o emprego do hífen e, ironia suprema, quer suprimir o acento de pára (verbo), usado para distingui-lo da preposição para — logo um dos raríssmos acentos diferenciais que teria toda a justificativa para continuar existindo.
« Em terceiro lugar, causaria um dano incalculável ao sistema de ensino. Hoje convivem brasileiros que foram alfabetizados (1) pelo modelo anterior a 1943, (2) pelo modelo definido pelo Acordo de 1943, (3) pelo modelo modificado pelo Acordo de 1971; já vivemos um quadro suficientemente complicado e não precisamos acrescentar mais uma camada nesse pandemônio. Ortografia precisa de tempo para sedimentação — e isso se conta em séculos, não em décadas. Uma nova reforma aumentaria ainda mais a insegurança que todo brasileiro tem na hora de escrever — insegurança essa, como podemos ver, absolutamente justificada. Parem de brincar com o que não entendem; deixem nossa ortografia em paz!»
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Dentre todos os artigos e comentários que li a respeito da famigerada nova ortografia e do cinzento Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, os mais sãos, os mais lúcidos e relevantes foram escritos pelo professor Cláudio Moreno. Eu, que ainda não engoli essas mudanças, que no máximo arrisquei a grafar, com peso na consciência, uma que outra “idéia” sem acento, não podia ficar mais satisfeito ao encontrar tão preparado combatente: Cláudio Moreno não perdoa o desengonçado Acordo Ortográfico. A leitura de seus textos me traz alívio – suas ironias e metáforas são irresistíveis – e me deixa mais seguro de que resistir a essa arbitrariedade é o melhor caminho. Sugiro os artigos abaixo:
« Os motivos para ler, como para escrever, são muito diversos, e muitas vezes não claros mesmo para os leitores ou escritores mais autoconscientes. Talvez o motivo último para metáfora, ou para a escrita e leitura de uma linguagem figurativa, seja o desejo de ser diferente, estar em outra parte. Nesta afirmação eu sigo Nietzsche, que nos advertia que aquilo para que conseguimos encontrar palavras já está morto em nosso coração, de modo que há sempre uma espécie de desprezo no ato de falar. Hamlet concorda com Nietzsche, e os dois talvez tenham estendido o desprezo ao ato de escrever. Mas não lemos para descarregar nossos corações, portanto não há desprezo no ato de ler. As tradições nos dizem que o eu livre e solitário escreve para vencer a mortalidade. Creio que o eu, em sua busca para ser livre e solitário, em última análise lê com um só objetivo: encarar a grandeza. Esse confronto mal disfarça o desejo de juntar-se à grandeza, que é a base da experiência estética outrora chamada de o Sublime: a busca de uma transcendência de limites. Nosso destino comum é a velhice, a doença, a morte, o esquecimento. Nossa esperança comum, tênue mas persistente, é alguma versão de sobrevivência.
« Encarar a grandeza quando lemos é um processo íntimo e dispendioso, e jamais esteve em grande voga crítica. Agora, mais que nunca, está fora de moda, quando a busca de liberdade e solidão é condenada como politicamente incorreta, egoísta e não adequada à nossa sociedade angustiada.»
(…)
« Que utilidade pode ter para um crítico individual, tão tardiamente na tradição, catalogar o Cânone ocidental como o vê? Mesmo nossas universidades de elite hoje estão inertes diante das continuadas levas de multiculturalistas. Ainda assim, ainda que nossas atuais modas prevaleçam para sempre, as escolhas canônicas de obras passadas e presentes têm seu próprio interesse e encanto, pois também elas fazem parte da continuada disputa que é a literatura. Todo mundo tem, ou deve ter, uma lista para uma ilha deserta, para o dia em que, fugindo de seus inimigos, seja lançado na praia, ou quando se afastar capengando, todas as guerras feitas, para passar o resto de seu tempo lendo tranqüilamente. Se eu pudesse ter um livro, seria Shakespeare completo; se dois, isso e a Bíblia. Três? Aí começam as complexidades. William Hazlitt, um dos poucos críticos definitivamente no Cânone, tem um esplêndido ensaio “Sobre a leitura de Velhos Livros”:
Não penso inteiramente o pior de um livro por ter sobrevivido ao autor uma ou duas gerações. Confio mais nos mortos que nos vivos. Os escritores contemporâneos podem em geral dividir-se em duas classes – nossos amigos e nossos inimigos. Dos primeiros, somos obrigados a pensar bem demais, e dos últimos estamos dispostos a pensar mal demais, receber muito prazer da folheada, ou julgar com justiça o mérito de uns e outros.
« Hazlitt manifesta uma cautela própria ao crítico numa era de crescente tardiedade. A superpopulação de livros (e autores), causada pela extensão e complexidade da história registrada do mundo, está no centro dos dilemas canônicos, hoje mais que nunca. “Que vou ler?” não é mais a questão, uma vez que tão poucos lêem hoje, na era da televisão e do cinema. A questão pragmática tornou-se: “Que não vou me dar o trabalho de ler?”»
(…)
« A ideologia desempenha um papel considerável na formação de um cânone literário se se quer insistir em que uma posição estética é em si uma ideologia, uma insistência comum a todos os seis ramos da Escola do Ressentimento: feministas, marxistas, lacanianos, neo-historicistas, desconstrucionistas, semióticos. Há, evidentemente, estética e estética, e os apóstolos que acreditam que o estudo literário deve ser uma franca cruzada pela transformação social obviamente manifestam uma estética diferente da minha versão pós-emersoniana de Pater e Wilde.»
(…)
« Por que, então, é a literatura tão vulnerável à investida de nossos idealistas sociais contemporâneos? Uma resposta parece ser a ilusão comum de que menos conhecimento e menos habilidade técnica são necessários para a produção ou compreensão da literatura de imaginação (como a chamávamos) que para outras artes.
« Se todos falássemos em notas musicais ou pinceladas, suponho que Stravinsky e Matisse estariam sujeitos aos riscos peculiares hoje sofridos pelos autores canônicos. Tentando ler muitas das obras apresentadas como alternativas do ressentimento ao Cânone, reflito que esses aspirantes devem acreditar que falaram prosa a vida inteira, ou então que suas sinceras paixões são já poemas, exigindo apenas uma pequena reescrita. Volto-me para minhas listas, esperando que os sobreviventes letrados encontrem entre si alguns autores e livros que ainda não encontraram, e colham as recompensas que só a literatura canônica oferece.»
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Algumas observações de François Mauriac sobre a arte de escrever romances:
« Todo romancista deve inventar sua própria técnica, eis aí a verdade. Cada romance digno de tal nome é como outro planeta, quer seja grande ou pequeno, com suas próprias leis, assim como possui sua flora e sua fauna. Assim, a técnica de Faulkner é certamente a melhor para pintar o mundo de Faulkner, sendo que o pesadelo de Kafka criou seus próprios mitos, que o tornam comunicável. Benjamin Constant, Stendhal, Eugène Frometin, Jacques Rivière, Radiguet, todos usavam técnicas diferentes, tomavam liberdades diferentes e impunham a si próprios tarefas diferentes. A obra de arte, em si, quer seu título seja Adolphe, Lucien Leuwen, Dominique, Le Diable au Corps, ou À la Recherche du Temps Perdu, é a solução quanto ao problema da técnica.»
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« Minha opinião não mudou. Creio que meus confrades romancistas mais jovens se acham grandemente preocupados com a técnica. Parecem pensar que um bom romance deve seguir certas normas impostas de fora. Na verdade, porém, tal preocupação os tolhe e embaraça em sua criação. O grande romancista não depende de ninguém, exceto de si próprio. Proust não se assemelhava a nenhum de seus antecessores, e não teve, não poderia ter, quaisquer sucessores. O grande romancista quebra o seu molde; só ele pode usá-lo. Balzac criou o romance “balzaquiano”; seu estilo se adaptava apenas a Balzac. Há um laço estreito entre a originalidade de um romancista em geral e a qualidade pessoal de seu estilo. Um estilo emprestado é um mau estilo. Romancistas americanos, de Faulkner a Hemingway, inventaram um estilo que não pode ser transferido a seus adeptos.»
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«(…) A preocupação com tais questões (qual técnica?) constitui um obstáculo para o romance francês. A crise no romance francês, de que tanta gente fala, será solucionada tão pronto nossos jovens escritores consigam libertar-se da idéia ingênua de que Joyce, Kafka e Faulkner são os detentores das tábuas da lei da técnica da literatura de ficção. Estou convencido de que um homem dotado do temperamento real de romancista transcenderá tais tabus, tais normas imaginárias.»
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« Escrevo sempre que me apraz. Durante um período criador, escrevo todos os dias. Um romance não deve ser interrompido. Quando deixo de ser transportado, quando já não sinto como se estivesse recebendo um ditado, paro.»
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« Sinto que o primeiro dever do escritor é ser ele próprio, aceitar suas limitações. O esforço de auto-expressão deveria afetar sua maneira de expressão.»
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