Em 1997, por indicação da minha amiga Monica Fernandes, consegui trabalho na Chroma Filmes, ex-Adrenalina Filmes, uma produtora de cinema paulistana, na qual assumi a posição de assistente de produção. Trabalhei em menos de uma dezena de filmes publicitários porque, mais tarde, em 1998, eu e alguns amigos abrimos nosso próprio estúdio. Mas, dentre todos os filmes em que trabalhei na Chroma, o de que mais me lembro foi um comercial de chiclete. (Não consigo encontrar nenhum dos filmes no YouTube, provavelmente porque a produtora não existe há anos e também porque já há outras produtoras homônimas.) Enfim, o caso é que passamos uns dois dias rodando o comercial no Clube de Regatas Tietê, cujo protagonista era um time de basquete espantoso que mais parecia uma versão local dos Harlem Globetrotters: aqueles caras gigantes, todos negros, não erravam uma bola!
Após gravar as cenas de jogo, as cenas da platéia — na qual eu mesmo tive de participar como figurante, com um pseudo-entusiasmo nascido da minha pungente necessidade de dinheiro — chegou o momento de rodar as cenas de primeiro plano, as quais incluíam a de um jogador que deveria inflar uma enorme bola com a goma do chiclete. (O chiclete, aliás, ao sair do pacote, tinha o formato de uma bola de basquete, incluindo a divisão em gomos. Seu interior, como a do concorrente mais famoso, tinha um líquido viscoso adocicado, o qual, nas cenas de detalhe, foi simulado com xampu, corante e mel, já que no lugar do chiclete, nessa ocasião, foi utilizado um mocape do tamanho de uma bola de futebol, mocape esse criado por um japonês formado em engenharia naval.)
Voltando… a questão é que nenhum dos jogadores selecionados conseguia fazer uma bola convincente com o chiclete! E isso simplesmente porque o chiclete era uma boa porcaria. Partiu-se então para os mais diversos substitutos: três chicletes ao mesmo tempo, chicletes concorrentes, bexigas de borracha, etc. mas nada dava certo. Na época, não havia computação gráfica no Brasil com qualidade suficiente para enganar o público e satisfazer o Odorico Mendes, diretor do comercial. E então alguém teve a grande idéia:
— Por que não usamos uma camisinha?
— Sim, concordou o diretor, pode dar certo.
E então, claro, sobrou para o coitado do assistente de produção, eu, ir comprar uma camisinha que deveria ter a ponta arredondada — sem aquele apêndice que visa conter o esperma — e o principal: deveria ser cor-de-rosa. Fui até a van (ou seria uma Kombi?) e saí com o motorista nessa busca frenética, deixando todo um set de filmagens de braço cruzado a me aguardar com aquela paciência áspera e fatal que só os profissionais de São Paulo conhecem. (E é por isso que o nome Adrenalina era muito mais condizente com a produtora do que o agradável Chroma.) Passamos por umas três farmácias que só possuíam as tradicionais Jontex e Olla “cor da pele” — informação essa que passei ao motorista, que se irritou, porque era um negro de dois metros de altura, com um torso de geladeira — e, finalmente, numa quarta farmácia, após deixar o gaiato, porém irritado, motorista na van, vi-me de repente cercado por prateleiras com as mais diversas marcas de camisinhas. Já fui logo dizendo à atendente:
— Qual dessas é cor-de-rosa?
Ela me encarou de um jeito estranho, suspicaz, como se eu fosse um fetichista de um tipo inédito:
— Não sei. Mas deve estar escrito nos pacotes, não?
E, apressado, comecei a ler rótulo por rótulo, abrindo alguns que tinham a embalagem rosada e me decepcionando com o resultado:
— Você vai pagar por essas.
— Claro que vou. Vai separando aí.
Lá pelas tantas, após um intervalo de tempo que pode ter sido tanto de cinco quanto de quinze minutos — já estava imaginando a bronca do diretor e por isso o tempo se dilatava —, entrou na farmácia o negão de dois metros de altura com torso de geladeira tamanho família:
— E aí, Yuri? Já comprou a camisinha? Eu tenho que cumprir o horário, não posso ficar tanto tempo por conta.
A vendedora, o farmacêutico, os demais fregueses, enfim, todos arregalaram os olhos e nos observaram com um silêncio dos mais constrangedores e inconvenientes, alguns com uma ruga na testa, fruto de alguma cena imaginada a contragosto. Por que aquele rapaz franzino e tímido estava comprando camisinhas acompanhado por um negro enorme?
Olhei irritado para o sujeito:
— Por que você não esperou lá na van? Devia estar com o motor ligado.
— Eu tô com o motor ligado.
Olhei para fora e vi que, de fato, o maluco tinha largado o carro ligado junto ao meio-fio. Mas também notei que essa declaração dele fez com que algumas pessoas olhassem para a sua braguilha… Isso foi o suficiente para me deixar roxo de raiva. E de vergonha, claro. Felizmente, para meu alívio, dez segundos depois encontrei uma marca importada cuja camisinha era cor-de-rosa, de ponta arredondada e que ainda tinha sabor morango.
— Perfeita! — disse o motorista, aumentando o meu constrangimento e a minha irritação.
Paguei por todas as camisinhas cujo pacote abri, pela escolhida e corremos para o Clube de Regatas. Estava com mais pressa de sair dali do que de chegar ao set de filmagens. Uma vez no set, a chefe de produção, ao me ver, fechou a cara e correu na minha direção:
— Porra, meu! Finalmente! O Odorico já tava querendo o meu fígado.
— Ele vai curtir essa aí — respondi, entregando o pacote para o assistente de direção, que viera atrás dela.
Assim que o assistente saiu, ela se virou novamente para mim e, num tom meio aliviado, meio seco, disse:
— Beleza. Cadê as notas?
Arregalei os olhos e comecei a suar frio: eu esquecera as notas fiscais! Limitei-me a sacudir a cabeça negativamente e a mostrar as mãos vazias. Para quê… a mulher soltou os cachorros em mim, gritando histericamente, o que atraiu as atenções de todo o ginásio. Lembro que os epítetos mais elogiosos foram “burro” e QI Zero”.
— Como é que eu vou justificar esse gasto no orçamento agora? Vou descontar do seu cachê!
Concordei e fiquei xingando-a por dentro. Eu nunca esquecera as notas fiscais antes, mas era a primeira vez que trabalhava com ela. Não disse nada. De que adiantaria dizer que o negão de dois metros de altura atrapalhara minha concentração lá na farmácia? Naquela época eu era tremendamente tímido e não tinha o menor jogo de cintura em situações desse gênero. Hoje em dia, eu até me viraria para o cara e diria na frente de todos: “E aí, Zezão? Acha que essa cabe em você? A minha eu já achei: e é muito maior que a sua”. Em suma: vivendo, se fodendo e aprendendo.