Se ainda estivesse neste mundo, Hilda Hilst completaria hoje 86 anos de idade. Em sua homenagem, seguem abaixo alguns links de relatos sobre a época em que dividimos o mesmo teto. (¿Por que “La Blanca”? Porque, no inverno, graças a meu longo gorro de lã, Hilda me chamava de Dunga e eu, em retribuição, a chamava de Blancanieves.) Espero que você tenha razão, Hilda, e que a transcomunicação seja uma realidade onde você está: vai que você tem acesso ao que escrevemos aqui… (Sugestão para o Zuckerberg: curtidas do Além.)
Em seu livro Psicologia, escreve o filósofo Mário Ferreira dos Santos:
“…a consciência é gradativa; apresenta uma infinidade de graus.
“Acentuava William James que as naturezas geralmente emotivas, muito acessíveis aos movimentos afetivos, podem caracterizar-se, em linhas gerais, por um mais alto grau e por um campo mais estreito de consciência, que os não-emotivos.
“Reduzindo a extensidade, aumenta-se a intensidade, eis uma lei que registramos em todo o existir tempo-espacial.
“O fato de sempre necessitar o homem um campo mais amplo de atividade, levou-o a dispersar mais a sua consciência atencional.
“A mulher sempre esteve mais ligada à moradia. Enquanto o homem tinha maior campo de ação e por isso generalizava mais, a mulher, por estar mais perto da singularidade dos fatos, captou melhor o heterogêneo. Por isso, é ela mais intuitiva que o homem, sendo este mais racional.”
Psicologia, Mário Ferreira dos Santos, Editora Logos, 5ª edição, 1963.
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Agora que a mulher leva uma vida semelhante à do homem, não se espante por vê-la sempre a meter-se em enrascadas sentimentais — culpando um suposto “dedo podre” — e a vê-la, tal como um homem, incapaz de notar que a amiga tem um corte novo de cabelo ou que o cônjuge tem mais problemas do que se imagina. A “caracterologia” e a atenção em profundidade, tão dependentes da intuição intensista, já não são dons femininos — por outro lado, se ainda são dons naturais, estão reprimidos.
Antes de alguém vir criticar o texto acima, lembre-se de que Mário Ferreira dos Santos certamente tinha uma compreensão mais profunda dos conceitos de “extensidade”, “intensidade”, “generalização”, “razão”, “singularização”, “intuição”, “homogêneo”, “heterogêneo”, e assim por diante, do que julga a vã filosofia de quem nunca levou a sério a filosofia.
Comentei a respeito durante o II Encontro de Escritores na Virginia, mas não sei se tratei do assunto aqui: se Dilma Rousseff tivesse nascido nos EUA, um país que a duras penas, graças à sua Constituição e à força da tradição judáico-cristã, ainda mantém algum nível de sanidade social, ela teria sofrido o mesmo destino da personagem Merry, filha do “Sueco”, do livro Pastoral Americana, de Philip Roth: uma terrorista de esquerda que apenas destrói a própria família e enlouquece. Só mesmo um país enlouquecido por anos de doutrinação comunista, bombardeado por valores progressistas ‘made in Escola de Frankfurt’, por bizarrices culturais cínicas e niilistas, como o Brasil, para enxergar uma sanidade inexistente em tal mulher e, por cima de tudo, elegê-la presidente da república. Dilma, se vista pelo microscópio da inteligência literária, não passaria de uma ameba revolucionária sem um pingo de virtude na alma.
Só mesmo uma pessoa dotada de má consciência ainda tem a ousadia de defendê-la.
Tempos atrás participei de um encontro literário na Casa Mário de Andrade, em São Paulo, onde, ao longo de uma semana, debati com outros autores as perspectivas da literatura brasileira neste novo milênio. Foi lá que, entre outros, conheci pessoalmente Elisa Andrade Buzzo, Luis Eduardo Matta, Miguel Sanches Neto, André de Leones, Fabrício Carpinejar e Antonio Prata, com quem, na última noite, dividi uma carona oferecida pela esposa de Julio Daio Borges, organizador do evento. Embora o encontro tenha sido muito interessante — principalmente porque pela primeira vez eu participava de algo do gênero enquanto escritor convidado, e não como leitor —, este relato nada tem a ver com o evento em si, com os demais colegas ali presentes ou sequer com literatura — ao menos não diretamente. O fato é que, justamente no dia em que Daniela Rede, minha bela e auto-proclamada assessora de imprensa, não pôde comparecer, fui abordado ao final do debate daquela noite por um sujeito de ar simultaneamente astuto e simpático.
— Li seu livro — revelou ele, após apertar-me a mão e me cumprimentar pelas intervenções daquela noite.
— ¿Foste tu? — repliquei, sorrindo.
Ele riu: — Escritores brasileiros estão sempre achando que não são lidos.
— Deve ser por causa do xerox das faculdades e dos ebooks piratas — retruquei. — O que o bolso não vê, o coração não sente.
Alto, metido num elegante paletó escuro feito sob medida, em lustrosos sapatos Oxford, exibindo um reluzente Cartier dourado no pulso, óculos de Clark Kent, o cachecol posto à la “forca”, tal como agora se usa — em vez de à la “estrangulamento”, se é que me entendem —, esse cara bem vestido parecia um desses freqüentadores de vernissages que vemos em filmes alemães ou franceses. Com isso, quero dizer que se tratava de alguém que, a despeito de sua aparência de intelectual, também tinha um quê de empresário de sucesso, e nitidamente atraía a atenção feminina circundante. No fundo, ele parecia alguém montado para a ocasião — ou seja, se aquela fosse uma reunião de navegadores, ele teria aparecido em trajes de marinheiro de revista de moda.
— Também acompanho seu blog — tornou ele.
— ¿Você? Pensei que apenas um punhado de universitários lia meu blog.
— Bom, fiquei sabendo desses debates por causa dele.
O sujeito, que se apresentou como Nathan, após tratar por alto de alguns temas sobre os quais eu havia escrito naquela semana, talvez para me provar que realmente era meu leitor, ofereceu-me uma carona até a Vila Madalena, onde residia o amigo com quem eu estava hospedado, e também me perguntou se eu não queria aproveitar os bares da região para beber alguma coisa. ¿Carona e drinques ofertados por alguém que comprou meu livro? Claro que aceitei.
— ¿Sua mulher não veio com você hoje? — perguntou quando nos dirigimos à porta da frente.
— Não, não veio. E ela, infelizmente, não é minha mulher.
— Uma linda garota. Eu a vi aqui ontem à noite.
Saímos da Casa. Ele tinha um desses Jeeps Cherokee blindados, uma mania entre os endinheirados paranóicos de São Paulo, pois, apesar de pesados e de beberem feito loucos, em nosso restrito mercado eram os mais indicados para sobreviver à guerrilha urbana de todos os dias. Lá dentro, no banco de trás, muitos livros empilhados.
— Você por acaso não é um editor… ¿ou é?
— Não, não. — E vendo meu desapontamento involuntário: — Não precisa fazer essa cara. Você logo logo terá um bom editor. Basta esquecer um pouco os contos e escrever um romance.
— Ou arranjar um agente literário — acrescentei.
— Um agente, não! Uma agente — e Nathan sorriu.
Quando ainda percorríamos a avenida Pacaembu, ele começou a entrar no assunto que realmente lhe interessava:
— ¿Yuri, você já trabalhou como ghost-writer?
— Não e, sinceramente, nunca tive interesse. Gosto de assumir o que escrevo. Prefiro publicar algo ruim com meu nome do que publicar uma obra prima anonimamente. Coisas do ego.
— Entendo. Mas você não se importaria de aconselhar quem nunca escreveu um livro, ¿não é?
_____ ATENÇÃO: O conto, que me parece muito longo para o blog, continua aqui.
Aos dezesseis anos de idade, li maravilhado o livro “Cosmos”, do astrofísico Carl Sagan. Apesar de realmente ter assimilado todas aquelas informações científicas — eu era um nerd que tirava dez sobre dez nas provas de física — um dos trechos que mais me impressionaram, e de que jamais me esqueci, foi a dedicatória à sua esposa: “Para Ann Druyan — Diante da vastidão do espaço e da imensidade do tempo, é uma alegria compartilhar um planeta e uma época com Annie”. Um cientista romântico!, pensei então. Quantas vezes ouvimos no colégio que um cientista também pode ser um romântico? E quantos cientistas usam e abusam de epígrafes retiradas de livros sagrados ou de relatos mitológicos? Carl Sagan, com seu tom agnóstico e sentimental, conquistou minha simpatia e minha admiração naquela época. E também me lembro de que, enquanto lia seu livro, imaginava a voz de seu dublador brasileiro da série Cosmos a falar em minha cabeça. E essa imagem, de amar uma determinada mulher em meio ao sem-fim de mulheres possíveis, colou-se na minha imaginação: seria realmente possível? Como o tempo e o espaço condicionariam um tal amor?
Dez ou doze anos mais tarde, vencido pela insistência de alguns amigos, li “Paulo e Estevão”, uma biografia romanceada de São Paulo cujo verdadeiro autor não me interessa: Chico Xavier? Seu mentor Emmanuel? E daí? O livro é excelente e, centrado na trama e nos personagens, não se perde em doutrinação ou apologia espíritas. A despeito de possíveis incongruências históricas, trata-se duma obra literária honesta, ponto. Ninguém seria capaz de desmerecer as tragédias e dramas históricos de Shakespeare por conta de seus remendos. A falta de dados e a necessária consistência estética assim o exigem! Ninguém, em sã consciência, tampouco acusaria Shakespeare de apologia ao espiritismo por conta do fantasma do pai de Hamlet. Enfim, a que pese a moral e os costumes judáicos, a maneira como o romance de Chico Xavier justifica a postura pessoal de Paulo diante da castidade, defendida por ele em suas epístolas, é artisticamente verossímil. Saulo (Paulo) teria ficado noivo de Abigail, irmã de Jesiel — mais tarde batizado por São Pedro como Estevão —, sem conhecer essa ligação familiar. A própria Abigail só teria reconhecido o irmão, supostamente prisioneiro das galés no Mediterrâneo, no rosto do grande inimigo de seu noivo caçador de cristãos no dia da execução de Estevão. Quando Saulo se dá conta de que havia condenado à morte o irmão da mulher amada, o mesmo homem que a ela o futuro apóstolo jurara resgatar nos confins do mundo, cai numa tremenda crise. Incapaz de encarar a noiva, afasta-se. Nesse ínterim, ela adoece e morre. Quando Saulo decide que ainda a quer, é tarde demais, o tempo o venceu. Ele, que já odiava os cristãos por serem uma ameaça ao judaísmo, passa a odiá-los como aqueles que também arruinaram sua vida pessoal. O resto é história.
Nas epístolas — perdão, não sou desses que memorizam capítulos e versículos —, Paulo discorre sobre a castidade como sendo análoga à espera tranqüilamente suportada pelo noivo e pelo viúvo. Ambos se guardam enquanto o tempo os afasta do anelado reencontro. Já o hermetista cristão Valentin Tomberg ressalta que a castidade não é uma fuga ao sexo ou ao matrimônio: é, sim, vencer em seu próprio interior a “pulsão de caça ao outro” e, por isso, mesmo uma pessoa casada e sexualmente ativa deve ser casta. A castidade é, pois, paciência, aceitação e amor. A castidade é inimiga da pressa e não deve se deixar enganar pelo tempo.
O dado mais interessante da vida no espaço-tempo é que, conforme essa vida transcorre, o tempo se contrai. Na infância, o tempo tem a dimensão da eternidade, amplo como o mundo. Mesmo um homem de 90 anos de idade confirmará que seus doze primeiros anos correspondem, no fundo, à metade da sua vida. Para uma criança, a espera de um mês é uma longa espera. E tal impressão não se desvanece de uma hora para outra. Aqueles primeiros anos de eternidade relativa permanecem na mente de todo adulto. Uma paixonite infantil pode condicionar, em geral de modo inconsciente, centenas de paixões da maturidade: uma mulher com o mesmo olhar daquela coleguinha de escola, o mesmo sorriso, os mesmos lábios fartos constantemente entreabertos… Enfim, conforme os anos passam, contraem-se, e um ano torna-se uma medida diferente para quem tem quarenta anos de idade e para quem tem vinte. Se uma pessoa de quarenta anos permanece cinco anos sem falar com alguém, é como se tivessem conversado ontem. Para alguém de vinte e poucos anos, ficar sem contato com alguém por cinco anos é como ter permanecido distante por uma eternidade, afinal, cinco anos correspondem a 25% do seu tempo de vida. (E, por isso, homens maduros, se vocês prometerem a uma moça que irão lhe telefonar, telefonem em até duas semanas e não depois de seis meses!)
O tempo, portanto, pode ser um vilão para pessoas apressadas que, apesar da grande diferença de idade, apaixonam-se uma pela outra. Outro dia, meu pai me mostrou no YouTube uma música que, enterrada no subsolo da minha mente, causou-me comoção: “Non ho l’età”, interpretada por Gigliola Cinquetti. A melodia me trouxe aquela dura nostalgia da infância. Foi como me ver novamente aos pés da minha mãe enquanto ela ouvia ao rádio e trabalhava ou na cozinha ou em seus quadros. Mas da letra da música, em italiano, eu não sabia absolutamente nada, não fazia idéia… E essa letra me trouxe outra dura nostalgia, outra mais recente, mais vívida. E o choque entre ambas as nostalgias me abalou a alma, como se eu tivesse finalmente desvendado um vaticínio que me chegara cedo demais, já que, em criança, eu não possuía ferramentas para penetrar sua criptografia. E isso, claro, também me lembra outro caso da Hilda Hilst.
Quando Hilda tinha 69 anos de idade, recebeu a notícia — ao menos me lembro do ocorrido desta maneira — da morte da mulher de um antigo namorado, Paes Barreto, o mesmo homem que inspirou seus poemas do livro “Trovas de muito amor para um amado senhor” (1960). Quando se conheceram nos anos 1950, Paes Barreto era cerca de vinte anos mais velho e já era casado. Ainda assim, eles se apaixonaram e viajaram juntos. Hilda me disse que Paes Barreto pretendia separar-se da esposa para se casar com ela, mas Hilda, apesar de tentada, pois realmente o amava, não queria o carma de ser a destruidora de uma família — e então o rejeitou, afinal, ainda havia todo o tempo do mundo. Ela me confessou que se arrependeu diversas vezes dessa decisão ao longo da vida, pois, além de Paes Barreto, nenhum outro homem a tratou com tanto respeito, carinho e paixão, nenhum outro homem a compreendeu tão bem. Rindo, ela me dizia que a esposa de Paes Barreto, nos anos seguintes, já ciente daquele caso findado, sempre rasgava os jornais quando saía alguma notícia sobre Hilda e seus livros. Ao menos era o que lhe segredavam amigas comuns. E, na ocasião daquele falecimento, ciente de que já não havia um casamento a atrapalhar, Hilda me pediu para encontrar o telefone de Paes Barreto, com quem já não conversava havia mais de vinte anos. Descobri o número e, sabendo que Hilda não se incomodava nem um pouco em dividir sua intimidade comigo, permaneci no escritório enquanto conversavam. Na verdade, eu fiz a ligação e o avisei: “Senhor Paes Barreto? Um telefonema da parte de Hilda Hilst” e passei o aparelho para a poeta.
— Barreto? É Hilda! (Pausa.) Sim, meu querido, eu sei, eu sinto muito. (Pausa.) É verdade, me desculpa. (Pausa.) Eu também tenho muitas, muitas saudades… Não chora.
Nesse momento, Hilda começou a chorar compulsivamente, causando-me grande constrangimento. Não queria incomodá-los, senti que era um momento muito importante, íntimo, e me levantei, dirigindo-me à porta do escritório, de onde ainda a ouvi dizer:
— Eu também, Barreto, eu também. Eu te amo muito, meu querido!
Paes Barreto, salvo engano, faleceu dois anos depois. Não chegaram a se reencontrar. Não na Terra, pois Hilda faleceu seis anos depois. Neste mundo, o tempo se contrai e, se para a jovem Hilda aquele homem mais velho era muito mais velho, agora estavam ambos igualados pela morte. Nem todo mundo tem a sorte que Carl Sagan teve de — além de encontrar numa mesma pessoa um grande amor e uma alma afim — compartilhar com ela uma época e um planeta como um casal.
Marina Di Vicenzi, Hilda Hilst e Paes Barreto, 1959.
No WhatsApp:
— Tá pronta? Já posso te buscar?
— Não, tô fazendo a unha.
Uma hora depois:
— Tá pronta? Já posso te buscar?
— Não, tô fazendo a unha.
Duas horas depois:
— Tá pronta? Já posso te buscar?
— Não, ainda tô fazendo a unha.
Três horas depois:
— Tá pronta? Já posso te buscar?
— Não, continuo fazendo a unha.
— Caramba, quantas unhas você tem?
— 19.
— OK. 🙁
Thiago Dias, parceiro de trampo, atrapalhou minha vida de tio. Ontem estávamos escrevendo um roteiro de publicidade a quatro mãos, um roteiro para uma loja de moda das mais chiques (com direito a Costanza Pascolato e Lala Rudge como protagonistas), e então, entre as referências de música e direção de arte, ele me mostra aquele clipe do Robin Thicke, Blurred Lines… Cacetada! O problema é que minha sobrinha de 7 anos sempre aparece por aqui depois da escola e me pede para colocar iCarly no Netflix. E não é que a modelo Emily Ratajkowski, a ‘brunette’ do vídeo clipe, é atriz coadjuvante na tal série? Fedeu-se. Acabou minha ‘suspension of disbelief’. Não vou mais acreditar na inocência das personagens do iCarly…