(…) Levo as coisas com paciência, na falta de outro modo de suportá-las, mas esta contínua contrariedade com os modelos é bem irritante. Espero fazer esses dias um estudo de loureiros-rosa. Se pintássemos polidamente Bouguereau, as pessoas não teriam vergonha de se deixar pintar; mas creio que o fato de acharem que o que eu faço é “mal feito”, que não é mais que quadros cheios de tinta, me fez perder muitos modelos. Então as honradas putas têm medo de se comprometer e de que zombem de seus retratos. E há com o que quase se desanimar, quando sentimos que poderíamos fazer tantas coisas se as pessoas tivessem um pouco mais de boa vontade. Não posso me resignar a dizer que “as uvas estão verdes”, não me consolo por não ter mais modelos.
Enfim, é preciso ter paciência e voltar a procurar outros…
E se, quando jovens, podemos acreditar que pelo trabalho assíduo podemos satisfazer nossas necessidades, isto atualmente torna-se cada vez mais duvidoso. Disse de novo a Gauguin, em minha última carta, que se pintássemos como Bouguereau poderíamos esperar ganhar alguma coisa, mas que o público jamais mudará, e só gosta de coisas suaves e polidas. Tendo um talento mais austero, não se deve contar com o produto do próprio trabalho; a maioria das pessoas inteligentes o suficiente para compreender e gostar dos quadros impressionistas são e continuarão a ser pobres demais para comprá-los. Será que Gauguin ou eu trabalharemos menos só por causa disto? Não – mas seremos obrigados a aceitar a pobreza e o isolamento social como coisas inerentes. E, para começar, instalemo-nos aonde a vida for mais barata. Tanto melhor se o sucesso vier, tanto melhor se algum dia pudermos viver mais folgadamente.
O que me toca o coração na obra de Zola é esta figura de Bongrand-Jundt.
É tão verdadeiro o que ele diz: “Acreditam, infelizes, que quando o artista conquistou seu talento e sua reputação, passa a estar ao abrigo? Pelo contrário, a partir de então fica-lhe proibido produzir algo que não seja totalmente bom. Sua própria reputação o obriga a cuidar tanto mais de seu trabalho, quanto as chances de venda se rarefazem. Ao menor sinal de fraqueza, toda a malta invejosa lhe cai em cima e destrói exatamente essa reputação e essa fé que um público inconstante e traiçoeiro momentaneamente teve nele”.
Mais forte que isto é o que diz Carlyle:
“Conheceis aqueles vagalumes que no Brasil são tão luminosos, que à noite as damas fincam com alfinetes em suas cabeleiras; a glória é muito boa, mas, vede, ela é para o artista o que o alfinete é para esses insetos.
“Quereis triunfar e brilhar; sabeis exatamente o que estais desejando?”
Ora, eu tenho horror ao sucesso, receio a ressaca de um sucesso dos impressionistas, os dias já difíceis de hoje nos parecerão mais tarde ter sido “os bons tempos”.
Pois bem, Gauguin e eu temos que nos prevenir, temos que trabalhar para ter um telhado sobre a cabeça, camas, enfim, o indispensável para agüentar o cerco do fracasso, que durará por toda nossa existência, e temos de nos fixar no lugar mais barato. Só então teremos a tranqüilidade necessária para produzir bastante, mesmo vendendo pouco ou não vendendo nada…
Concluo: viver mais ou menos como monges ou eremitas, tendo o trabalho como primeira paixão, com a resignação do bem-estar. (…)
Agosto de 1888
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Cartas a Théo, de Vincent Van Gogh