palavras aos homens e mulheres da Madrugada

Categoria: Esportes

Obrigado, Sylvester Stallone!

Comentei no grupo do Garganta de Fogo (WhatsApp) que eu havia chorado recentemente ao rever tanto Rocky quanto Rocky II — e eles pensaram que eu estivesse brincando! “Choro assistindo a Masterchef”, respondeu um dos meus amigos. Bom, o fato é que eu estava falando MUUUITO sério. Eu havia assistido a ambos os filmes apenas na infância e, para mim, não passavam de duas historietas similares — e das mais simplórias e apelativas — sobre um boxeador que se supera e vence, em ambas, o mesmo brutamontes sem coração. Ou seja, fazia décadas que não via esses filmes e minha lembrança deles, no fundo, estava totalmente contaminada pelas besteiras modernetes e pós-modernetes que assimilamos da mídia e desses professores alienados da vida real e dos valores simples e eternos do povo. Mas Stallone não está isolado da realidade: ele vai diretamente à raiz dos valores tradicionais e, com seu Forrest Gump boxeador, mostra que um paspalho honesto e sincero entende mais do sentido da vida que um bando de intelectuais universitários. E não apenas isso: ele também sabe o que uma mulher significa para um homem e o que um homem significa para uma mulher. As pitadas de melodrama atiradas aqui e ali, ao longo de ambos os filmes, são inteiramente justificadas e, por isso, perdoadas: elas têm um sentido maior, justo e verdadeiro. O cinema brasileiro sairia do buraco se possuísse Stallones roteiristas. A partir de agora sou fã incondicional do Garanhão Italiano. E de Sylvester Stallone, esse gênio pop. Depois desses filmes ele pôde, pode e poderá realizar qualquer besteira cinematográfica, pois ambos o redimirão eternamente. Hilda Hilst tinha razão: se o cinema não emociona, não tem razão de ser. Obrigado pelas lágrimas, Sylvester Stallone.

Diálogo cavernícola inesquecível

Enquanto seguíamos o Sumô, nosso gordo guia japonês — um estudante de geologia da USP —, eu e Daniel Christino, hoje professor na UFG, nos vimos numa tremenda enrascada dentro de uma das cavernas do PETAR, no Vale do Ribeira. Não me lembro se foi na Morro Preto ou se na Água Suja. (Na caverna Santana, foi tudo tranqüilo.) Lá pelas tantas, contornávamos uma imensa parede de rocha tendo um abismo à nossa frente, cujo fundo, se é que existia, desaparecia na escuridão. Íamos por uma trilha muito estreita, rente à parede, dessas que só costumamos ver em filmes do Indiana Jones ou do Senhor dos Anéis. Conforme seguíamos, a parede se inclinava sobre nós e, por isso, tínhamos de ir caminhando cada vez mais encolhidos, até que, por fim, já estávamos agachados e nos movendo de lado, de costas para a parede. A certa altura, para meu espanto, ao olhar para a esquerda, não vi mais o Sumô.

— Cadê você, Sumô?!

— Tô aqui — respondeu, sabe-se lá de onde. — Agora coloca a bunda no chão e vem se arrastando de lado. Tem um patamar aqui. E não olhe para baixo!

“Colocar a bunda no chão?”, pensei. “Isso vai contra tudo o que aprendi sobre escaladas: ‘Nunca coloque a bunda no chão! No ponga las nalgas en el suelo! Se necessário, ande como um caranguejo, etc.'”. Fiquei ali tentando decidir se ia ou não ia, já em posição de caranguejo, claro, quando então meus pés escorregaram e eu me vi realmente de bunda no chão, as pernas balançando sobre o abismo, as mãos salvadoras agarradas a umas saliências de rocha, como se eu estivesse a praticar o exercício de “tríceps na cadeira”. Tenso, de olhos arregalados, a um minuto de distância de entrar em pânico, de repente ouço o Daniel me chamar à minha direita com a maior fleuma deste mundo, como se fosse um lorde inglês:

— Yuri, será que você poderia fazer o favor de salvar a minha vida?

— Quê?! — soltei e, ao olhar na direção dele, o foco da minha carbureteira o iluminou: o cara estava na mesmíssima situação que eu.

— Daniel — comecei, a meio caminho entre o pânico e uma insuportável vontade de rir — salvo, sim, claro. Mas peraí: primeiro preciso salvar a minha própria vida!

Quando nos lembramos dessa história, damos muitas risadas, mas até hoje não consigo me lembrar como saímos da enrascada.

A FIFA e o Islã

Se a FIFA realmente aceitar as reivindicações dos muçulmanos e proibir as comemorações de cunho cristão em campo — sinal da cruz, faixas e camisetas com o nome de Jesus, etc. –, então descobriremos quais jogadores são de fato HERÓIS e GUERREIROS, e quais são apenas bundões muito bem pagos.

Atmosfera

Naquele dia, notei a atmosfera melancólica, quase fúnebre. A UnB praticamente deserta, a biblioteca entregue às traças, o silêncio espraiado por todos os cantos. Sem encontrar vivalma para conversar, passei o dia inteiro retirando os mais diversos livros das estantes. Li horas e horas a fio. Ao caminhar por ali, cruzei com pouquíssimas pessoas, a maioria funcionários, todos cabisbaixos. Somente às 22 horas deixei a biblioteca e me dirigi ao alojamento. Quando entrei no meu apartamento, disse a um colega que o dividia comigo:

— Nossa, o clima hoje tá tão esquisito. Todo mundo tão macambuzio…

E ele: — Ué, você não sabe?

— Não sei o quê?

— Em que mundo você vive, Yuri? O Ayrton Senna morreu!

— Morreu?! Morreu de quê?

— Num acidente, claro. Na corrida de hoje.

Ué, pensei, mas ele não era infalível, quase imortal? Minha primeira reação foi correr até o orelhão e telefonar ao meu pai, que, enquanto falava comigo, chorou copiosamente. Para meu pai, Ayrton Senna também era um filho.

O socorrista J.-J. Mollaret fala sobre viver e morrer na montanha

Yuri Vieira e Fernando Espinoza no vulcão Cotopaxi, de 5890 metros

« A montanha oferece ao homem uma riqueza inesgotável, desde suas vertentes povoadas de bosques até suas cimeiras nuas.

« Quando subimos pelas duras encostas cheias de árvores até alcançar as primeiras áreas nevadas e as primeiras pedreiras, o ruído do mundo vai se atenuando até desaparecer por completo. Então podemos saborear a primeira satisfação – hoje já rara – do silêncio e da solidão. É um silêncio transbordante de vida; é o ritmo surdo, lento e calmo da terra: a gralha imóvel que se deixa levar pelas correntes de ar, a genciana grande e azul que treme ao solo sob o menor sopro de brisa, a pegada de qualquer animalzinho da montanha impressa na neve recente. É a vida tensa e discreta que se oferece ao olhar admirado pelo preço único de se ter subido ali em cima. Outro prazer é o ato de fé que deixa ver a pegada de Deus na imensidade da criação tal como foi concebida.

« Alguns têm o doloroso privilégio de ser os atores do drama da vida e da morte, de encontrar-se durante uns curtos instantes ou ao longo de várias horas ou de dias intermináveis nesse justo limite extremo, fronteira desconhecida, inalcançável e talvez inexistente. De começar a compreender, tragicamente, o porquê da vida que escapa, de lutar desesperadamente para manter essa chama que vacila, que diminui, que quer se elevar de novo para logo apagar-se. A morte não golpeia somente pelo esgotamento, pelo frio ou pelo traumatismo: alguns morrem, já salvos, apenas por lhes faltar a fé, a esperança, a razão de viver. É nestes que de fato ocorrem o drama e a grande impotência dos salvadores.

« Para as cordadas de resgate são muito escassos os cumes que não possuem recordações trágicas. Quantas penas, quantos riscos para arrancar à montanha um ferido, um montanhista em apuros!

« E quando se arranca com sucesso essa presa da montanha, a alegria já não tem medida: uma vida não tem preço. Na maioria das vezes serão desconhecidos, estrangeiros salvos das garras da morte, que, uma vez deste lado da vida, já não verão mais a seus salvadores; alguns deles voltarão para agradecer com um abraço ou com um aperto de mãos a quem lhes devolveu a vida, mas outros não voltarão. No entanto, a alegria pela vitória sobre a morte não está nesse agradecimento, já que ela é interior, incomunicável até aos mais íntimos. É impossível narrar com toda sua expressão a experiência de vida adquirida ao longo de operações e operações de salvamento e de dramas e de dramas na montanha.»

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Cordadas de Alerta (Au-delà des cimes), de Jean-Jacques Mollaret.

(Traduzido ao português por Yuri Vieira.)

 

Esse era um dos meus livros de cabeceira quando morei no Equador.

Na foto acima, eu e meu amigo, o guia de montanha Fernando Espinoza (ao fundo), durante a escalada do vulcão Cotopaxi (5890 metros), em meio a uma tempestade de neve que nos surpreendeu no descenso.

Sim, eu sei que preciso escrever sobre as montanhas. Mas não tenha pressa. Algumas idéias são exatamente como as montanhas. Embora não as consigamos escalar em determinado momento, por mal tempo ou por outra razão qualquer, não há por que desesperar: elas não sairão do lugar, estarão sempre à espera.

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