palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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J.R.R. Tolkien fala sobre o casamento e as relações entre os sexos

J.R.R. Tolkien

De uma carta para seu filho Michael Tolkien

6-8 de março de 1941

Os relacionamentos de um homem com as mulheres podem ser puramente físicos (na verdade eles não podem, é claro, mas quero dizer que ele pode recusar-se a levar outras coisas em consideração, para o grande dano de sua alma (e corpo) e das delas); ou “amigáveis”; ou ele pode ser um “amante” (empenhando e combinando todos os seus afetos e poderes de mente e corpo em uma emoção complexa poderosamente colorida e energizada pelo “sexo”). Este é um mundo decaído. A desarticulação do instinto sexual é um dos principais sintomas da Queda. O mundo tem “ido de mal a pior” ao longo das eras. As várias formas sociais mudam, e cada novo modo tem seus perigos especiais: mas o “duro espírito da concupiscência” vem caminhando por todas as ruas, e se instalou em todas as casas, desde que Adão caiu. Deixaremos de lado os resultados “imorais”. Para esses você não deseja ser arrastado. À renúncia você não tem nenhum chamado. “Amizade”, então? Neste mundo decaído, a “amizade” que deveria ser possível entre todos os seres humanos é praticamente impossível entre um homem e uma mulher. O diabo é incessantemente engenhoso, e o sexo é seu assunto favorito. Ele é da mesma forma bom tanto em cativá-lo através de generosos motivos românticos, ou ternos, quanto através daqueles mais vis ou mais animais. Essa “amizade” tem sido tentada com freqüência: um dos dois lados quase sempre falha. Mais tarde na vida, quando o sexo esfria, tal amizade pode ser possível. Ela pode ocorrer entre santos. Para as pessoas comuns ela só pode ocorrer raramente: duas almas que realmente possuam uma afinidade essencialmente espiritual e mental podem acidentalmente residir em um corpo masculino e em um feminino e ainda assim podem desejar e alcançar uma “amizade” totalmente independente de sexo. Porém, ninguém pode contar com isso. O outro parceiro(a) irá desapontá-la(-lo), é quase certo, ao se “apaixonar”. Mas um rapaz realmente não quer (via de regra) “amizade”, mesmo que ele diga que queira. Existem muitos rapazes (via de regra). Ele quer amor inocente, e talvez ainda irresponsável. Ail Ail que sempre o amor foi pecado!, como diz Chaucer. Então, se ele for cristão e estiver ciente de que há tal coisa como o pecado, ele desejará saber o que fazer a respeito disso.

Há, na nossa cultura ocidental, a romântica tradição cavalheiresca ainda forte, apesar de que, como um produto da cristandade (porém de modo algum o mesmo que a ética cristã), os tempos são hostis a ela. Tal tradição idealiza o “amor” — e, ademais, ele pode ser muito bom, uma vez que ele abrange muito mais do que prazer físico e desfruta, se não de pureza, pelo menos de fidelidade, e abnegação, “serviço”, cortesia, honra e coragem. Sua fraqueza, sem dúvida, é que ele começou como um jogo artificial de cortejo, uma maneira de desfrutar o amor por si só sem referência (e, de fato, contrário) ao matrimônio. Seu centro não era Deus, mas Divindades imaginárias, o Amor e a Dama. Ele tende ainda a tornar a Dama uma espécie de divindade ou estrela guia — do antiquado “sua divindade” = a mulher que ele ama — o objeto ou a razão de uma conduta nobre. Isso é falso, é claro, e na melhor das hipóteses fictício. A mulher é outro ser humano decaído com uma alma em perigo. Mas, combinado e harmonizado com a religião (como o era há muito tempo, quando produziu boa parte daquela bela devoção à Nossa Senhora, que foi o modo de Deus de refinar em muito nossas grosseiras naturezas e emoções masculinas, e também de aquecer e colorir nossa dura e amarga religião), tal amor pode ser muito nobre. Ele produz então o que suponho que ainda seja sentido, entre aqueles que mantêm ainda que um vestígio de cristianismo, como o ideal mais alto de amor entre um homem e uma mulher. Porém, eu ainda acho que ele possui perigos. Ele não é completamente verdadeiro e não é perfeitamente “teocêntrico”. Leva (ou, de qualquer maneira, levou no passado) o rapaz a não ver as mulheres como elas realmente são, como companheiras em um naufrágio, e não como estrelas guias. (Um resultado observado é que na verdade ele faz com que o rapaz torne-se cínico.) Leva-o a esquecer os desejos, necessidades e tentações delas. Impõe noções exageradas de “amor verdadeiro”, como um fogo vindo de fora, uma exaltação permanente, não-relacionado à idade, à gestação e à vida simples, e não-relacionado à vontade e ao propósito. (Um resultado disso é fazer com que os jovens — homens e mulheres — procurem por um “amor” que os manterá sempre bem e aquecidos em um mundo frio, sem qualquer esforço da parte deles; e o romântico incurável continua procurando até mesmo na sordidez das cortes de divórcio).

As mulheres realmente não têm parte em tudo isso, embora possam usar a linguagem do amor romântico, visto que ela está tão entrelaçada em todas as nossas expressões idiomáticas. O impulso sexual torna as mulheres (naturalmente, quando não-mimadas, mais altruístas) muito solidárias e compreensivas, ou especialmente desejosas de assim o serem (ou de assim parecerem), e muito predispostas a ingressarem em todos os interesses, na medida do possível, de gravatas à religião, do jovem pelo qual estejam atraídas. Nenhuma intenção necessariamente de ludibriar — puro instinto: o instinto serviente de esposa, generosamente aquecido pelo desejo e um sangue jovem. Sob esse impulso, elas de fato podem alcançar com freqüência um discernimento e compreensão extraordinários, até mesmo de coisas que em outras circunstâncias estariam fora de seu âmbito natural: pois é o dom delas serem receptivas, estimuladas, fertilizadas (em muitos outros aspectos que não o físico) pelo homem. Todo professor sabe disso. O quão rápido uma mulher inteligente pode ser ensinada, captar as idéias dele, ver seu motivo — e como (com raras exceções) elas não conseguem ir além quando deixam a tutela dele, ou quando param de ter um interesse pessoal nele. Mas esse é o caminho natural delas para o amor. Antes que a jovem perceba onde está (e enquanto o jovem romântico, quando ele existe, ainda está suspirando), ela pode de fato “se apaixonar”, o que para ela, uma jovem ainda pura, significa querer se tornar a mãe dos filhos do jovem, mesmo que esse desejo não esteja de modo algum claro ou explícito a ela. E então acontecerão coisas, e elas podem ser muito dolorosas e prejudiciais caso dêem errado, especialmente se o jovem quisesse apenas uma estrela guia ou divindade temporária (até que fosse atrás de uma mais brilhante), e estivesse simplesmente desfrutando da lisonja da simpatia belamente temperada com um estímulo do sexo — tudo bastante inocente, é claro, e muito distante da “sedução”.

Você pode encontrar na vida (como na literatura*) mulheres que são volúveis, ou mesmo puramente libertinas — não me refiro a um simples flerte, o treino para o combate real, mas às mulheres que são tolas demais até mesmo para levar o amor a sério, ou que são de fato tão depravadas ao ponto de desfrutar as “conquistas”, ou mesmo que apreciem causar dor — mas essas são anormalidades, embora falsos ensinamentos, uma má criação e costumes deturpados possam encorajá-las. Muito embora as condições modernas tenham modificado as circunstâncias femininas, e o detalhe do que é considerado decoro, elas não modificaram o instinto natural. Um homem tem um trabalho de toda uma vida, uma carreira (e amigos homens), todos os quais podem (e o fazem, quando ele possui alguma coragem) sobreviver ao naufrágio do “amor”. Uma mulher jovem, mesmo uma “economicamente independente”, como dizem agora (o que na verdade geralmente significa subserviência econômica a empregadores masculinos ao invés de subserviência a um pai ou a uma família), começa a pensar no “enxoval” e a sonhar com um lar quase que imediatamente. Se ela realmente se apaixonar, o navio naufragado pode de fato acabar nas rochas. De qualquer maneira, as mulheres são em geral muito menos românticas e mais práticas. Não se iluda com o fato de que elas são mais “sentimentais” no uso das palavras — mais espontâneas com “querido” e coisas do gênero. Elas não querem uma estrela guia. Elas podem idealizar um simples jovem como um herói, mas elas não precisam realmente de tal deslumbramento tanto para se apaixonar como para permanecerem assim. Se elas possuem alguma ilusão, é a de que podem “remodelar” os homens. Elas aceitarão conscientemente um canalha e, mesmo quando a ilusão de reformá-lo mostrar-se vã, continuarão a amá-lo.

Elas são, é claro, muito mais realistas sobre a relação sexual. A não ser que sejam corrompidas por péssimos costumes contemporâneos, elas via de regra não falam de modo “obsceno”; não porque sejam mais puras do que os homens (elas não são), mas porque não acham isso engraçado. Conheci aquelas que aparentavam achar isso engraçado, mas é fingimento. Tais coisas podem lhes ser intrigantes, interessantes, atraentes (em boa parte atraentes demais): mas é um interesse natural honesto, sério e óbvio; onde está a graça?

* A literatura tem sido (até o romance moderno) um negócio principalmente masculino, e nela há muito sobre o “belo e falso”. Isso, em geral, é uma calúnia. As mulheres são humanas e, portanto, capazes de perfídia. Mas dentro da família humana, comparadas com os homens, elas geral ou naturalmente não são as mais pérfidas. Muito pelo contrário. Exceto pelo fato de que as mulheres são capazes de sucumbir se lhes for pedido para “esperarem” por um homem por tempo demais e enquanto a juventude (tão preciosa e necessária para uma futura mãe) passa rapidamente. Na verdade, não deveria se pedir que esperassem.

Elas precisam, é claro, ser ainda mais cuidadosas nas relações sexuais, no que diz respeito a todos os contraceptivos. Erros lhes causam danos física e socialmente (e matrimonialmente). Mas elas são instintivamente monogâmicas, quando não-corrompidas. Os homens não são… Não há por que fingir. Os homens simplesmente não o são, não por sua natureza animal. A monogamia (ainda que há muito venha sendo fundamental às nossas idéias herdadas) é para nós, homens, uma porção de ética “revelada”, em concordância com a fé e não com a carne. Cada um de nós poderia gerar de forma saudável, por volta dos nossos 30 anos, algumas centenas de filhos e apreciar o processo. Brigham Young (acredito) era um homem feliz e saudável. Este é um mundo decaído, e não há consonância entre nossos corpos, mentes e almas.

Entretanto, a essência de um mundo decaído é que o melhor não pode ser alcançado através do divertimento livre, ou pelo o que é chamado “auto-realização” (em geral um belo nome para auto-indulgência, completamente hostil à realização de outros aspectos da personalidade), mas pela negação, pelo sofrimento. A fidelidade no casamento cristão acarreta nisto: grande mortificação. Para um homem cristão não há saída. O casamento pode ajudar a santificar e direcionar os desejos sexuais dele ao seu objeto apropriado; a graça de tal casamento pode ajudá-lo na luta, mas a luta permanece. A graça não irá satisfazê-lo — tal como a fome pode ser mantida à distância com refeições regulares. Ela oferecerá tantas dificuldades à pureza própria desse estado quanto fornece facilidades. Homem algum, por mais que amasse verdadeiramente sua noiva quando jovem, viveu fiel a ela como uma esposa em mente e corpo sem um exercício consciente e deliberado da vontade, sem abnegação. Isso é dito a poucos — mesmo àqueles educados “na Igreja”. Aqueles de fora parecem que raramente ouviram tal coisa. Quando o deslumbramento desaparece, ou simplesmente diminui, eles acham que cometeram um erro, e que a verdadeira alma gêmea ainda está para ser encontrada. A verdadeira alma gêmea com muita freqüência mostra-se como sendo a próxima pessoa sexualmente atrativa que aparecer. Alguém com quem poderiam de fato ter casado de uma maneira muito proveitosa se ao menos —. Por isso o divórcio, para fornecer o “se ao menos”. E, é claro, via de regra eles estão bastante certos: eles cometeram um erro. Apenas um homem muito sábio no fim de sua vida poderia fazer um julgamento seguro a respeito de com quem, entre todas as oportunidades possíveis, ele deveria ter casado da maneira mais proveitosa! Quase todos os casamentos, mesmo os felizes, são erros: no sentido de que quase certamente (em um mundo mais perfeito, ou mesmo com um pouco mais de cuidado neste mundo muito imperfeito) ambos os parceiros poderiam ter encontrado companheiros mais adequados. Mas a “verdadeira alma gêmea” é aquela com a qual você realmente está casado. Na verdade, você faz muito pouco ao escolher: a vida e as circunstâncias encarregam-se da maior parte (apesar de que, se há um Deus, esses devem ser Seus instrumentos ou Suas aparências). É notório que, na realidade, os casamentos felizes são mais comuns quando a “escolha” feita pelos jovens é ainda mais limitada, pela autoridade dos pais ou da família, contanto que haja uma ética social de pura responsabilidade não-romântica e de fidelidade conjugal. Mas mesmo em países onde a tradição romântica até agora afetou os arranjos sociais a ponto de fazer as pessoas acreditarem que a escolha de um parceiro diz respeito unicamente aos jovens, apenas a mais rara das sortes junta o homem e a mulher que, de certo modo, são realmente “destinados” um ao outro e capazes de um enorme e esplêndido amor. A idéia ainda nos fascina, agarra-nos pelo pescoço: um grande número de poemas e histórias foi escrito sobre o tema, mais, provavelmente, do que o total de tais amores na vida real (mesmo assim, a maior dessas histórias não fala do casamento feliz de tais grandes amantes, mas de sua trágica separação, como se mesmo nessa esfera o verdadeiramente grande e esplêndido neste mundo decaído esteja mais propício a ser alcançado pelo “fracasso” e pelo sofrimento). Em tal inevitável grande amor, freqüentemente um amor à primeira vista, temos uma visão, suponho, do casamento como este deveria ser em um mundo não-decaído. Neste mundo decaído, temos como nossos únicos guias a prudência, a sabedoria (rara na juventude, tardia com a idade), um coração puro e fidelidade de vontade

Minha própria história é tão excepcional, tão errada e imprudente em quase todos os aspectos que fica difícil aconselhar prudência. Ainda assim, casos difíceis dão maus exemplos; e casos excepcionais nem sempre são bons guias para outros. Pois o que é válido aqui é um pouco de autobiografia — nesta ocasião direcionada principalmente às questões da idade e das finanças. Apaixonei-me por sua mãe por volta dos 18 anos. De maneira muito genuína, como se mostrou — embora, é claro, falhas de caráter e temperamento tenham feito com que eu com freqüência caísse abaixo do ideal com o qual eu havia começado. Sua mãe era mais velha do que eu e não era uma católica. Completamente lamentável, conforme vislumbrado por um guardião1. E isso foi de certa forma muito lamentável; e de certo modo muito ruim para mim. Essas coisas são cativantes e nervosamente exaustivas. Eu era um garoto inteligente lutando contra as dificuldades de se conseguir uma bolsa de estudos (muito necessária) em Oxford. As tensões combinadas quase causaram um colapso nervoso. Fracassei nos meus exames e (como anos mais tarde meu professor me contou) embora eu devesse ter conseguido uma boa bolsa, acabei apenas com uma bolsa parcial de £60 em Exeter: apenas o suficiente para começar (ajudado por meu querido e velho guardião), junto com uma bolsa de saída do colégio da mesma quantia. E claro, havia um lado de crédito, não visto tão facilmente pelo guardião. Eu era inteligente, mas não diligente ou concentrado em apenas uma única coisa; grande parte do meu fracasso foi devido simplesmente ao fato de não me esforçar (pelo menos não em literatura clássica) não porque eu estava apaixonado, mas porque eu estava estudando outra coisa: gótico e não sei mais o quê2. Por ter uma criação romântica, fiz de um caso de menino-e-menina algo sério, e o tornei a fonte do empenho. Fisicamente covarde por natureza, passei de um coelhinho desprezado do segundo time da casa para capitão do time principal em duas temporadas. Todo esse tipo de coisa. Porém, surgiram problemas: tive de escolher entre desobedecer e magoar (ou enganar) um guardião que havia sido um pai para mim, mais do que a maioria dos pais verdadeiros, mas sem qualquer obrigação, e “desistir” do caso de amor até que eu completasse 21. Não me arrependo de minha decisão, embora ela tenha sido muito difícil para minha amada. Mas não foi minha culpa. Ela estava perfeitamente livre e sob nenhum voto a mim, e eu não teria reclamação justa alguma (exceto de acordo com o código romântico irreal) se ela tivesse se casado com outra pessoa. Por quase três anos eu não vi ou escrevi à minha amada. Foi extremamente difícil, doloroso e amargo, especialmente no início. Os efeitos não foram completamente bons: voltei à leviandade e à negligência, e desperdicei boa parte do meu primeiro ano na Faculdade. Mas não acredito que qualquer outra coisa teria justificado um casamento com base em um romance de garoto; e provavelmente nada mais teria fortalecido suficientemente a vontade de conferir permanência a tal romance (por mais genuíno que fosse um caso de amor verdadeiro). Na noite do meu aniversário de 21 anos, escrevi novamente à sua mãe — 3 de janeiro de 1913. Em 8 de janeiro voltei para ela, e nos tornamos noivos, informando o fato a uma atônita família. Esforcei-me e estudei mais (tarde demais para salvar o Bach3, do desastre) — e então a guerra eclodiu no ano seguinte, enquanto eu ainda tinha um ano para cursar na faculdade. Naqueles dias os garotos se alistavam ou eram desprezados publicamente. Era um buraco desagradável para se estar, especialmente para um jovem com imaginação demais e pouca coragem física. Sem diploma; sem dinheiro; noiva. Suportei o opróbrio e as insinuações cada vez mais diretas dos parentes, fiquei acordado até mais tarde e consegui uma Primeira Classe no Exame Final em 1915. Atrelado ao exército: julho de 1915. Considerei a situação intolerável e me casei em 22 de março. Podia ser encontrado atravessando o Canal (eu ainda tenho os versos que escrevi na ocasião!)4 para a carnificina do Somme.

Pense na sua mãe! No entanto, não creio agora por um momento sequer que ela estivesse fazendo algo mais do que lhe deveria ser pedido para fazer — não que isso diminua o valor do que foi feito. Eu era um rapaz jovem, com um bacharelado regular e capaz de escrever poesia, algumas libras minguadas por ano (£20 — 40)5 e sem perspectivas, um Segundo Ten. seis dias por semana na infantaria, onde as chances de sobrevivência estavam severamente contra você (como um subalterno). Ela se casou comigo em 1916 e John nasceu em 1917 (concebido e carregado durante o ano da fome de 1917 e da grande campanha U-boat) por volta da batalha de Cambrai, quando o fim da guerra parecia tão distante quanto agora. Vendi, e gastei para pagar a clínica de repouso, a última de minhas poucas ações sul-africanas, “meu patrimônio”.

Da escuridão da minha vida, tão frustrada, coloco diante de você a única grande coisa para se amar sobre a terra: o Sagrado Sacramento… Nele você encontra romance, glória, honra, fidelidade e o verdadeiro caminho de todos os seus amores sobre a terra; e, mais do que isso, a Morte: pelo paradoxo divino, que encerra a vida e exige a renúncia de tudo, e ainda assim pelo gosto (ou antegosto) somente do qual o que você procura em seus relacionamentos terrestres (amor, fidelidade, alegria) pode ser mantido, ou aceitar aquele aspecto.

Notas:
1. Guardião de Tolkien. O Padre Francis Morgan desaprovava seu caso de amor clandestino com Edith Bratt.
2. Tolkien ficou empolgado nos dias de colégio ao descobrir a existência do idioma gótico; vide a carta n° 272.
3. Bacharelado em Letras Clássicas, no qual Tolkien recebeu uma Segunda Classe.
4. A verdadeira data da travessia do Canal feita por Tolkien com seu batalhão foi 6 de junho de 1916. O poema a que ele se refere, datado “Étaples, Pas de Calais, junho de 1916”, é intitulado “A Ilha Solitária”, e possui o subtítulo “Para a Inglaterra”, embora ele também esteja relacionado à mitologia de O Silmarillion. O poema foi publicado no Leeds University Verse 1914-1924 [“Versos da Universidade de Leeds 1914-1924”] (Leeds, na Swan Press, 1924), p.
5. Tolkien herdou uma pequena renda de seus pais, proveniente de ações em minas sul-africanas

Fonte: As Cartas de J.R.R. Tolkien, livro editado por Humphrey Carpenter. (Tradução: Gabriel Oliva Brum.)

Um pouco de Maio, Junho e Julho…

Algumas pessoas não conseguem compreender certos fatos, não porque sejam burras, pois são até inteligentes, mas simplesmente porque lhes falta imaginação. A imaginação é a base da inteligência: o que não é imaginado torna-se impossível e, por isso, impensável. Quando uma pessoa recebe uma informação ou um dado da realidade que não tem eco em sua imaginação, ela não consegue alcançar senão uma “compreensão” verbal dos mesmos. De fato, essa “compreensão verbal” não é compreensão em absoluto. É estar preso a jogos de palavras, é encarar a linguagem como puro flatus vocis: vento sonoro. Para aquele que é incapaz de uma imaginação aprofundada, os conceitos utilizados não possuem substância. O reino do possível (do imaginável) é o primeiro passo em direção aos reinos consecutivos do verossímil, do provável e do verdadeiro. Sem imaginação é impossível escalar a montanha do Entendimento, essa que leva ao cume da verdade. A imaginação é o acampamento base: a fonte de recursos e provisões para a aventura filosófica.

É papel da literatura de imaginação tornar a realidade pensável.

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Engraçado, a Marcha para Jesus foi provavelmente a única manifestação sem a presença de Judas: segundo consta, apesar dos milhares e milhares de participantes, ninguém ali explodiu sequer um estalo de salão.

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Ei, broto, leia com a voz do Roberto Carlos: “São tantas manifestações”.

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Revoltou-se porque não aguentava mais ouvir promessas — então ouviu mais promessas e ficou satisfeito.

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Foi à rua protestar com o coração sincera e legitimamente indignado — mas a cabeça, após uma lavagem cerebral de anos, permanecia dominada.

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Saiu à rua porque não aguentava mais ser enganado — então a resposta do governo o enganou e ele ficou quietinho em casa.

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Sugestão de leitura para esses dias turbulentos: Os Demônios, de Fiódor Dostoiévski, na tradução de Paulo Bezerra.

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Terá lido Tolstói Os Demônios? Irônico como Dostoiévski previu, na figura de Stiepan Trofímovitch, a morte do colega durante uma fuga das mais ingênuas. A única grande diferença é que, enquanto agonizava, e ao contrário de Tolstói, o coitado do professor Vierkhoviénski finalmente compreendeu o sentido do verdadeiro Cristianismo.

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Essas críticas à polícia lembram as críticas ao “bombardeio cirúrgico” dos americanos na guerra do Iraque — o bom-mocismo quer 100% de precisão robocópica em meio ao caos.

Ora, Shit happens

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Mordido por um vampiro, o gigante levanta-se e sofre convulsões — tarde demais, seu sangue já está contaminado…

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Sugestão para cartaz de passeata: “Queremos álcool no Biotônico!”.

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Achávamos que os estádios não estariam de pé a tempo, mas, em vista do vandalismo, parece que serão as únicas construções de pé em 2014.

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Dr Jekyll vai protestar na passeata mas, coitado, não entende por que o vândalo do Mr Hyde tem sempre de quebrar tudo no final…

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A [pontinhos, pontinhos, pontinhos] foi um movimento espontâneo, antigovernamental, que se espalhou por todo o [pontinhos, pontinhos, pontinhos] , aparentemente sem liderança, direção, controle ou objetivos muito precisos. Geralmente é considerada como o marco inicial das mudanças sociais que culminaram com a [pontinhos, pontinhos, pontinhos]. → http://bit.ly/1923VmX

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Não sei por que os gays gayzistas (os gays normais não são melindrosos) estão reclamando da tal “cura gay” — parece que o remédio é um supositório deste tamanho.

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Redes sociais, esse Maelstrom do século XXI.

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Matéria fueda na revista Alfa: “O Cabra Sensível”. Fala sobre como o Bolsa Família retirou o poder dos homens, tornando-os submissos às “patroas”. Como só a mulher recebe a grana (ou em pelo menos 90% dos casos), e como o desemprego está sempre batendo à porta dos homens (graças, é claro, ao próprio governo), nego baixa a cabeça. Ou seja, o Bolsa Família é uma arma contra o “patriarcado” e contra o “machismo”.

Essa gente à sinistra é muito esperta mesmo…

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Faça amigos até os trinta e tantos anos de vida; depois, após longo afastamento, aguarde a morte para revê-los no Céu ou no Inferno.

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Em espanhol, “heder’ significa “feder”, e “hediondo”, “fedido”. Ou seja: todo mundo já sabia que um corrupto é hediondo, os senadores não precisavam colocar isso no papel. (Alguém imagina que Lula seja cheiroso? Ou Sarney? Ou Collor?)

Aliás, segundo Swedenborg, quando um corrupto é levado do Inferno para o Céu como visitante, ele, assim que lá chega, começa a implorar que o levem de volta, pois,no Céu, a verdade se manifesta e ele não consegue suportar o próprio cheiro, acreditando que o Céu é que está fedendo — e então, devido à ignorância, perpetua sua estada nas sociedades infernais, onde as verdades se escondem.

Nós outros, sabedores do problema, tomaremos um banho no Purgatório antes de seguir viagem…

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Estamos em 2013 e você ainda não adquiriu um Kindle, um Kobo ou sequer um Sony Reader — os inventores do papiro e do pergaminho estão lá no Céu de queixo caído, mal podendo crer em tal notícia.

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Quando finalmente ocorreu a Revolução de 1917, a parcela esclarecida da população russa foi pega de surpresa, afinal, esse tal de socialismo era apenas uma conversa fiada dos anos 1840 e 1850. (Sabe, né? Coisa velha em que ninguém mais acredita…)

Se os russos, que respeitavam a literatura, não ouviram Dostoiévski, quantos brasileiros, que desprezam o verdadeiro conhecimento, irão ouvir um filósofo?

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Meu coração, cujo ritmo não é alterado pela seleção brasileira desde 1990, é tão futebolisticamente neutro que eu poderia ser árbitro de um jogo do Brasil. Seria divertido, nego me xingando de traidor para baixo e me ameaçando por causa de uma arbitragem super correta. B^)

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— Gostou do meu batom vinho?
— Hmm, sua maquiadavélica…

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Tarantino, quanto você cobraria para ser DJ numa festa lá em casa?
— Fuck you, you motherfucker!!

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Na verdade — quem poderá negá-lo? — o fígado do Lou Reed foi extremamente tolerante.

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Dominique Venner, que se suicidou ontem na catedral de Notre-Dame, deve ter morrido em vão: somente os islâmicos admiram mártires suicidas.

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A maioria das discussões filosóficas, religiosas e políticas da internet não passa de logomaquia.

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No Houaiss:

logomaquia Datação: 1858

n substantivo feminino
1 discussão gerada por interpretações diferentes do sentido de uma palavra; querela em torno de palavras
2 Derivação: por extensão de sentido.
emprego de termos não definidos num discurso, numa argumentação; palavreado vão
3 Uso: pejorativo.
querela em torno de coisas insignificantes

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Somente um hacker poderia levar a cabo uma efetiva Desobediência Civil: meter um trojan no sistema da Receita Federal que devolvesse a grana dos impostos e tributos diretamente para as contas bancárias dos contribuintes — voilà!

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Aquele cuja fé não repousa senão na imanência e que, mesmo assim, ainda não chegou ao solipsismo, sofre ou de falta de imaginação ou de preguiça de pensar — ou de ambas.

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Esse negócio de acesso biométrico aos caixas eletrônicos significa duas coisas: mais seqüestros relâmpagos e (novidade) ladrões de dedo.

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Verificar os caminhos sem blitz na volta para casa após a balada ainda é a razão mais convincente para se adquirir um smartphone.

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Algumas etnias indígenas acreditavam que a fotografia poderia roubar a alma do fotografado e, com o Facebook, passaram a ter certeza disso.

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Na CNN: nos EUA, ao longo de dez anos três irmãos de nome Castro mantiveram em cativeiro três mulheres — mais cinqüenta anos e teriam igualado o cativeiro imposto a toda uma população pelos irmãos Castro de Cuba.

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Saudade, essa força de gravidade do amor.

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Brazilian Wax → depilação completa dos pelos púbicos que deixa sua genitália lisinha;
Brazilian Tax → depenação completa por parte do poder público que deixa seu bolso lisinho.

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Receita de pavê nerd: quebre ao meio rosquinhas Mabel e coloque-as numa tigela; cubra-as com iogurte do seu sabor predileto; deixe a tigela 1 hora no congelador. Sirva-a para si mesmo enquanto assiste ao The Big Bang Theory.

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Sonhos lúcidos são dez mil vezes melhores que o melhor vídeo game.

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Obviamente, a retirada de cruzes das repartições públicas faz parte do plano de dominação dos vampiros.

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Devia rolar um corredor polonês para os mensaleiros. (Infelizmente, com tantos brasileiros comprados por esmolas oficiais, teríamos de importar os poloneses.)

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— Sabe por que é ruim ser um solteirão? — pergunta ela.
— Por quê?
— Você morre mais cedo…
— Que ótimo! Então não precisarei me suicidar.

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Dizem que Deus é para losers. “Ah, fulano sifu e aí virou crente.” Mas não fracassaremos todos no final? O que é a morte senão o fracasso do corpo?

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Não sei qual ator conseguiu ser mais insuportável: se Cary Grant em His Girl Friday (1940), ou se Tom Ewell em The Seven Year Itch (1955).

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Espero que Dante Alighieri esteja certo e o Inferno seja mesmo uma espécie de zoológico aberto à visitação: caso não lhes seja concedida a Graça, será legal ir dar pipoca para Lula & Cia. E também para esses meninos que matam gente como gente grande. E para pilotos remotos de drone. E para… Puts, a lista é muito grande. Deixa pra lá.

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“De perto, ninguém é normal.” Certo, mas se permitirmos que a norma seja destruída, como saberemos o que é “perto”? Ninguém mais saberá qual é a distância segura e todos pisarão nos calos uns dos outros.

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Segundo Edgar Allan Poe, as quatro condições elementares da felicidade são: a vida ao ar livre; o amor de uma mulher; o desapego a toda ambição; e a criação de uma nova beleza.

No entanto…

« A verdade parece ser que o gênio da mais alta categoria vive num estado de perpétua hesitação entre a ambição e o desprezo por ela.»
Edgar Allan Poe

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O Brasil é um mindfuck.

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Seja ou não um escritor, a vida é sempre você diante do papel em branco.

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Fonte: Meu FB.

Um papo com Paulo Briguet ─ Giovanni Nobile

Paulo Briguet

Um papo com Paulo Briguet

por Giovanni Nobile

06 de Maio de 2013 - 19:56 hs
O Blog do Giovanni, além de poesias, contos, crônicas e pequenas matérias, também traz algumas entrevistas. A partir de maio, de tempo em tempo uma entrevista com algum escritor, editor, produtor cultural, poderá aparecer por aqui. E a conversa de hoje é o jornalista Paulo Briguet, colunista aqui do Jornal de Londrina. Ele se formou em 1993, mas ainda antes já trabalhava em redações. Mas a conversa de hoje deixa um pouco o jornalista de lado – se é que é possível – para um papo exclusivo do Blog do Giovanni com o cronista Paulo Briguet:

Qual seu interesse pelo gênero das crônicas?
Desde criança eu gostava das crônicas e poemas da Cecília Meireles na cartilha escolar. Depois fui descobrindo outros cronistas: Paulo Mendes Campos, Luis Fernando Verissimo (no tempo em que ele era engraçado), Nelson Rodrigues, José Carlos Oliveira, Rubem Braga. Aí vi que também existem cronistas não-brasileiros: Chesterton e Dino Buzzati são ótimos exemplos. Acho que aprendi a fazer crônicas antes de aprender a escrever, ouvindo as conversas de meus pais e avós e as histórias da coleção Disquinho, os vendo seriados de ficção científica na TV.

Aliás, para você, o que é crônica?
Defino crônica como texto curto com temática do cotidiano, livre da obrigação de contar uma história, com uma pitada de humor e ironia, às vezes poesia. Todos os meus escritos são crônicas disfarçadas, mesmo quando parecem contos, reportagens, peças publicitárias, panfletos políticos ou cartas de amor.

Há espaço para a crônica na cultura da velocidade do consumo de informação atualmente? Como vê o espaço da crônica no jornal?
Sim. Felipe Moura Brasil (do excelente Blog do PIM) é um exemplo. Gustavo Nogy (do blog Ad Hominem), outro. Também gosto de Yuri Vieira. Júlio Tanga (do blog Falta de Enxada) ainda será reconhecido como o gênio que é, embora ele seja mais um contista do que um cronista. Sobre a crônica no jornal, ela continua viva e passa bem, obrigado. Sou o segundo melhor cronista do meu jornal. (Só temos dois cronistas, eu e meu amigo Domingos Pellegrini, que não é propriamente um autor de crônicas, mas de vez em quando acerta a mão maravilhosamente.)

E mais: qual o papel do próprio jornal impresso atualmente?
O papel do jornal impresso é fazer oposição à hegemonia política que se pretende instaurar no Brasil.

Nesse sentido, você compara o meio impresso com o online ao escrever? Quero dizer: quando escreve para o impresso, escreve de uma forma; e quando escreve para o online, pensa de outra maneira? Ou o suporte para seus textos é indiferente, na sua visão?

Quando eu mantinha um blog no Tipos (portal hoje extinto), escrevia em linguagens completamente diferentes para o on-line e para o impresso. Agora isso acabou. Escrevo do mesmo jeito. E acho que deve ser assim mesmo. Sou um só.

Considera algum suporte mais importante?
Os dois são importantes porque atingem públicos distintos. Tenho sete leitores no JL impresso e sete leitores no blog do JL. Já são quatorze! Agora vai!

E quando as crônicas ultrapassam o prazo de validade do texto de jornal e migram para os livros, ganhando, digamos, “eternidade”: qual o espaço atual da crônica no mercado editorial, na sua visão?
O espaço para as crônicas existe e sempre existirá, mas elas devem passar por um “tratamento” (uma edição especial) antes de migrar para as páginas do livro. É preciso eliminar pequenos erros e informações datadas que tornariam o texto incompreensível.

É esta a visão que você tem também quando se fala de novos autores? E, ainda, quando se tratam de novos autores regionais…
Já citei bons novos autores: Felipe Moura Brasil, Gustavo Nogy, Yuri Vieira, Júlio Tanga. Mas também gosto de Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho, André Simões (olho nesse rapaz, André Simões: é excepcional).

Quais as dificuldades que um autor, seja novo ou não, encontra no mercado editorial, na sua visão? E há facilidades?
Acho que as dificuldades são as de sempre, mas hoje em dia é muito mais fácil imprimir e editar um livro por conta própria.

Quais suas preferências? (Gênero, autores e até mesmo alguns títulos que possa sugerir).
Já citei os cronistas. Para não fazer uma lista exaustiva, vou indicar quatro russos (Tolstói, Dostoiévski, Turguêniev, Tchekhov), quatro americanos (Saul Bellow, Bernard Malamud, Philip Roth, John Updike), cinco poetas universais (Camões, Eliot, Yeats, Herberto Helder e Cecília Meireles) e Santo Agostinho.

Você acompanha a literatura londrinense? Qual sua visão dela em comparação com a literatura comtemporânea brasileira?
Acompanho muito pouco. Temos Domingos Pellegrini, autor de “Terra Vermelha”, um grande livro. Rodrigo Garcia Lopes disse que acabou de escrever um romance. Vou ler e depois conto.

O que poderia melhorar na literatura londrinense?
Não faço a mínima ideia, Giovanni. Não tenho a mínima noção de política cultural. Para falar a verdade, tenho até repugnância do termo. Acho que os escritores devem escrever em vez de promover a literatura.

Você sempre brinca sobre seus 7 leitores… Quantos livros já vendeu? 7?!
Vendi uns 250 deste último, “Aos meus sete leitores”. Dos outros dois eu nem lembro. Sou um autor muito obscuro e desconhecido. Mas digo isso sem rancor. Descobri que não sou gênio, nem mesmo talentoso. Estou na fronteira entre o medíocre e o mediano. O problema é que não sei fazer outra coisa na vida.

Qual foi o de maior tiragem?
Esse último, independente, teve mil exemplares. Ou seja, tenho 750 livros encalhados na minha casa e na casa da minha sogra.

Há planos para nova publicação?
Um romance político e outro livro, difícil de enquadrar numa categoria. Será uma mistura de crônicas e memórias familiares, que vou escrever para o meu filho contando a história de seus antepassados.

Já pensou em publicar em outros meios (CD, vídeos em youtube, etc).
Andei recitando uns poemas em vídeos no Facebook, com resultados patéticos.

Algo que não perguntei e que gostaria de acrescentar?
Quando vamos tomar uma cerveja?

(Para esta última resposta-pergunta, ainda não há data definida).

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Fonte: Jornal de Londrina. (Cache do Google.)

Dostoiévski (Достоевский, 2010) – seriado em 8 partes

Sim, uma cinebiografia de Fiódor Dostoiévski. No início do primeiro episódio, há uma montagem paralela na qual o grande escritor russo — enquanto posa para seu famoso retrato — relembra sua “quase execução”, a mesma “pegadinha do Czar” narrada pelo príncipe Míchkin no romance O Idiota. Ninguém precisa entender russo para apreciar a seqüência…

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Agora, cá entre nós: alguém podia nos fazer o favor de traduzir esse seriado, não é? Não consegui encontrar sequer legendas em inglês. Aliás, nem o IMDB parece conhecer a existência da produção. Por enquanto, a única saída é checar a página do seriado neste site russo e, mediante a tradução da Google (no meu caso, claro), ler algumas resenhas a respeito.

Isaac Bashevis Singer: o tédio, a alegria e a compatibilidade amorosa

Isaac Bashevis Singer

« Olhando para trás, para a minha vida, vejo que todas as minhas qualidades, boas e más, já estavam comigo naquele tempo. Até minhas idéias sobre literatura. Muitas vezes ouvira minha mãe e Joshua dizerem que boa parte das desgraças do mundo vinham do tédio humano. O tédio é tão doloroso, as pessoas arriscariam sua vida para escapar dele. Nações se cansam de longos períodos de paz, e tentam criar uma crise, um conflito, a fim de iniciar uma guerra. Alguns homens se cansam de sua vida familiar, e começam brigas que levam ao divórcio. Jovens de casas ricas deixam seus pais e procuram aventuras que os prejudicam. Na sala de meu pai eu escutava constantemente relatos de ferocidade e loucura humana. Alguns homens corriam para a América com outras mulheres, deixando suas famílias sem pão. Ouvia falar de moças que começavam uma vida de opróbio (eu não sabia exatamente o que era isso) porque seus dias e noites lhes pareciam tão tristes. Quando comecei a ler, vi que bons escritores sempre tinham algumas surpresas e mudanças imprevisíveis ao leitor. Meu irmão dissera que o casuísmo talmúdico fora desenvolvido entre judeus poloneses como meio de tornar a Torá mais divertida, de aguçar as mentes dos estudantes, de introduzir alegria no estudo e fomentar a competição dos eruditos. A Cabala de Isaac Luria, a crença em falsos messias como Sabbatai Zvi e Jacob Frank, bem como o chassidismo, eram todos criados para avivar o judaísmo, que estagnava sob regras rígidas dos rabinos e o rigorismo da lei. Ouvi meu irmão dizer que o Baal Shem, nascido no começo do século XVIII, tinha receio de que o Iluminismo seduzisse os judeus poloneses. O chassidismo pregava que a maneira de servir a Deus era através da alegria. Melancolia e tédio afastavam os homens de Deus.

« Quando comecei a fantasiar sobre me tornar um escritor, eu já entendera que os mestres sempre entretêm o leitor. Também podia ver que nada seduz tanto o leitor quanto uma história de amor. Eu lera na Guemará que para homens e mulheres encontrarem seus companheiros certos era um milagre tão grande quanto o Mar vermelho abrir-se em dois. Um bom casamento nem sempre acontece, e cada união é diferente. Os vários encontros de amor nunca se exauriam. Cada personalidade humana aparece só uma vez na história dos seres humanos. Assim, cada evento amoroso. A sala de reuniões de meu pai era como uma sala de aula para mim, onde eu podia estudar a alma humana, seus caprichos e anseios, suas barreiras. Ficava espantado ouvindo as intensas lamentações dos adultos, casais que pediam divórcio ou fim de noivado ou simplesmente vinham abrir seus corações para meus pais. Homens e mulheres ansiavam por serem felizes juntos, mas em vez disso acabavam em brigas tolas, acusações odiosas, várias mentiras e atos de traição. Cada um queria ser mais forte do que o outro, e muitas vezes rebaixar e denegrir o mais fraco. Às vezes sentia desejos de lhes dar conselhos eu mesmo, especialmente quando os casais eram jovens e bonitos. Muitas vezes me apaixonava pela moça e sua maneira de falar a respeito de seus problemas. Certa vez, um casal inusitadamente elegante veio procurar meu pai para pôr fim a um noivado. O rapaz acusava a moça de excessiva familiaridade com os amigos dele, e ela disse que o rapaz fazia o mesmo com as amigas dela. De repente, o rapaz deu uma bofetada na moça. Ela tentou devolver o tapa, e por algum tempo brigaram como duas crianças. Mais tarde, depois que meus pais os tinham acalmado, e os dois iam embora, o rapaz pegou-a pelo braço e beijaram-se. Lembro de ter pensado: “É disso que deve tratar a literatura”. Ouvi minha mãe dizer:

« — Tão bonitos e tão doidos. Seria um pecado se separarem.

« Lembro um caso em que um homem idoso acusava sua esposa — era a segunda esposa dele — de salgar demais sua comida. Os médicos o tinham proibido de comer muito sal, pimenta e outros temperos fortes. Mas não importava o quanto ele suplicava à mulher que usasse menos sal e pimenta, ela sempre punha um monte na comida. Meu pai perguntou à mulher por que ela não fazia o que seu marido lhe pedia. E citou o Guemará dizendo que “uma esposa Kosher cumpre os desejos do esposo”. A mulher disse que não podia cozinhar sem sal e temperos porque a comida ficava sem gosto. Minha mãe disse: “Você pode colocar o sal depois. Sal tem o mesmo gosto se a gente o coloca na panela ou no prato”. Mas a mulher disse que não era assim. Nos olhos dela eu podia ver a teimosia de uma camponesa que meteu uma coisa na cabeça e jamais se libertará dela. Ela disse à minha mãe que, se Deus quisesse, encontraria um homem que não metesse a cara nas panelas. Seu sorriso revelava más intenções. Talvez ela quisesse que seu marido ficasse doente e morresse.»
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Trecho de Amor e Exílio, de Isaac Bashevis Singer. (Tradução de Lya Luft.)

Mario Vargas Llosa no Roda Viva

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G.K. Chesterton: Sobre a leitura

G.K. Chesterton

A maior utilidade dos grandes mestres da literatura não é a literária; ela está além de seu estilo grandioso e até mesmo de sua inspiração emocional. A maior utilidade da boa literatura reside em impedir que um homem seja puramente moderno. Ser puramente moderno é condenar-se à limitação; assim como gastar o último centavo que há na terra no mais novo lançamento de chapéus é condenar-se a ficar fora de moda. A estrada dos séculos passados está repleta de homens que morreram, mas que de certa forma continuam vivos. A literatura clássica e permanente cumpre sua melhor missão quando nos lembra continuamente o vigor da verdade e quando equilibra idéias mais antigas com idéias atuais, às quais, por um momento, podemos estar inclinados. O modo como ela o faz, no entanto, é suficientemente curioso para valer a pena que o compreendamos perfeitamente.

Na história da humanidade, aparecem de tempos em tempos, de maneira especial em épocas agitadas como a nossa, certas coisas que no mundo antigo se chamavam heresias, mas que no mundo moderno chamam-se modas. Às vezes, são úteis durante certo tempo; outras vezes são completamente nocivas. Porém, sempre são aceitas, graças a uma convergência indevida em torno de uma verdade, ou de uma meia verdade. Assim, é verdade insistir no conhecimento de Deus, porém é herético insistir nele como o fez Calvino, a custo do amor de Deus; dessa maneira, é verdade desejar uma vida simples, porém é uma heresia desejá-la às custas dos bons sentimentos e das boas condutas.

O herege (que também é o fanático) não é um homem que ama demasiadamente a verdade; ninguém ama a verdade demasiadamente. O herege é um homem que ama sua verdade mais que a verdade mesma. Prefere as meias verdades que descobriu à verdade completa que a humanidade tem encontrado. Não lhe agrada ver seu pequeno e precioso paradoxo amarrado com vinte banalidades da sabedoria do mundo.

Às vezes, tais inovações têm uma sombria sinceridade, como Tolstói, outras, uma sensitiva e feminina eloqüência, como Nietzsche, e, às vezes, um admirável humor, ânimo e simpatia pública, como Bernard Shaw. Em todos os casos, provocam uma pequena comoção e talvez criam alguma escola. Porém, sempre se comete o mesmo erro fundamental: supõe-se que o homem em questão descobriu uma nova idéia. Porém, na realidade, o novo não é uma idéia, senão a divisão de uma idéia.

É muito provável que a idéia mesma se encontre distribuída por todos os grandes livros de caráter mais clássico e sensato, desde Homero e Virgílio até Fielding e Dickens. Podem-se encontrar todas as novas idéias em livros antigos, só que ali as encontraremos equilibradas, no lugar que lhes corresponde e, às vezes, com outras idéias melhores que as contradizem e as superam. Os grandes escritores não deixavam de lado uma moda porque não haviam pensado nela, mas porque haviam pensado também nas outras alternativas.

No caso de não ter ficado claro, tomarei dois exemplos, ambos referentes à idéia de ‘moda’ entre alguns dos teorizadores mais imaginativos e jovens. Nietzsche, como todos sabem, pregou uma doutrina que ele e seus seguidores aparentemente consideravam muito revolucionária; sustentaram que a moral altruísta simplesmente havia sido uma invenção de uma classe escrava para evitar que, em tempos posteriores, alguém surgisse para combatê-la e dominá-la. Os modernos, concordando ou não com Nietzsche, sempre se referem a essa idéia como algo novo e jamais visto. Com tranqüilidade e insistência, se supõe que os grandes escritores, digamos Shakespeare, por exemplo, não sustentou essa idéia porque jamais havia pensado nela. Recorramos ao último ato de Ricardo III de Shakespeare e encontraremos não só tudo o que Nietzsche tinha a dizer, resumido em duas linhas, mas também as mesmas palavras de Nietzsche. Ricardo o corcunda, disse:

Consciência é só uma palavra que usam os covardes,

Criada, a princípio, para infundir terror aos fortes.

Como já falei, o fato é evidente. Shakespeare havia pensado na idéia de Nietzsche e na Moralidade Suprema; porém deu-lhe seu próprio valor e a pôs no lugar que lhe corresponde. Este lugar é a boca de um corcunda meio louco nas vésperas da derrota. Essa raiva contra os debilitados só é possível em um homem morbidamente admirável, mas profundamente enfermo; um homem como Ricardo; um homem como Nietzsche. Este caso deveria destruir a fantasia absurda de que estas filosofias modernas são modernas no sentido de que os grandes homens do passado não pensaram nelas. Não é que Shakespeare não tenha visto a idéia de Nietzsche; ele a viu, porém viu além dela.

Tomarei um outro exemplo: o Sr. Bernard Shaw em sua peça marcante e sincera chamada Major Barbara, lança um dos mais violentos dos seus desafios verbais à moralidade proverbial. As pessoas dizem: “A pobreza não é nenhum crime”. “Sim,” diz o Sr. Bernard Shaw, “a pobreza é um crime e é mãe de crimes. É um crime ser pobre se você tem a possibilidade de se rebelar ou de enriquecer. Ser pobre significa ser covarde, servil ou idiota”. O Sr. Shaw mostra sinais de uma intenção de concentrar-se nesta doutrina, e muitos de seus seguidores fazem o mesmo. Agora, é apenas a concentração que é nova, não a doutrina.

Thackeray fez sair da boca de sua personagem, Becky Sharp, que é fácil ser moral com mil libras por ano, difícil é ser com cem. Porém, como no caso de Shakespeare que antes mencionei, o importante não é apenas que Thackeray conhecia esta doutrina, senão que sabia também seu valor. Ela não só lhe ocorreu, mas também ele sabia onde deveria colocá-la. Deveria ocorrer na conversa de Becky Sharp; uma mulher sagaz e mentirosa, porém que desconhecia completamente todas as emoções mais profundas que fazem a vida valer a pena. O cinismo de Becky, com Lady Jane e Dobbin para equilibrar, tem um certo ar de verdade. O cinismo do Undershaft do Sr. Shaw, apresentado com a austeridade de um discurso de campanha, simplesmente não é verdadeiro. Simplesmente não é verdade, em absoluto, dizer que os pobres são menos sinceros e mais covardes do que os ricos. A meia verdade de Becky se tornou primeiro em uma loucura e depois em um credo e, finalmente, em uma mentira. No caso de William Makepeace Thackeray, como no de Shakespeare, a conclusão a que chegamos é a mesma. O que chamamos de idéias novas são, geralmente, fragmentos das antigas idéias. Não é que uma idéia particular não tenha ocorrido a Shakespeare. É que, simplesmente, ele encontrou muitas outras boas idéias para livrá-lo da tolice.

G. K. Chesterton

Tradução: Agnon Fabiano

Fonte: Sociedade Chesterton Brasil.

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