palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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Monteiro Lobato: livro é sobremesa

Quando Monteiro Lobato vendeu a fazenda que herdou da família para investir em sua primeira editora, muitos escritores e editores lhe asseguraram que tal empreendimento não era senão uma loucura já que, naquela época, um bom livro raramente vendia mais que mil exemplares ao longo de cinco anos. Logo, diziam-lhe, quando conseguiria recuperar essa grana? Provavelmente nunca. Contudo, além de ser um grande escritor, Lobato era também um empreendedor de visão: partindo do princípio de que “livro é sobremesa: tem que ser posto debaixo do nariz do freguês”, foi a diversas agências de Correio da cidade de São Paulo e reuniu numa lista enorme os endereços de todo e qualquer tipo de comércio existente Brasil afora: quitandas, mercadinhos, docerias, bancas de revistas, farmácias e, claro, livrarias. Escreveu então a seus proprietários oferecendo o livro Reinações de Narizinho em consignação, com o cuidado de guardar para si qualquer risco proveniente do negócio: se o livro não fosse vendido, ele pagaria do próprio bolso pelo retorno da mercadoria. E foi assim que, em um ano, vendeu 50 mil exemplares de seu famoso livro infantil.

Como é possível que, em pleno século XXI, com internet e tudo mais, a venda de um bom livro não ultrapasse os 1000 exemplares anuais? Há menos leitores hoje do que havia em 1931? Duvido.

Lei da Atração

Por estar escrevendo, a pedido da minha sobrinha, um livro para crianças, venho chafurdando em lembranças da minha própria infância: como diz a santa do filme A Grande Beleza, “as raízes são importantes”. O curioso, só agora me dou conta, é que, nas últimas semanas, voltei a ouvir obsessivamente Pink Floyd e Supertramp, as primeiras bandas de rock que atraíram minha atenção nesta vida. (Eu tinha uns 9 ou 10 anos de idade quando a professora de inglês, na escola, nos ensinou a cantar It’s Raining Again e Wish You Were Here.) Enfim, tudo isso para dizer que um dos músicos de apoio dessas duas bandas, sem mais nem menos, começou a me seguir ontem no Twitter. (Perceba na imagem: ele me seguiu primeiro.) Isso tem a ver com o que as comadres costumam chamar de Lei da Atração?

Dr. Pinto Grande: quase lá

Eu já havia reescrito e revisado tantas vezes os contos do meu próximo livro que já estava com raiva deles, algo do tipo “larga d’eu, diacho!”. E por isso, nos últimos meses, passei a dar atenção mormente aos problemas encontrados pelos revisores da Record, os quais, para meu refrigério, me fizeram atentar para as partes em vez do todo. No entanto, quase um mês após tudo parecer concluído, a editora me pediu para averiguar a diagramação do texto final e apontar as derradeiras alterações. E então — com essa “ameaça” damocleana de “última chance” sobre a cabeça — respirei fundo e decidi relê-lo de cabo a rabo: e não é que ri, meditei e me emocionei com meus próprios contos? Espero que os leitores d’A Sábia Ingenuidade do Dr. João Pinto Grande sintam, no mínimo, o mesmo que eu senti nesses últimos dias. E olha que eu tinha em mente todos os spoilers possíveis e imagináveis…

Ortega y Gasset: La tragicomedia

EL género novelesco es, sin duda, cómico. No digamos que humorístico, porque bajo el manto del humorismo se esconden muchas vanidades. Por lo pronto, se trata simplemente de aprovechar la significación poética que hay en la caída violenta del cuerpo trágico, vencido por la fuerza de inercia, por la realidad. Cuando se ha insistido sobre el realismo de la novela, debiera haberse notado que en dicho realismo algo más que realidad se encerraba, algo que permitía a esta alcanzar un vigor de poetización que le es tan ajeno. Entonces se hubiera patentizado que no está en la realidad yacente lo poético del realismo, sino en la fuerza atractiva que ejerce sobre los aerolitos ideales.

La línea superior de la novela es una tragedia; de allí se descuelga la musa siguiendo a lo trágico en su caída. La línea trágica es inevitable, tiene que formar parte de la novela, siquiera sea como el perfil sutilísimo que la limita. Por esto, yo creo que conviene atenerse al nombre buscado por Fernando de Rojas para su «Celestina»: tragicomedia. La novela es tragicomedia. Acaso en la Celestina hace crisis la evolución de este género, conquistando una madurez que permite en el «Quijote» la plena expansión.

Claro está que la línea trágica puede engrosar sobremanera y hasta ocupar en el volumen novelesco tanto espacio y valor como la materia cómica. Caben aquí todos los grados y oscilaciones.

En la novela como síntesis de tragedia y comedia se ha realizado el extraño deseo que, sin comentario alguno, deja escapar una vez Platón. Es allá en el Banquete, de madrugada. Los comensales rendidos por el jugo dionisiaco, yacen dormitando en confuso desorden. Aristodemos despierta vagamente, «cuando ya cantan los gallos»; le parece ver que sólo Sócrates, Agatón y Aristófanes siguen vigilantes. Cree oir que están trabados en un difícil diálogo, donde Sócrates sostiene frente a Agatón, el joven autor de tragedias, y Aristófanes, el cómico, que no dos hombres distintos, sino uno mismo debía ser el poeta de la tragedia y el de la comedia.

Esto no ha recibido explicación satisfactoria, mas siempre al leerlo he sospechado que Platón, alma llena de gérmenes, ponía aquí la simiente de la novela.

Meditaciones del Quijote“, José Ortega y Gasset.

Hilda Hilst: “Que besteira, meu Deus!”

Em 1998, pouco antes de me mudar para a Casa do Sol, a revista Bundas — lançada pelo Ziraldo no ano seguinte em oposição paródica à revista Caras — enviou um jornalista para entrevistar Hilda Hilst. Nessa entrevista, como é de praxe entre a nossa intelligentsia, foi-lhe perguntado algo sobre sexo e ela respondeu que já não atribuía tanta importância ao tema, tendo inclusive abraçado a castidade desde que completara 50 anos. Não me recordo do conteúdo exato da matéria publicada, mas me lembro bem do exemplo dado por ela para ilustrar esse desinteresse recente: certa feita, um amigo-secretário lhe pediu para usar seu banheiro privado, uma vez que o chuveiro do banheiro de hóspedes estava queimado. Minutos depois, enquanto ela se dirigia para o quarto, esse amigo surgiu à sua frente, no corredor, completamente nu, distraído, enxugando os cabelos com a toalha. Ela então olhou para o pau dele e… caiu na gargalhada. Ele, que não a havia visto, ficou deveras encabulado com aquela reação:

— O que é que foi, Hilda?

Ela apontou para o pau dele e, ainda às gargalhadas, quase sem fôlego, comentou:

— Mas é por isso?! É por causa dessa coisa que tanta gente chora pelos cantos, que tanta gente se mata? Que besteira, meu Deus!

Eu sei que amigo era esse, mas, infelizmente, a matéria foi publicada apenas em 1999, quando ele já havia se mudado da casa, e, claro, a coisa toda sobrou para mim, o novo “amigo secretário”. Durante pelo menos dois anos tive de ouvir:

— Yuri, o que a Hilda viu de tão engraçado e ridículo no seu pau?

— Não era o meu, cacete!!

— Yuri, é verdade que seu pau fez a Hilda desistir para sempre do sexo?

— Não era o meu, porra!

O lema da revista Bundas era: “Quem coloca a bunda em Caras não coloca a cara na Bundas”. Mas, caramba, precisavam colocar um pau? (Não era o meu, caralho.)

A paixão n’A Montanha Mágica

N’A Montanha Mágica, de Thomas Mann, o personagem Wehsal descreve a Hans Castorp sua paixão por Clawdia Chauchat:

“uma coisa dessas não devia existir à face da Terra, contudo não a podemos pura e simplesmente erradicar. Quem sofre desse mal, não o consegue simplesmente erradicar, porque teria de erradicar a própria vida, com a qual ele se fundiu, e isso não é possível. De que nos serviria morrer? Depois — sim, com todo o gosto. Nos braços dela — sim, sem pensar duas vezes. Mas antes seria disparate, porque a vida é desejo e o desejo é vida, uma coisa não se pode voltar contra a outra, nisso é que reside o maldito impasse. (…). Há tantas formas de tortura, Castorp, e quem está sob tortura, só quer sair dela, só quer se libertar dela a todo custo, é esse o seu único objectivo. Mas para nos libertarmos da tortura infligida pelo desejo carnal, só há uma solução e um caminho que é a satisfação desse desejo — não há outra via, não há outra saída! É assim que as coisas se passam. Quem não sofre do mal, não perde tempo com considerações deste género, mas quem foi tocado pela desgraça, compreende as chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo e os olhos enchem-se de lágrimas. Deus do céu! Que circunstância mais estranha esta de a carne desejar a carne de outrem, só porque não é nossa mas pertence a uma alma diversa! Como é singular este fenómeno e como é, bem vistas as coisas, simples e natural na sua bondade e pudor! É caso para dizermos: se é só isso que a carne deseja, que lho concedam, por amor de Deus! Será que peço algo extraordinário, Castorp? Será que por acaso a quero matar? Fazer derramar o seu sangue? A única coisa que quero é dar-lhe a minha ternura! (…) O desejo carnal dispersa-se em várias direcções, não se liga nem se fixa a nada e é por isso que lhe damos o nome de animalesco. Mas no momento em que se fixa numa pessoa, num rosto humano, começamos a chamar-lhe amor. (…) Pois é aí justamente que reside a desgraça — prosseguia a pobre alma — A desgraça é ela (Clawdia) ser dotada de alma, ser uma criatura humana com corpo e alma! Porque a sua alma não quer saber da minha e, portanto, o seu corpo também não quer saber do meu. Ó tristeza do mundo, ó lástima da vida! Por causa disso o meu desejo está condenado à ignomínia e o meu corpo terá de retorcer-se para todo o sempre! Porque não querem o seu corpo e a sua alma saber de mim, Castorp, porque lhe é o meu desejo tão abominável? Não serei por acaso um homem? Não continua um homem execrável a ser um homem? Pois eu sou homem ao mais alto nível, isso posso assegurar-lhe, e suplantaria qualquer homem se ela me franqueasse o paraíso dos seus braços, esses braços que são tão formosos por fazerem parte do rosto anímico! Oferecer-lhe-ia toda a volúpia do mundo, Castorp, se apenas o corpo estivesse em jogo e não o rosto, se a sua maldita alma não existisse, essa alma que nada quer saber de mim e sem a qual eu também não cobiçaria o seu corpo — é este o terrível impasse e desespero em que vivo e em que me retorcerei para todo o sempre. (…) Um mal que nos transforma os dias em tormento de luxúria e as noites em inferno de ignomínia”.

A minoria das minorias

Neguinho vem me falar de minorias e de preconceito… Meu, você já tentou ser um escritor no Brasil? É como ser um travesti extraterrestre. Aliás, você leu quantos livros este ano?

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Se você pretende ser um escritor profissional num país de analfabetos funcionais, saiba que a mãe da sua futura namorada preferirá ser apresentada a um pretendente que seja simultaneamente judeu muçulmano negro xavante travesti esquerdista. (Ora, ao menos um tal pretendente deve ter usufruído de várias cotas e agora tem um emprego público estável.)

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Em 1997, após concluir os contos d’A Tragicomédia Acadêmica, deixei Brasília e voltei a São Paulo onde me tornei sócio de um estúdio fotográfico. Mas um dos meus sócios só me apresentava às pessoas assim: “Este é o Yuri, meu amigo escritor”. Eu ficava roxo de vergonha como se ele tivesse dito: “Este é o Yuri, meu amigo que é simultaneamente chinês bosquímano xavante muçulmano judeu comunista direitista e travesti”. Ora, vocês precisam ver a cara de incredulidade de quem olha para um suposto escritor de vinte e poucos anos. Dava vontade de me jogar debaixo da mesa. Acho que a única pessoa que aceitou esse meu rótulo de primeira foi a Duda, personagem do meu relato A Bacante da Boca do Lixo. A vida dela era tão maluca que certamente teria acreditado se eu me confessasse um extraterrestre. Bom, ao menos ela lia. Aliás, só quem lê muito, só quem possui uma imaginação ampla, acredita na possibilidade de se deparar com uma coisa tão bizarra quanto um escritor. É por isso que Hilda Hilst, Bruno Tolentino e Olavo de Carvalho, ao me conhecerem, não me presentearam com nenhum sorriso escarninho. (Sem falar, é claro, que os três já haviam passado pela mesma situação.) Enfim, foi por essas e outras que limitaram-se a me dizer: “Vou ler seu livro”.

Fonte: meu Facebook.

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