palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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Walter Hugo Khouri e a beleza

Walter Hugo Khouri é nosso grande diretor-autor. Teve uma longa e produtiva carreira, sempre fiel a si mesmo e às suas obsessões. Ninguém melhor do que ele para narrar a trajetória daquele que, contaminado pelo mais nefando niilismo, entrega-se ao vórtice hedonista do sexo até atingir as profundidades do abismo. (E dizer isso me lembra o olhar demoníaco de Tarcísio Meira ao final do filme Eu, de 1987.)

Há alguns anos, num festival de cinema qualquer, eu e Cássia Queiroz tivemos uma conversa interessante com o crítico Rubens Ewald Filho. Havíamos acabado de assistir a um desses filmes supostamente mais brasileiros que todos os outros, supostamente mais realista, mais artístico e assim por diante. Claro, o filme era um porre, tinha aquele discurso político que faria Hugo Chávez bater palmas e estava coalhado de gente feia – feia em todos os sentidos. Até os atores bonitos foram enfeiados para parecerem mais “reais”. (Porque, você sabe, para esse tipo de “artista” o ser humano é um vírus que ataca a Terra, é feio por natureza.) Rubens Ewald nos disse mais ou menos assim: “Não sei por que esse diretor gosta tanto do feio. O cinema sempre teve uma grande preocupação com a beleza da imagem, sempre preferiu os protagonistas bonitos, e isso porque as pessoas gostam de sair do comum, gostam de apreciar o belo. Mesmo os atores feios, quando protagonistas, ou quando expressavam um valor maior, tornavam-se belos nos filmes clássicos. Mas aqui há esses cineastas que gostam de fazer o contrário, dizendo que assim retratam mais fielmente a ‘realidade’. Mas um filme não é a ‘realidade’. É um filme, uma obra de arte. Os espectadores querem a beleza, mesmo que ela esteja perdida em meio ao sórdido”.

Quem assiste aos filmes de Walter Hugo Khouri sabe que ele mostrou alguns dos mais feios e obscuros segredos da personalidade humana mediante belas imagens. E com belíssimas mulheres.

Abertura do filme Eros, o deus do amor (1981), na qual vemos as mais belas atrizes da época e uma das melhores descrições da cidade de São Paulo:

Cena do filme Palácio dos anjos (1970), um filme sobre prostituição mil vezes mais impactante que um Bruna Surfistinha (moral do filme Bruna Surfistinha: “Seja puta, porque é ótimo, mas não ponha tudo a perder cheirando cocaína!”):

E até Rita Lee, junto aos Mutantes, iluminou um de seus filmes: As Amorosas (1968):

Walter Hugo Khouri (1929-2003): o melhor diretor-autor brasileiro de todos os tempos.

Uma conversa sobre literatura com Olavo de Carvalho

Em 2008, durante um encontro literário promovido pelo Digestivo Cultural, nosso editor, Julio Daio Borges, me apresentou a outro escritor dizendo o seguinte (não sei se ele se lembra): “Esse é o Yuri. Aquele que conversa com o Olavo de Carvalho“. Ainda sorrio quando me lembro disso…

Segue abaixo, para provar que Julio dizia a verdade, um pequeno trecho retirado das 11 horas de podcast que gravei com Olavo em 2006, no qual falamos sobre o papel do escritor na sociedade e a importância da literatura. Vale a pena ouvir até o fim, são apenas 15 minutos.

Publicado no Digestivo Cultural.

A melhor cena de Zé do Caixão: que tipo de cético você é?

Para mim, esta é a melhor cena de Zé do Caixão. (Infelizmente, não sei dizer se o humor dela é ou não voluntário. Tentei conversar a respeito uma vez com José Mojica, durante um festival de cinema, mas fomos interrompidos por uma horda de fãs. E ele, ao contrário do personagem, não fugiu para a floresta. Eu fugi.) Enfim, sempre que me vejo em meio a uma discussão XYZ com um cético sistemático qualquer — porque, modéstia à parte, cético metódico sou eu (informe-se) — esta cena do filme Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967) me vem à mente. Para certas pessoas, as provas não valem de nada, por mais contundentes e chamuscantes que sejam.

Assista a partir de 1h:40m:00s até 1h:44m:05s. (Basta clicar neste link e o vídeo já estará no ponto. Não se esqueça: assista-o por quatro minutos.)

E você? [Olhe o Zé apontando para você.] Que tipo de cético você é?
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Publicado no Digestivo Cultural.

Scott McKenzie e o sonho

Dia 18 de Agosto, faleceu Scott McKenzie, intérprete da canção “San Francisco (Be Sure to Wear Flowers in Your Hair)”, composta por John Phillips (The Mamas & the Papas). Essa música me lembra uma conversa que tive, sobre as raves que frequentei no final dos anos 90, com o falecido escritor José Luis Mora Fuentes. Na ocasião, Mora Fuentes me disse: “Uê, Yuri, essa festa que você está me descrevendo é idêntica às festas do final dos anos 60. Só a música é outra”. De fato, comecei a prestar atenção às raves e notei que eram “Woodstocks eletrônicas”. Já que os shows de rock haviam se transformado no tipo de evento em que apenas os músicos pareciam estar no centro do universo, as raves apareceram para substituí-los. Ali, todo mundo parecia estar no centro. Qualquer um que estivesse numa das primeiras XXXperience ou Avonts sentia uma nova vibração no ar, sentia que fazia parte de algo novo. Mas, assim como os anos 60 dessa música, hoje sinto que tudo se desmanchou no ar novamente: The dream is over – again!. Ora, forma sem um conteúdo realmente sólido – por mais inebriante que se apresente – é saco vazio que não pára em pé.

Permanecem as lembranças, tal como as vazias conchas da praia…

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Publicado no Digestivo Cultural.

Hilda Hilst na TV Cultura: “Este livro é uma banana”

O Caderno Rosa de Lori Lamby não é um livro, é uma banana que estou dando para os editores, para o mercado editorial.” — Hilda Hilst.

Entrevista concedida em 1990.

Paul Johnson fala sobre Cristóbal Balenciaga

Balenciaga


Trecho do livro Os Criadores, de Paul Johnson:

De todas as pessoas criativas que encontrei, Cristóbal Balenciaga (1895-1972) foi a mais dedicada à criação de coisas belas. (…)

Entre os mestres da moda parisiense provenientes de outros países, Balenciaga era o maior. Na verdade, muitos o consideram o costureiro mais original e criativo da história. E era um verdadeiro costureiro, não apenas designer de moda: ou seja, criava o modelo, cortava, costurava, provava e fazia o acabamento das roupas, e alguns de seus melhores vestidos eram feitos inteiramente por ele. (…)

Nunca comentou o trabalho de outros costureiros. (…)

Ele considerava a costura uma vocação, como o sacerdócio, bem como um ato de devoção. Sentia que adornar a forma feminina, que Deus fizera tão bela, era uma maneira de adorar a Deus. Sua abordagem era reverencial, na verdade sacerdotal. (…)

A Maison Balanciaga era como uma igreja, na verdade um monastério. Marie-Louise Bousquet disse: “Era como entrar num convento de freiras saídas da aristocracia”. Courrèges, que trabalhou lá, descreveu a atmosfera como “monástica tanto no sentido arquitetônico quanto no sentido espiritual”. (…) todas as entradas eram guardadas por mulheres fortes. (…)

Não fazia questão de usar artifícios para conquistar a popularidade. Nunca concedeu entrevistas (exceto uma, ao Times de Londres, ao decidir se aposentar.) Não frequentava a sociedade. (…) Tinha as maneiras de um antigo cardeal do Papa Pio XII. (…) Jamais elevou a voz. Na verdade, o silêncio era a sua norma. Ungaro disse: “Havia nele algo de nobre”. (…) Dizia-se que ele não gostava de mulheres, mas não há sinais de que gostasse delas menos do que gostava dos homens. Via-as como cavalos de corrida: “Devemos vestir apenas as puro-sangue”. Costumava citar Salvador Dalí: “Uma mulher verdadeiramente distinta muitas vezes tem um ar desagradável”.

No entanto, costurava para mulheres. Seu princípio fundamental como costureiro era fazer as mulheres felizes. “Ele gostava de fazer uma duquesa de 60 anos parecer ter 40, e a esposa de um comerciante milionário parecer uma duquesa.” (…)

Balenciaga acreditava que suas roupas, quando usadas adequadamente (e era raro uma cliente não seguir suas regras), levavam suas portadoras a uma supercultura sem classes, celestial e infinita, na qual o corpo da mulher, ainda que velho ou com alguns defeitos, estabelecia o que ele chamava de “casamento místico” com suas roupas. (…)

Mas em 1968 (…) ele vinha se tornando uma figura cada vez mais desiludida e melancólica. Os acontecimentos de 1968 – a revolta dos estudantes que a todos parecia um novo começo – foram considerados por ele como uma exibição de selvageria, um ataque à civilização, visão que compartilhava com o perceptivo filósofo Raymond Aron e que demonstrou estar certa. (…) Mas seu coração já não estava mais ali e ele acabou chegando à conclusão de que as novas políticas fiscais e trabalhistas tornavam a administração de seu negócio cada vez mais desagradável. Abruptamente, como de Gaulle, aposentou-se, fechou a maison de Paris (não havia sucessor possível) e voltou para a Espanha. Morreu em 1972, triste e solitário, um grande artista derrubado pelos anos, uma das muitas baixas da insensatez da década de 1960 – junto com instituições como a Sociedade de Jesus, a universidade de eruditos e cavalheiros à moda antiga, as regras tradicionais de decoro sexual, a reticência artística e muito mais.

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Publicado no Digestivo Cultural.

Conexões Musicais

Nos meus cinco anos de Brasília – mais especificamente no alojamento da UnB (1992-1997) – aprendi com alguns roomies (entre eles alguns músicos) que uma das coisas interessantes do aprendizado artístico é rastrear as influências e o percurso dos nossos, digamos, mestres. Lembro, por exemplo, do meu espanto ao saber que Jimi Hendrix havia sido guitarrista de Little Richard. (No início, sempre acreditamos que gênios florescem sozinhos.)

Eis outro exemplo interessante. Este é Nat King Cole, um dos ídolos do meu pai:

Nat King Cole também apresentou um programa musical na TV. Neste episódio, divide as atenções com um garoto de 11 anos de idade:

Anos depois, já crescido, e ainda ao piano, o garoto subiu no telhado. Com uma banda chamada The Beatles (ele aparece ao fundo, à esquerda):

Mais tarde, Billy Preston, o ex-garoto prodígio, assumiu o comando de sua carreira:

E ele nos deixou apenas alguns anos após homenagear George Harrison:


Você talvez não acredite, mas eu, sim, creio que ainda irei assistir ao show desses caras em uma das futuras moradas além desta província terráquea. Halleluya!

Boa semana.

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Publicado no Digestivo Cultural.

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