palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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Da série “encontros bizarros”: Fernando Pessoa e Aleister Crowley

Crowley e Pessoa

Aleister Crowley joga xadrez com Fernando Pessoa.

O fabuloso destino de Hilda Hilst na Casa do Sol

O artigo abaixo, escrito por Antonio Nahud Júnior, certamente trará fortes lembranças a todos os que tiveram o privilégio de conviver com a escritora Hilda Hilst. Minha identificação foi total. Tendo residido em sua casa por dois anos, posso confirmar: Antonio falou e disse.

O fabuloso destino de Hilda Hilst na Casa do Sol

Hilda Hilst

Ainda me lembro do sorriso de Hilda Hilst (1930-2004). Um sorriso enigmático que interroga e que responde. Um sorriso invulgar que me ocorre tão nítido, tão límpido, tendo como cenário os jardins exuberantes da Casa do Sol, um sítio a 11 quilômetros de Campinas. Eu costumava visitá-la nos finais de semanas dos primeiros anos dos 90. A poeta habitava aquele claustro desde 1966, abrindo mão da intensa vida de convívio social para se dedicar exclusivamente à literatura. Tal mudança foi influenciada pela leitura de “Carta a El Greco” (1956), do escritor grego Nikos Kazantzakis, que defende a necessidade do isolamento para se aprofundar na complexidade da própria escrita. É uma residência despojada, estilo andaluz, com pátio interno central. Rodeando a construção, uma variedade de árvores, entre elas a figueira centenária que era a preferida da escritora. “Sou poeta”, confessei com certo pudor no nosso primeiro encontro. “Ser poeta é algo elevado, difícil…”, respondeu rindo com extravagância. Desde então, nos tornamos íntimos. Enamorado por sua inteligência incomum e comportamento liberal, deixava-me embalar pela voz rouca de dicção perfeita lendo Ovídio, Petrarca, John Donne, Shakespeare, Jorge de Lima, Oscar Wilde e, por fim, Henri Michaux. À noite, víamos a telenovela do horário nobre global, acompanhados por um excitante uísque escocês e intermináveis gracejos de saudável loucura. Estive ao seu lado durante a feitura de “Do Desejo” (1992), numa movediça e fugaz satisfação. Nada esgotava o seu arsenal de palavras, num consciente delírio verbal que explodia todas as fronteiras do dizer.

A dramaticidade da Casa do Sol se confundia com prospecções filosóficas sobre o tempo, a morte, o amor, Deus. Suas paredes intensas, rosadas, manchadas e úmidas, respiravam a solidão compartilhada e a grandeza da vivência escrita, protegendo o fabuloso destino de sua moradora, uma das protagonistas fundamentais da paisagem literária brasileira do século 20. Fotografei Hilda dezenas de vezes em sua sozinhez, registrando a anatomia de um corpo idoso, flácido, de rugas em tom acobreado. Onde a formosura da juventude lembrando Ingrid Bergman ou Jeanne Moreau? Avançada para a sua época, ela foi musa de artistas, poetas – Vinicius de Moraes chegou a se apaixonar por ela – e milionários. Era encantadora, livre, generosa, lúcida, sarcástica, queixosa, íntegra, culta, melancólica e apaixonada por cães. Embora tenha alcançado ampla notoriedade pessoal, mastigava o estigma de não se considerar popular, acessível, ambicionando ser lida, estudada, discutida. Numa estratégia escandalosa, chamou a atenção para a sua obra por meio de suposta adesão ao registro pornográfico. Filha de família rica do interior paulista, confessou-me episódios terríveis de sua trajetória em busca do inefável, passando por contínuos dissabores e problemas. Pois a sociedade burguesa exige o meio-termo, o disfarce, nunca quem milita contra a hipocrisia reinante.

O deslumbre desconcertante do texto hilstiano mistura gêneros e linguagens, sempre babélico, refinado, irreverente, polifônico, múltiplo. Numa busca literária mística, sua visão é de angústia e, ao mesmo tempo, de êxtase. Com fervoroso amor pela originalidade, registra um intenso trabalho de linguagem e de musicalidade, um imaginário poético no qual questionamentos metafísicos se mesclam com fatos cotidianos. Sou leitor fiel de Hilda Hilst, sem nunca me esquecer dos momentos rutilantes que passamos juntos. Hildinha, num dia infeliz, deixou de falar comigo por ciumadas, conspirações, calúnias, coisas tolas de parasitas que sobreviviam de sua solitude. Fiquei abatido, sofri, mas sabia que tinha que ser assim, já havia acontecido com outros freqüentadores da Casa do Sol. Ao morrer, não me espantei, pois a sua morte estava anunciada há décadas. Essa grande poeta morria a cada instante desde muito antes de conhecê-la. A bela senhora apenas saía do corpo ao encantamento, rumo ao enigma. Mudava-se para Marduk, o planeta reservado aos poetas, como acreditava. Mas o embevecimento diante da sua criação crescerá à medida que as gerações futuras consigam apreender a transgressão da sua linguagem complexa, tentadora e relevante. Chegará o tempo em que sua imagem pública excêntrica deixará de predominar sobre o conhecimento da sua literatura.

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Antonio Nahud Júnior é escritor e jornalista.
Mora no Rio Grande do Norte.
Leia este Artigo na Edição de Junho da Revista Digital:
www.cinzasdiamantes.blogspot.com

Entrevista com Lobo Antunes

O escritor português António Lobo Antunes, vencedor do prêmio Camões em 2007, fala sobre o processo de escrever e seu mais recente livro, O meu nome é Legião.

(Fonte: Saraiva Conteúdo.)

Trechos:

« Se você quer mesmo escrever, tem que escrever para ser o melhor. E tem que escrever para chegar o mais longe. Chegar o mais longe, no interior da alma humana, no interior da pessoa, no interior da vida – estar mais perto da vida. »

« O escritor não pode estar no alto que está. A gente nao pode amar aquilo que não pode tocar. Tem que estar no meio dos homens, entre eles. Só no meio dos homens que vale a pena viver. »

« É preciso desmistificar o escritor enquanto criatura superior. É um homem comum.  »

Dante e a Divina Comédia

Trecho do ensaio Dante e a Divina Comédia, de Otto Maria Carpeaux:

Dante Alighieri « A grande maioria dos leitores da Divina Comédia só conhece o “Inferno”; vence as dificuldades das alusões políticas e históricas, que tornam indispensável o comentário, para compreender os grandes episódios que criaram a glória do poema através dos séculos. Uma compreensão tão fragmentária do “Inferno” não sente escrúpulos, fragmentando o poema inteiro: o “Inferno”, sim, seria um reflexo satírico – sátira trágica – do mundo real e por isso acessível à nossa sensibilidade: o “Purgatório” seria, apenas, repetição mais fraca do “Inferno”, e o “Paraíso”, enfim, uma abstração, teologia escolástica em versos; para a grande maioria dos leitores o “Paraíso” não existe.

« Ler assim a Divina Comédia significa trair o poeta. Dante é um dos artistas mais conscientes de todos os tempos; devia saber o que disse quando atribuiu ao poema, além do sentido literal, vários sentidos alegóricos: um ético, um religioso, um político. Ao leitor moderno repugna a interpretação alegórica, levando a artifícios antiartísticos e às vezes absurdos; e ficamos perplexos quando vemos colocado pelo poeta medieval o sentido político acima do sentido religioso. Num poeta medieval, teríamos esperado o contrário. Mas, pensando assim, estaríamos laborando num anacronismo; a nós, que nascemos depois de Maquiavel, a política parece negócio moralmente inferior. Dante pensava de maneira diferente. Para ele, a política era irmã da religião, e ambas, unidas, guiavam o homem para a paz terrestre e a beatitude celeste; daí a inseparabilidade, no pensamento político de Dante, do poder imperial e do poder papal. O que no Céu é religião, na Terra é política; e o Purgatório é a ponte entre a imperfeição humana e a perfeição divina. Visto assim, o sentido literal da Comédia – o libelo contra os vícios do tempo – é a base moral, e portanto indispensável, do poema; os famosos episódios só tem, para o poeta, valor de exemplos, e só a imaginação realista do poeta os transformou em novelas poéticas. Dante é realista, antes de tudo. Todos os críticos salientaram o realismo das comparações e descrições de paisagens imaginárias no “Inferno”; mas não são, de modo algum, imaginárias. O “Inferno” é a paisagem real dos pecados humanos; e porque a força da imaginação humana tem limites, essa paisagem de montanhas, desfiladeiros, rios e florestas subterrâneas é o espelho da paisagem italiana, dos Apeninos e dos Alpes, do Pó e do Arno, iluminada pelo bem observado “era bruno” (ar dourado), quando “lo giorno se n’andava” (o dia findava). E a grande cidade infernal não é outra senão a cidade de Florença, porque –

Godi, Fiorenza, poi Che se’ si grande

Che per maré e per terra batti l’ali,

E per lo ‘nferno tuo nome si spande!

(Inferno, XXVI, 1-3: “Alegra-te, Florença, que és tão grande / que as asas bates por terra e por mar, / e pelo Inferno o teu nome se expande!”)

« O leitor não mude de continente quando “uscimmo a riveder le stelle” (saímos por ali, a rever estrelas).

« Mas aquela limitação da imaginação não existe com respeito ao “Paraíso”; lá o poeta podia construir livremente o seu mundo de religião política e política religiosa; o Céu de Dante não é a fantasia arbitrária de um sonhador, mas um edifício construído segundo as normas sólidas da lógica escolástica, com os elementos de uma doutrina religiosa coerente e de uma doutrina política bem elaborada. Para aceitar esses elementos, nem é preciso a “suspension of disbelief”; porque, de acordo com as regras da lógica moderna, um sistema de idéias não precisa corresponder a qualquer realidade exterior; só precisa não ter contradições interiores. No caso do “Paraíso”, essa coerência é dada pela poesia, que transforma em realidade dentro da alma uma utopia irrealizável neste mundo:

E ‘n la sua volontade è nostra pace”.

(Paraíso, III, 85: “E está na Sua vontade a nossa paz”.) »

(Fonte: Suma Teológica.)

Italo Calvino e a narrativa verdadeiramente moderna

Italo Calvino

« Creio que hoje um romance plasmado “como no Oitocentos”, que abrange uma história de muitos anos, com uma vasta descrição de sociedades, desemboca necessariamente numa visão nostálgica, conservadora. (…) Penso que não por casualidade a nossa época é a do conto, do romance breve, do testemunho autobiográfico: hoje, uma narrativa verdadeiramente moderna só pode canalizar a sua carga poética para o momento (sem importar qual) em que se vive, valorizando-o como decisivo e infinitamente significante; deve por isso estar “no presente”, dar-nos uma ação que se desenvolva toda sob os nossos olhos, unitária no tempo e na ação como a tragédia grega. E quem hoje pretende ao contrário escrever o romance “de uma época”, se não faz retórica, acaba por fazer gravitar a tensão poética sobre o “antes”.»

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Italo Calvino, in Por que ler os clássicos.

Olavo de Carvalho fala da diferença entre o romancista e o pensador

Trecho do artigo “À Mão Esquerda“, de Olavo de Carvalho:

«Ninguém pode ser romancista se não consegue pensar, sentir e escrever como seus personagens, desdobrando-se momentaneamente em eus imaginários. E para quê alguém faria isso, afinal? Justamente para captar no plano estético a unidade de experiências vivas que ainda são demasiado recentes, ou demasiado impactantes, para poder ser compreendidas intelectualmente.

«Contar a história é o primeiro nível de elaboração da experiência. O romancista não escreve para explicar nada, mas para registrar um conjunto de experiências reais ou imaginárias cujo nexo último lhe escapa, cujo sentido ele só apreende como forma estética, não como conceito explicativo. Daí o sentimento de descoberta, e ao mesmo tempo de perplexidade, que nos assalta ao lermos um bom romance. Ele nos mostra algo de muito importante, mas que não sabemos precisamente o que seja. Por isso é que ninguém pode dizer qual “o” sentido de um romance. Ele tem necessariamente muitos, e até contraditórios. Um romance é um conjunto articulado de símbolos, e um símbolo, como ensinava Susanne K. Langer, é “uma matriz de intelecções” – não a expressão alegórica de intelecções prévias. Um romance deve dar o que pensar, não um pensamento pronto. Por isso é que homens de idéias, pensadores, ideólogos, formadores de opinião, fracassam com tanta freqüência ao escrever romances: eles falam daquilo que já entenderam, não nos dão uma experiência viva carregada de mistério, de perguntas sem resposta.

«Dizer que alguém é um mau romancista não é o mesmo que acusá-lo de ser mau escritor. Grandes escritores – Maurice Barrès é talvez o exemplo mais alto – podem ser romancistas medíocres ou péssimos, porque conhecem demais o sentido daquilo que querem dizer; conhecem-no ao ponto de poder expressá-lo em oratória ou em discurso filosófico, que é o que deveriam fazer em vez de simular experiência viva com material velho e já esclarecido intelectualmente.»

Gay Talese: imprensa, escândalos sexuais, internet

Gay Talese

Em entrevista ao jornal El País, Gay Talese atribui a exploração dos escândalos sexuais à influência das mulheres na imprensa e explica por que não dá tanta atenção aos blogueiros e jornalistas que atuam na internet:

—Tuvimos una revolución sexual y gracias a eso ahora tú puedes vivir con tu novio sin estar casada, pero si tienes un lío fuera del matrimonio… ¡Mira la que se ha armado alrededor de Tiger Woods y sus amantes! ¡Como si él las hubiera obligado a acostarse con él!

—No entiendo muy bien…

—Lo que quiero decir es que la llegada de las mujeres a la prensa y a otras posiciones de poder ha convertido los escándalos sexuales en noticia.

—¿Cómo dice?

—Sí, cuando yo trabajaba en The New York Times todos los jefazos tenían líos sexuales, pero no se hacían públicos. Y todos sabíamos que el presidente Kennedy tenía muchas amantes, pero a nadie se le ocurría escribir sobre ello. La vida sexual de la gente no era noticia.

—Pero… ¿no será que la prensa simplemente ha descubierto un nuevo filón económico?

—No, lo que ha cambiado es que las mujeres también toman decisiones. Está claro que los poderes conservadores también hacen su parte pero sin duda la entrada de la mujer en el mundo laboral ha redefinido lo que es noticia.

—Yo no le echaría la culpa a las mujeres…

—Yo no les echo la culpa, eso lo has dicho tú. Sólo digo que su influencia en la prensa y en el mundo legal ha cambiado ciertas cosas.

—O sea, que ¿no le parece bien que se persiga por ejemplo al ex fiscal Spitzer por acostarse con prostitutas después de promover una ley contra los clientes?

—Sí, de eso me alegro. En muchos casos merecen ser noticia, pero no creo que la prensa deba erigirse como defensora de los códigos de moralidad sexual. No le corresponde. Y me parece mal que las leyes condenen la actividad sexual de la gente que mantiene relaciones con consentimiento mutuo. Obviamente, que se destapen los abusos sexuales de la Iglesia lo veo muy bien, pero eso es diferente.

La conversación vuelve a dirigirse hacia el periodismo, en concreto hacia Internet. “Los periodistas han sido absorbidos por las nuevas tecnologías y ahora su trabajo está dirigido a personas como ellos, con educación digital. No salen de ese círculo, no están en la calle, no conocen a gente nueva y no descubren nada. Por eso, si no entro en Internet, no me pierdo nada”, dice reacomodándose en el sillón y ofreciendo a la periodista otro vaso de vino -un error de cálculo, habría que haberle pedido un martini…— mientras él bebe agua en copa.

Pese a sus opiniones negativas sobre el mundo digital, Talese considera que el periodismo que se hace hoy es mejor que el de décadas anteriores. “Como están amenazados por la crisis, reporteros y empresas trabajan bajo presión, están obligados a dar lo mejor de sí porque corren el peligro de hundirse, así que lo que llega a los periódicos es muy bueno. Los blogueros son demasiado vagos para dejar de mirar sus ordenadores, pero siempre hará falta un buen periodista que mueva el culo y salga a la calle a escuchar a la gente, a mirar el mundo real, y a escribir sobre él”.

(Via @BichoKrulla)

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