palavras aos homens e mulheres da Madrugada

Tag: esquetes

Ninguém acredita em mim

— E daí que sou vinte anos mais velho do que você? O Chaplin era trinta e sete anos mais velho do que a Oona, tiveram oito filhos e foram super felizes.

— Mas o Chaplin era o Chaplin e morava numa mansão na Suíça. Você é escritor num país onde ninguém lê e mora debaixo da ponte.

— Não é uma ponte! É um viaduto! E eu já ajeitei tudo por lá. Está limpinho, fiz uma paredinha — pra quem passar de carro na marginal não ver a gente — e até arranjei um colchão de casal no lixão. Já dormi três dias nele e só encontrei uma pulga. Qual o problema?

— Você tá tirando com a minha cara, né? Você realmente acha que eu iria morar debaixo do viaduto com você?

— Mas você disse que me amava! Quem ama confia e se esforça junto, dá apoio, cresce com o outro!

— Crescer debaixo da ponte, digo, do viaduto? Eu tenho cara de pilar agora? Não ponho os pés lá nem morta.

— Mas você já dormiu lá comigo quando nos conhecemos.

— Eu estava bêbada quando nos conhecemos. E achei que você era desses que curtem transar em lugares públicos.

— Mas a gente não foi lá para transar! Era só pra gente ter um pouco de privacidade.

— Pois é, eu percebi. Não estava entendendo nada até você enfiar a mão naquele buraco e tirar uma caixa de som bluetooth. E ainda quis dançar tango comigo no meio da marginal! Você é completamente louco. Privacidade, sei… Vai embora e me deixa em paz.

— Tá bom, tá bom. Mas, dentro de cem anos, quando eu estiver dando uma festa na minha mansão lá no Céu, com Machado de Assis, Graciliano Ramos, Camões, Shakespeare, Cervantes, Hilda Hilst, Henry Miller e companhia ilimitada como convidados, nem tente entrar de penetra.

— Ah, sai daqui, seu doido! Você tá precisando é tomar lítio.

— Beleza. Fica aí com seus pretendentes cheios da grana, chatos e sem imaginação.

— Fico mesmo! Não nasci pra ser mulher de maluco.

Ele sai, tira o celular do bolso e liga para o editor:

— E aí? Como vão as vendas?

— Rapaz, você está arrebentando! Finalmente vai tirar a barriga da miséria.

— Ótimo, mas você acha que eu teria o suficiente para comprar uns presentinhos caros?

— Cara, agora você pode até dar carros zero quilômetro de presente.

— Não, não. Eu quero é mandar fazer uma dúzia de mãos de ouro com o dedo médio em riste. Um pirete, como dizem os portugueses. Preciso presentear uma galera aí.

— Ué. Pode fazer. Vai dar e vai sobrar.

— Beleza. Era só isso. Preciso desligar. Tenho de arrumar minha mudança. Tá na hora de tirar minhas coisas do viaduto.

— Ahahahahaha! Você e esse papo de viaduto. Conta outra, seu maluco!

Ele desliga o telefone e pensa: ué, por que será que ninguém nunca acredita em mim?

Artista conservador procura

 — Eu sei que ela é linda e gente boa, não sou tapado. Quero saber é se você conhece a mãe dela.

— Ué. Por quê?

— Porque são as mães que sempre me fodem. Só por isso.

— Não sabe lidar com as distintas senhoras? Toda possível sogra é difícil mesmo.

— Não é isso, eu sempre levo numa boa: converso, sou agradável, educado e tal. As figuras é que, por mais que gostem de mim, não agüentam a pressão constante e irrefreável das mães: “Faz o quê? Artista plástico?! Tem quantos anos?!! Minha filha, tome juízo!”.

— Bom, a mãe dela é inteligente, super bacana.

— Sério?

— Sim, no bairro dela todos a adoram. Até a elegeram vereadora.

— Por qual partido?

— PSOL.

— Ih, fodeu já. Esqueceu que faço as capas daquela editora que só publica conservadores? E eu leio todo livro que lançam.

— Nossa, é mesmo.

— Por mais legal que eu seja, a mulher não vai me suportar. Já sei como é.

— Mas a garota…

— Esquece. É bom no começo, depois vem a sabotagem. Parece que há um complô entre as mães pequeno-burguesas e as mães socialistas contra os pretendentes artistas de suas filhas.

— Tá certo. Ce que sabe.

— E aquela? Eu a achei ótima também. Demos altas risadas. Conhece a mãe dela?

— Conheço. A mãe dela é surda-muda.

— Perfeito!

— Perfeito nada. Ao menos não para você.

— Por quê?

— Ela é jornalista da Carta Capital. A filha vive citando os artigos dela.

— Pô, velho. Que merda! Você me convida para cada festa! Você é esquerdista e não sabe. Ainda bem que tenho outros canais. Se eu dependesse só do seu papo de “vamos conhecer umas gatas”, eu não deixaria a ninguém o legado da minha existência.

— Ahahahahaha…

— Vamo beber! — grita. E a meia voz: — Só vai dar para fazer isso mesmo…

 

________________________

Mais tarde, no Facebook…

FUCK YOU

— Yuri, você é melhor do que isso, precisa parar de escrever esses contos. Esse último que você escreveu é uma bobagem.

— Uê, meu último livro nem foi lançado ainda. Na verdade, estou terminando de revisar a revisão da editora. De qual conto você tá falando?

— Esse do artista conservador. Que besteira.

— Cara, se você nem sabe o que é um conto, por que está me criticando? Aquilo não é um conto, é um esquete de humor. E eu o escrevi de pé, numa fila de caixa eletrônico. Viu os travessões feitos com hífens duplos? Escrevi no celular, para passar o tempo.

— Mas quem te lê no Facebook…

— Quem me lê no Facebook ocasionalmente lerá inclusive peidos por escrito. Facebook não é a Paris Review.

 

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén