palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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Vinicius de Moraes — A brusca poesia da mulher amada (III)

A brusca poesia da mulher amada (III)

A Nelita

Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado
Minha irmã, conta-me histórias da infância em que que eu haja sido
herói sem mácula
Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a
bilirrubina
Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco
quilos
Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para as
confidências
E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.
Eis que se anuncia de modo sumamente grave
A vinda da mulher amada, de cuja fragrância
já me chega o rastro.
É ela uma menina, parece de plumas
E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos
ventos
Empós meu canto. É ela uma menina.
Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos
Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
Para cantar seus réquiens e os falsos profetas
A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.
Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
Em rodopios nítidos
Criando vácuos onde morrem as aves.
Seu corpo, pouco a pouco
Abre-se em pétalas… Ei-la que vem vindo
Como uma escura rosa voltejante
Surgida de um jardim imenso em trevas.
Ela vem vindo… Desnudai-me, aversos!
Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!
Alvoroçai-me, auroras nascituras!
Eis que chega de longe, como a estrela
De longe, como o tempo
A minha amada última!

Rio de Janeiro, 1950.

O dia em que eu nasci — um soneto de Luís de Camões

[audio:http://yurivieira.com/downloads/audio/camoes_odiaemquenasci.mp3]

O dia em que eu nasci, morra e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Luís Vaz de Camões

Uma conversa sobre literatura com Olavo de Carvalho

Em 2008, durante um encontro literário promovido pelo Digestivo Cultural, nosso editor, Julio Daio Borges, me apresentou a outro escritor dizendo o seguinte (não sei se ele se lembra): “Esse é o Yuri. Aquele que conversa com o Olavo de Carvalho“. Ainda sorrio quando me lembro disso…

Segue abaixo, para provar que Julio dizia a verdade, um pequeno trecho retirado das 11 horas de podcast que gravei com Olavo em 2006, no qual falamos sobre o papel do escritor na sociedade e a importância da literatura. Vale a pena ouvir até o fim, são apenas 15 minutos.

Publicado no Digestivo Cultural.

“Soneto à lua” – Vinicius de Moraes (lido por Yuri Vieira)


[audio:http://blogdo.yurivieira.com/wp-content/uploads/2012/04/soneto_a_lua.mp3|titles=Soneto à lua]

Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas e sem fim
Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:

E és tampouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética, indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!

Rio de Janeiro, 1938.
Vinicius de Moraes
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Fernando Pessoa lido por mim

Os 100 Gênios da História da Literatura segundo Harold Bloom

Harold Bloom

O Javista (980?-900? A.C.)
Homero (séc. VIII A.C.)
Sócrates (469-399 A.C.)
Platão (c.429-347 A.C.)
Lucrécio (Tito Lucrécio Caro) (c.99-c.55 A.C.)
Virgílio (70-19 A.C.)
São Paulo (?-67)
Santo Agostinho (354-430)
Maomé (570?-632)
Murasaki Shikibu, Lady (978?-1026?)
Dante Alighieri (1265-1321)
Geoffrey Chaucer (1340?-1400)
Luis Vaz de Camões (1524?-1580)
Michel de Montaigne (1533-1592)
Miguel de Cervantes (1547-1616)
William Shakespeare (1564-1616)
John Donne (1572-1631)
John Milton (1608-1674)
Molière (Jean-Baptiste Poquelin) (1622-1673)
Jonathan Swift (1667-1745)
Alexander Pope (1688-1744)
Samuel Johnson (1709-1784)
James Boswell (1740-1795)
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)
William Blake (1757-1827)
William Wordsworth (1770-1850)
Jane Austen, Lady (1775-1817)
Stendhal (Henry Beyle) (1783-1842)
Percy Bysshe Shelley (1792-1822)
John Keats (1795-1821)
Giacomo Leopardi (1798-1837)
Honoré de Balzac (1799-1850)
Victor Hugo (1802-1885)
Ralph Waldo Emerson (1803-1882)
Nathaniel Hawthorne (1804-1864)
Gérard de Nerval (Gérard Labrunie) (1808-1855)
Lorde Alfred Tennyson (1809-1892)
Charles Dickens (1812-1870)
Robert Browning (1812-1889)
Sören Kierkegaard (1813-1855)
Charlotte Brontë (1816-1855)
Emily Jane Brontë (1818-1848)
George Eliot (Mary Ann Evans) (1819-1880)
Herman Melville (1819-1891)
Walt Whitman (1819-1892)
Charles Baudelaire (1821-1867)
Gustave Flaubert (1821-1880)
Fiodor Dostoievski (1821-1881)
Dante Gabriel Rossetti (1828-1882)
Henrik Ibsen (1828-1906)
Leon Tolstoi (1828-1910)
Emily Dickinson (1830-1886)
Christina Rossetti (1830-1894)
Lewis Carroll (Charles Lutwidge Dodgson) (1832-1898)
Mark Twain (Samuel Langhorne Clemens) (1835-1910)
Algernon Charles Swinburne (1837-1909)
Walter Pater (1839-1894)
Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908)
Henry James (1843-1916)
Friedrich Nietzsche (1844-1900)
José Maria Eça de Queirós (1845-1900)
Arthur Rimbaud (1854-1891)
Oscar Wilde (1854-1900)
Sigmund Freud (1856-1939)
Anton Tchekhov (1860-1904)
Edith Wharton (1862-1937)
William Butler Yeats (1865-1939)
Luigi Pirandello (1867-1936)
Marcel Proust (1871-1922)
Paul Valéry (1871-1945)
Willa Cather (1873-1947)
Hugo von Hofmannsthal (1874-1929)
Robert Frost (1874-1963)
Rainer Maria Rilke (1875-1926)
Thomas Mann (1875-1955)
Wallace Stevens (1879-1955)
Virginia Woolf (1882-1941)
James Joyce (1882-1941)
Franz Kafka (1883-1924)
D. H. Lawrence (1885-1930)
Fernando Pessoa (1888-1935)
T. S. Eliot (Thomas Stearns) (1888-1965)
Isaac Babel (1894-1940)
F. Scott Fitzgerald (1896-1940)
Eugenio Montale (1896-1981)
William Faulkner (1897-1962)
Federico Garcia Lorca (1898-1936)
Hart Crane (1899-1932)
Ernest Hemingway (1899-1961)
Jorge Luis Borges (1899-1986)
Luis Cernuda (1902-1963)
Alejo Carpentier (1904-1980)
Samuel Beckett (1906-1989)
Tennessee Williams (1911-1983)
Ralph Waldo Ellison (1914-1994)
Octavio Paz (1914-1998)
Iris Murdoch (1919-1999)
Paul Celan (Paul Antschel) (1920-1970)
Italo Calvino (1923-1985)
Flannery O’Connor (1925-1964)

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Do livro Gênio: os 100 autores mais criativos da história da literatura, de Harold Bloom.

Rainer Maria Rilke e as “falsas profissões semi-artísticas”

Rainer Maria Rilke

« Paris, dia posterior ao Natal, 1908

« O senhor deve saber, caro senhor Kappus, como estou alegre por ter em mãos esta sua bela carta. As notícias que me dá, reais e explícitas como são desta vez, parecem-me boas, e quanto mais considero o assunto, mais as percebo como sendo boas de fato. Na verdade, pretendia lhe escrever isso para a noite de Natal, mas, em função do trabalho variado ao qual dedico minha vida ininterruptamente neste inverno, a velha festa chegou tão depressa que mal tive tempo para tomar as providências necessárias, muito menos para escrever.

« Entretanto pensei no senhor muitas vezes nesses dias festivos e fiquei imaginando como devia estar em seu forte solitário, entre as montanhas isoladas, sobre as quais se precipitam aqueles grandes ventos do sul, como se quisessem devorá-las.

« Deve ser imenso o silêncio em que tais ruídos e movimentos têm lugar. E quando se pensa que a tudo isso ainda se acrescenta a presença do mar longínquo, ressoando talvez como o tom mais íntimo daquela harmonia pré-histórica, só se pode desejar ao senhor que, cheio de confiança e paciência, deixe trabalhar em sua pessoa a grandiosa solidão que não poderá mais ser riscada de sua vida. Essa solidão permanecerá e atuará, de modo decisivo e sutil, em tudo o que o senhor tem a experimentar e a fazer, como uma influência anônima, como o sangue de antepassados que percorre as nossas veias continuamente, compondo com o nosso próprio sangue o que somos de único e irrepetível a cada nova guinada de nossa vida.

« Sim, alegra-me que o senhor tenha essa existência firme e manifesta, esse título, esse uniforme, esse serviço, tudo de palpável e delimitado que, em tais circunstâncias, com uma guarnição isolada e não muito numerosa, ganha seriedade e necessidade. Acima do caráter brincalhão e da vadiação que fazem parte da profissão militar, tudo isso significa uma aplicação diligente e não só permite, mas justamente educa uma atenção independente. O fato de nos encontrarmos em situações que trabalham em nós, que de tempos em tempos nos põem diante de grandes coisas da natureza, é tudo que se faz necessário.

« Também a arte é apenas um modo de viver, e é possível se preparar para ela sem saber, vivendo de uma maneira ou de outra. Em tudo o que é real há mais proximidade dela do que nas falsas profissões semi-artísticas que, ao simular uma proximidade da arte, na prática negam e atacam a existência de qualquer arte. Por exemplo, todo o jornalismo faz isso, assim como quase toda a crítica e três quartos do que se chama e pretende ser chamado de literatura. Alegra-me, em suma, que o senhor tenha superado o perigo de cair nessa armadilha e se encontre em meio a uma realidade bruta, solitário e corajoso. Espero que o próximo ano o mantenha assim e o fortaleça.

« Sempre seu, Rainer Maria Rilke.»
____
Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke.

Creio que às “falsas profissões semi-artísticas” citadas por Rilke podemos acrescentar toda a publicidade e toda a classe burocrática ligada às artes e à cultura. Mais do que risível, chega a ser assustadora a empáfia com que tais burocratas — porquanto possuem um cargo numa agência, numa secretaria ou no próprio Ministério da Cultura — passam a considerar a si mesmos grandes gênios da humanidade. (O mesmo se dá entre os publicitários e seus associados.) É impressionante o que o poder — mesmo um poderzinho diluído e enganoso — e o dinheiro, juntos, fazem ao ego de uma pessoa: nada lhe parece mais orgiástico do que ostentar um rótulo socialmente lindo, embora estética e culturalmente irrelevante, e, ao mesmo tempo, deter a prerrogativa de impedir ou auxiliar — com benesses que não lhe pertence — os verdadeiros artistas.

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