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Last Day Dream (2009), de Chris Milk

Dizem que a vida inteira passa diante de nossos olhos à hora da morte…

O fabuloso destino de Hilda Hilst na Casa do Sol

O artigo abaixo, escrito por Antonio Nahud Júnior, certamente trará fortes lembranças a todos os que tiveram o privilégio de conviver com a escritora Hilda Hilst. Minha identificação foi total. Tendo residido em sua casa por dois anos, posso confirmar: Antonio falou e disse.

O fabuloso destino de Hilda Hilst na Casa do Sol

Hilda Hilst

Ainda me lembro do sorriso de Hilda Hilst (1930-2004). Um sorriso enigmático que interroga e que responde. Um sorriso invulgar que me ocorre tão nítido, tão límpido, tendo como cenário os jardins exuberantes da Casa do Sol, um sítio a 11 quilômetros de Campinas. Eu costumava visitá-la nos finais de semanas dos primeiros anos dos 90. A poeta habitava aquele claustro desde 1966, abrindo mão da intensa vida de convívio social para se dedicar exclusivamente à literatura. Tal mudança foi influenciada pela leitura de “Carta a El Greco” (1956), do escritor grego Nikos Kazantzakis, que defende a necessidade do isolamento para se aprofundar na complexidade da própria escrita. É uma residência despojada, estilo andaluz, com pátio interno central. Rodeando a construção, uma variedade de árvores, entre elas a figueira centenária que era a preferida da escritora. “Sou poeta”, confessei com certo pudor no nosso primeiro encontro. “Ser poeta é algo elevado, difícil…”, respondeu rindo com extravagância. Desde então, nos tornamos íntimos. Enamorado por sua inteligência incomum e comportamento liberal, deixava-me embalar pela voz rouca de dicção perfeita lendo Ovídio, Petrarca, John Donne, Shakespeare, Jorge de Lima, Oscar Wilde e, por fim, Henri Michaux. À noite, víamos a telenovela do horário nobre global, acompanhados por um excitante uísque escocês e intermináveis gracejos de saudável loucura. Estive ao seu lado durante a feitura de “Do Desejo” (1992), numa movediça e fugaz satisfação. Nada esgotava o seu arsenal de palavras, num consciente delírio verbal que explodia todas as fronteiras do dizer.

A dramaticidade da Casa do Sol se confundia com prospecções filosóficas sobre o tempo, a morte, o amor, Deus. Suas paredes intensas, rosadas, manchadas e úmidas, respiravam a solidão compartilhada e a grandeza da vivência escrita, protegendo o fabuloso destino de sua moradora, uma das protagonistas fundamentais da paisagem literária brasileira do século 20. Fotografei Hilda dezenas de vezes em sua sozinhez, registrando a anatomia de um corpo idoso, flácido, de rugas em tom acobreado. Onde a formosura da juventude lembrando Ingrid Bergman ou Jeanne Moreau? Avançada para a sua época, ela foi musa de artistas, poetas – Vinicius de Moraes chegou a se apaixonar por ela – e milionários. Era encantadora, livre, generosa, lúcida, sarcástica, queixosa, íntegra, culta, melancólica e apaixonada por cães. Embora tenha alcançado ampla notoriedade pessoal, mastigava o estigma de não se considerar popular, acessível, ambicionando ser lida, estudada, discutida. Numa estratégia escandalosa, chamou a atenção para a sua obra por meio de suposta adesão ao registro pornográfico. Filha de família rica do interior paulista, confessou-me episódios terríveis de sua trajetória em busca do inefável, passando por contínuos dissabores e problemas. Pois a sociedade burguesa exige o meio-termo, o disfarce, nunca quem milita contra a hipocrisia reinante.

O deslumbre desconcertante do texto hilstiano mistura gêneros e linguagens, sempre babélico, refinado, irreverente, polifônico, múltiplo. Numa busca literária mística, sua visão é de angústia e, ao mesmo tempo, de êxtase. Com fervoroso amor pela originalidade, registra um intenso trabalho de linguagem e de musicalidade, um imaginário poético no qual questionamentos metafísicos se mesclam com fatos cotidianos. Sou leitor fiel de Hilda Hilst, sem nunca me esquecer dos momentos rutilantes que passamos juntos. Hildinha, num dia infeliz, deixou de falar comigo por ciumadas, conspirações, calúnias, coisas tolas de parasitas que sobreviviam de sua solitude. Fiquei abatido, sofri, mas sabia que tinha que ser assim, já havia acontecido com outros freqüentadores da Casa do Sol. Ao morrer, não me espantei, pois a sua morte estava anunciada há décadas. Essa grande poeta morria a cada instante desde muito antes de conhecê-la. A bela senhora apenas saía do corpo ao encantamento, rumo ao enigma. Mudava-se para Marduk, o planeta reservado aos poetas, como acreditava. Mas o embevecimento diante da sua criação crescerá à medida que as gerações futuras consigam apreender a transgressão da sua linguagem complexa, tentadora e relevante. Chegará o tempo em que sua imagem pública excêntrica deixará de predominar sobre o conhecimento da sua literatura.

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Antonio Nahud Júnior é escritor e jornalista.
Mora no Rio Grande do Norte.
Leia este Artigo na Edição de Junho da Revista Digital:
www.cinzasdiamantes.blogspot.com

O tombamento da Casa do Sol

Recebi o email abaixo de Daniel Mora Fuentes, do Instituto Hilda Hilst:

Casa do Sol

Caros,

O Instituto Hilda Hilst tem a felicidade de comunicar, nesta semana em que Hilda completaria 80 anos, o inicio do processo de tombamento da Casa do Sol, sede do Instituto, e também o lançamento de projeto arquitetônico de reforma e construção de teatro, biblioteca e residência de bolsistas. Recomendamos também reportagem especial sobre Hilda e o futuro do Inst. Hilda Hilst que irá ao ar no programa Metrópolis da TV Cultura, quarta-feira dia 21, as 20:30 hs.

Neste tombamento vale ressaltar a fundamental participação da Academia Paulista de Letras, Unicamp e Ed. Globo, além da amizade e empenho da amiga Lygia Fagundes Telles. Importante valorizar também a parceria com o escritório RBF Arquitetura e Planejamento, responsável pelo projeto arquitetônico para o futuro da Casa do Sol.

Outro evento interessante que circunda esta “semana Hilda Hilst” é o lançamento do livro “Porque Ler Hilda Hilst”, de Alcir Pécora, pela Ed. Globo, que contará com pocket-show de Zeca Baleiro e outros eventos interessantes.
Todos estão convidados (dia 21, 16hs, Livraria Cultura do Shopping Pompéia)!

Grande abraço,

Daniel Fuentes
www.hildahilst.com.br

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