palavras aos homens e mulheres da Madrugada

Cinema e armas: John Huston e a vida numa colméia cinematográfica

John Huston

Quem já dirigiu um filme sabe que dificilmente irá escapar dos mil e um conflitos que costumam surgir entre os membros da equipe e os do elenco. Há sempre uma picuinha, uma invejinha, uma fofoquinha, uma conspiraçãozinha e demais infernidades que podem colocar tudo a perder. (E, se não colocam tudo a perder, ao menos deixam o saco do diretor bastante dolorido.) Sim, o set de filmagem não é senão um microcosmo a refletir o estado da sociedade que pariu toda essa gente. E é por isso que gostei tanto da solução encontrada pelo diretor John Huston (1906–1987) quando das filmagens de The Night of Iguana (1964): preocupado com a possibilidade e com as conseqüências de uma tal desordem em seu longínquo set — uma praia mexicana cuja distância da civilização impedia uma logística adequada –, e logo no primeiro dia, o irônico e ousado cineasta presenteou cada membro do elenco com uma caixa contendo uma pistola (de verdade!) cujas balas (reais!) continham gravados os nomes dos demais atores em seus cartuchos. Ou seja: cada ator era, desde o início das gravações, e em último caso, um cabra marcado para morrer…

Os membros da equipe técnica, em geral bem mais realistas do que os atores, costumam sossegar com o velho e bom dinheiro — seu profissionalismo está sempre acima da vaidade –, o que explica por que no pobre Brasil eles enchem tanto o saco e por que, nos ricos Estados Unidos, trabalham numa boa sem atrapalhar a ordem e sem violar a hierarquia. Mas quando se trata do ego dos atores… ah, o ego… O mero dinheiro não pode com ele!

Os defensores do desarmamentismo certamente esperariam testemunhar um massacre hollywoodiano dos mais sangrentos nesse set mexicano. Ou melhor: nesse set hustoniano. Mas a questão é que, pela primeira vez na vida, John Huston conseguiu o mais pacífico e tranqüilo dos ambientes de trabalho! Ora, quem é que iria arranjar confusão numa colméia cinematográfica onde cada ator possuía seu próprio ferrão? Locos, pero no tontos! Enfim, palmas para esse mestre, palmas para esse grande conhecedor, não apenas do cinema, mas também da natureza humana. (Hoje em dia, o coitado seria crucificado pelos politicamente corretos…)

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2 Comments

  1. disqus_g0c8V0G7nn

    Uma solução exótica para problemas corriqueiros. Muito boa. Gostaria de tecer uma opinião que não tem muito a ver com a temática exposta acima. É sobre a metodologia de escolha dos ministros do STF:

    Ainda que os governos sejam eleitos dentro dos trâmites legais, eles não conseguem obter a totalidade dos votos, e no tocante a várias pautas, há muito dissenso, e um bom estrato populacional fica sem, digamos- não é o sentido mais certo do termo-“ representação”. Obviamente que se deve haver predomínio de critérios técnicos na decisão dos processos,entretanto quando os mesmos chegam ao STF, é porque eles, muita das vezes, não ficaram tão evidentes ao juízes das demais instâncias; e por justamente serem de difícil consenso, uma sutileza de pensamento, em certa medida, pode fazer diferença, pois se não teríamos também unanimidade em todas as decisões do STF.
    Estive lendo algumas matérias sobre a parte de política dentro do seu site, mas tive medo de que se comentasse em outra parte você não o visse. A entrevista do Mário Vargas Llosa é fenomenal. Gostaria de saber o que você acha sobre o tema. Já vi um artigo seu pro Midia Sem Mascara- O Rolex e o Celular- que achei de uma perspicácia ímpar. Bem que você poderia sugerir também que o tema fosse abordado pelo Midia Sem Máscara. Abraços.

  2. disqus_g0c8V0G7nn

    Uma solução exótica para problemas corriqueiros. Muito boa. Gostaria de tecer uma opinião que não tem muito a ver com a temática exposta acima. É sobre a metodologia de escolha dos ministros do STF:

    Ainda que os governos sejam eleitos dentro dos trâmites legais, eles não conseguem obter a totalidade dos votos, e no tocante a várias pautas, há muito dissenso, e um bom estrato populacional fica sem, digamos- não é o sentido mais certo do termo-“ representação”. Obviamente que
    se deve haver predomínio de critérios técnicos na decisão dos processos,entretanto quando os mesmos chegam ao STF, é porque eles, muita das vezes, não ficaram tão evidentes ao juízes das demais instâncias; e por justamente serem de difícil consenso, uma sutileza de pensamento, em certa medida, pode fazer diferença, pois se não teríamos também unanimidade em todas as decisões do STF.
    Estive lendo algumas matérias sobre a parte de política dentro do seu site, mas tive medo de que se comentasse em outra parte você não o visse. A entrevista do Mário Vargas Llosa é fenomenal. Gostaria de saber o que você acha sobre o tema. Já vi um artigo seu pro Midia Sem Mascara- O Rolex e o Celular- que achei de uma perspicácia ímpar. Bem que você poderia sugerir também que o tema fosse abordado pelo Midia Sem Máscara. Abraços.

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