palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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Feliz aniversário, Hilda Hilst! La Blanca!

Se ainda estivesse neste mundo, Hilda Hilst completaria hoje 86 anos de idade. Em sua homenagem, seguem abaixo alguns links de relatos sobre a época em que dividimos o mesmo teto. (¿Por que “La Blanca”? Porque, no inverno, graças a meu longo gorro de lã, Hilda me chamava de Dunga e eu, em retribuição, a chamava de Blancanieves.) Espero que você tenha razão, Hilda, e que a transcomunicação seja uma realidade onde você está: vai que você tem acesso ao que escrevemos aqui… (Sugestão para o Zuckerberg: curtidas do Além.)

PRECISA-SE DE EMPREGADA FEIA. BEM FEIA.

HILDA HILST, O IPTU E A CHAVE DA CIDADE

HOMEM TAMBÉM TEM PÊLO

O EXORCISTA NA CASA DO SOL

HILDA HILST E O FEMINISMO

HILDA HILST E SEU RADAR MENTAL

A MELHOR DAS CASAS POSSÍVEIS

O MARCENEIRO E O POETA

O IPTUZÃO DE HILDA HILST

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Minha avó e o caso da jararaca

Minha falecida avó materna, uma camponesa típica, costumava narrar um curioso caso sobre um peão mordido por jararaca. Ele trabalhava no pasto, sol à pino, quebrando cupinzeiros com um enxadão, quando, ao abaixar-se para arrancar ao chão um último pedaço de cupinzeiro, de um buraco de tatu lhe deu o bote uma jararaca, mordendo-o na mão esquerda. Preso por instantes nesse transe, nesse dilema de saber que, caso fizesse torniquete, perderia a mão por gangrena, caso não fizesse, morreria, decidiu então, imbuído da praticidade de homem do campo, tomar do facão que trazia à cintura e, num golpe certeiro, decepou a própria mão envenenada, envolvendo o cotoco resultante num lenço. Não satisfeito — seu desapego com as coisas do mundo lhe exigia um ato brioso —, abaixou-se, pegou com a direita a mão esquerda pelo indicador, girou-a por sobre a cabeça para lhe dar impulso, e a jogou longe. Pronto: esse problema agora era passado. E só então matou a cobra…

Não se esqueça: aquilo que a jararaca morde apodrece e, por isso, tem de ser extirpado. Se não o for, morre o corpo inteiro.

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P.S.: Como bem lembrou o amigo Paulo Briguet, escritor paranaense: “E se tua mão direita é para ti causa de queda, corta-a e lança-a longe de ti, porque te é preferível perder-se um só dos teus membros, a que o teu corpo inteiro seja atirado na geena.” (Mt 5,30)

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Educando para a guerra

Certa vez, durante meu intercâmbio no Equador, iniciei sem querer-querendo uma tremenda polêmica em sala de aula. Era uma aula de geografia e, enquanto o professor discorria sobre as riquezas naturais do país, eu encarava incrédulo o mapa estampado no meu livro: nele, o rio Amazonas iniciava no Equador! Eu, que sempre fui um CDF, não conseguia compreender semelhante equívoco. Lá pelas tantas, levantei a mão e indaguei ao licenciado — no Equador, você sempre se dirige aos professores pelo título — indaguei se aquele livro estava atualizado. Respondeu que “sí” e me perguntou o porquê.

— Uê, licenciado, porque, neste mapa, o rio Amazonas começa no Equador, e isso não é verdade. O Amazonas começa no Peru.

Eu pensei que estava sendo útil, pensei que estava a corrigir o material didático do colégio, mas os olhares reprovadores de boa parte dos meus colegas, além da expressão de espanto do professor, indicavam um grande mico da minha parte.

— Senhor Vieira, o livro está certo: esse território pertence, sim, ao Equador. O Protocolo do Rio de Janeiro, de 1942, foi uma afronta ao nosso país. O Brasil, a Argentina, o Chile e os Estados Unidos, signatários do Protocolo, e anos depois a ONU, podem achar que o problema ficou no passado. Mas essa região, além de oferecer uma saída para o rio Amazonas, é rica em petróleo, e futuramente voltará a fazer parte do Equador.

Arqueei as sobrancelhas: — Então estou certo: não faz parte do Equador.

— Se um ladrão rouba o carro do seu pai e você o encontra na rua, ¿o que você diz? ¿”Olha lá o carro do ladrão”?

Finalmente compreendendo onde havia me metido, engoli em seco: — Não. Digo que é o carro do meu pai.

— Estamos conversados — concluiu, e me virou as costas voltando ao quadro negro.

Depois da aula, fui rodeado por vários colegas que me explicaram a situação: o Equador jamais engoliu o resultado da guerra ocorrida com o Peru entre 1941 e 1942. Tanto que, no início dos anos 1980, houve alguma escaramuça. Alguns estudantes, com ar patriótico, me diziam que aquilo iria ser corrigido muito em breve. Outros, como quem diz “ah, essa mania de guerra!”, sorriam cinicamente: não estavam nem aí para aquela história. Entre esses estava Paul Segovia, um sujeito engraçadíssimo, músico multi-instrumentista, um talento nato, que na época atuava no grupo de música andina Siembra, mas que, anos mais tarde, sem que eu me inteirasse daqui do Brasil, haveria de tornar-se o mais bem sucedido vocalista de rock da história do Equador, uma espécie de Jim Morrison local, que, tal como o americano, também morreria jovem, no ápice da carreira, de causas nebulosas.

Oye, hermano, não dê atenção a esses tromposos! Isso tudo é só desculpa para o Exército encher el culo de plata. Não vai ter guerra nenhuma. É mais fácil o Cotopaxi entrar em erupção do que rolar novamente outra briguinha com o Peru. E o Cotopaxi está dormindo desde 1904!

Naquela ocasião, concordei com Paul: já não vivemos numa América do Sul afeita a guerras. Claro que não ocorreria nada. Nem com o Peru nem com o Cotopaxi, vulcão que eu escalaria meses mais tarde. Tínhamos certeza de que tudo não passava de cara feia de professor e de desenhozinho de livro. Bem… no fundo, nós apenas gostávamos de acreditar nessa paz continental tanto quanto gostávamos da paz telúrica do vulcão. A marcha da história e a marcha da Terra, porém, não seguem os desejos humanos: cinco anos após meu retorno ao Brasil, uma nova guerra estourou entre os dois países, a Guerra de Cenepa, e, anos mais tarde, em 2015, o Cotopaxi entrou em erupção. A geração que conheci já vinha sendo preparada para esses acontecimentos havia anos. (Eu mesmo participara de simulações de evacuação, em caso de erupção vulcânica, promovidas pela defesa civil de Latacunga.) Quanto à guerra, ¿de que adianta um punhado de espertos acreditarem que nada de mais há de ocorrer quando todos os jovens do país estão sendo doutrinados? De resto, ¿você sabia que as crianças do Brasil estão sendo preparadas para uma guerra cultural? As guerras sempre começam no gabinete de algum intelectual, do contrário não estariam em livros didáticos antes de surgir no horizonte. ¿Você sabe o que andam ensinando às crianças brasileiras? Se não sabe, melhor pesquisar. Nós, escritores, já a estamos lutando. Como bem escreveu Louis Pauwels: «O público em geral não sabe que estamos em guerra civil nos meios da cultura. Contudo, o resultado dessa guerra determinará o destino cotidiano».

Marcel Proust e a memória

Marcel Proust

Assim, por muito tempo, quando despertava de noite e me vinha a recordação de Combray, nunca pude ver mais que aquela espécie de lanço luminoso, recortado no meio de trevas indistintas, semelhante aos que o acender de um fogo de artifício ou alguma projeção elétrica alumiam e secionam em um edifício cujas partes restantes permanecem mergulhadas dentro da noite: na base, bastante larga, o pequeno salão, a sala de jantar, o trilho da alameda escura por onde chegaria o sr. Swann, inconsciente autor de minhas tristezas, o vestíbulo de onde me encaminhava para o primeiro degrau da escada, tão cruel de subir, que constituía por si só o tronco, muito estreito, daquela pirâmide irregular; e, no cimo, meu quarto, com o pequeno corredor de porta envidraçada por onde entrava mamãe; em suma, sempre visto à mesma hora, isolado de tudo o que pudesse haver em torno, destacando-se sozinho na escuridão, o cenário estritamente necessário (como esses que se veem indicados no princípio das antigas peças, para as representações na província) ao drama do meu deitar; como se Combray consistisse apenas em dois andares ligados por uma estreita escada, e como se fosse sempre sete horas da noite. Na verdade, poderia responder, a quem me perguntasse, que Combray compreendia outras coisas mais e existia em outras horas. Mas como o que eu então recordasse me seria fornecido unicamente pela memória voluntária, a memória da inteligência, e como as informações que ela nos dá sobre o passado não conservam nada deste, nunca me teria lembrado de pensar no restante de Combray. Na verdade, tudo isso estava morto para mim.

Morto para sempre? Era possível.

Há muito de acaso em tudo isso, e um segundo acaso, o de nossa morte, não nos permite muitas vezes esperar por muito tempo os favores do primeiro.

Acho muito razoável a crença céltica de que as almas daqueles a quem perdemos se acham cativas em algum ser inferior, em um animal, um vegetal, uma coisa inanimada, efetivamente perdidas para nós até o dia, que para muitos nunca chega, em que nos sucede passar por perto da árvore, entrar na posse do objeto que lhe serve de prisão. Então elas palpitam, nos chamam, e, logo que as reconhecemos, está quebrado o encanto. Libertadas por nós, venceram a morte e voltam a viver conosco.

É assim com nosso passado. Trabalho perdido procurar evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência permanecem inúteis. Está ele oculto, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) que nós nem suspeitamos. Esse objeto, só do acaso depende que o encontremos antes de morrer, ou que não o encontremos nunca.

Muitos anos fazia que, de Combray, tudo quanto não fosse o teatro e o drama do meu deitar não mais existia para mim, quando, por um dia de inverno, ao voltar para casa, vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei por que, terminei aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas e que parecem moldados na valva estriada de uma concha de são Tiago. Em breve, maquinalmente, acabrunhado com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primerio, levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena. Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção de sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferente às vicissitudes da vida, inofensivos seus desastres, ilusória sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou, antes, essa essência não estava em mim, era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligada ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que significava? Onde apreendê-la? Bebo um segundo gole que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida. É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim. A bebida a despertou, mas não a conhece, e só o que pode fazer é repetir indefinidamente, cada vez com menos força, esse mesmo testemunho que não sei interpretar e que quero tornar a solicitar-lhe daqui a um instante e encontrar intato à minha disposição, para um esclarecimento decisivo. Deponho a taça e volto-me para meu espírito. É a ele que compete achar a verdade. Mas como? Grave incerteza, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá. Explorar? Não apenas explorar: criar. Está diante de qualquer coisa que ainda não existe e a que só ele pode dar realidade e fazer entrar em sua luz.

E recomeço a me perguntar qual poderia ser esse estado desconhecido, que não trazia nenhuma prova lógica, mas a evidência de sua felicidade, de sua realidade ante a qual as outras se desvaneciam. Quero tentar fazê-lo reaparecer. Retrocedo pelo pensamento ao instante em que tomei a primeira colherada de chá. Encontro o mesmo estado, sem nenhuma luz nova. Peço a meu espírito um esforço mais, que me traga outra vez a sensação fugitiva. E para que nada quebre o impulso com que ele vai procurar captá-la, afasto todo obstáculo, toda ideia estranha, abrigo meus ouvidos e minha atenção contra os rumores da peça vizinha. Mas sentindo que meu espírito se fatiga sem resultado, forço-o, pelo contrário, a aceitar essa distração que eu lhe recusava, a pensar em outra coisa, a refazer-se antes de uma tentativa suprema. Depois, por segunda vez, faço o vácuo diante dele, torno a apresentar-lhe o sabor ainda recente daquele primeiro gole e sinto estremecer em mim qualquer coisa que se desloca, que desejaria elevar-se, qualquer coisa que teriam desancorado, a uma grande profundeza; não sei o que seja, mas aquilo sobe lentamente; sinto a resistência e ouço o rumor das distâncias atravessadas.

Por certo, o que assim palpita no fundo de mim deve ser a imagem, a recordação visual que, ligada a esse sabor, tenta segui-lo até chegar a mim. Mas debate-se demasiado longe, demasiado confusamente; mal e mal percebo o reflexo neutro em que se confunde o ininteligível turbilhão das cores agitadas; mas não posso distinguir a forma, pedir-lhe, como ao único intérprete possível, que me traduza o testemunho de seu contemporâneo, de seu inseparável companheiro, o sabor, pedir-lhe que me indique de que circunstância particular, de que época do passado é que se trata.

Chegará até a superfície de minha clara consciência essa recordação, esse instante antigo que a atração de um instante idêntico veio de tão longe solicitar, remover, levantar no mais profundo de mim mesmo? Não sei. Agora não sinto mais nada, parou, tornou a descer talvez; quem sabe se jamais voltará a subir do fundo de sua noite? Dez vezes tenho de recomeçar, inclinar-me em sua busca. E, de cada vez, a covardia que nos afasta de todo trabalho difícil, de toda obra importante, aconselhou-me a deixar daquilo, a tomar meu chá pensando simplesmente em meus cuidados de hoje, em meus desejos de amanhã, que se deixam ruminar sem esforço.

E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedaço de madalena que nos domingos de manhã em Combray (pois nos domingos eu não saía antes da hora da missa) minha tia Léonie me oferecia, depois de o ter mergulhado em seu chá da Índia ou de tília, quando ia cumprimentá-la em seu quarto. O simples fato de ver a madalena não me havia evocado coisa alguma antes que a provasse; talvez porque, como depois tinha visto muitas, sem as comer, nas confeitarias, sua imagem deixara aqueles dias de Combray para se ligar a outros mais recentes; talvez porque, daquelas lembranças abandonadas por tanto tempo fora da memória, nada sobrevivia, tudo se desagregara; as formas — e também a daquela conchinha de pastelaria, tão generosamente sensual sob sua plissagem severa e devota — se haviam anulado ou então, adormecidas, tinham perdido a força de expansão que lhes permitiria alcançar a consciência. Mas quando mais nada subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação.
E mal reconheci o gosto do pedaço de madalena molhado em chá que minha tia me dava (embora ainda não soubesse, e tivesse de deixar para muito mais tarde tal averiguação, por que motivo aquela lembrança me tornava tão feliz), eis que a velha casa cinzenta, de fachada para a rua, onde estava seu quarto, veio aplicar-se, como um cenário de teatro, ao pequeno pavilhão que dava para o jardim e que fora construído para meus pais aos fundos dela (esse truncado trecho da casa que era só o que eu recordava até então); e, com a casa, a cidade toda, desde a manhã à noite, por qualquer tempo, a praça para onde me mandavam antes do almoço, as ruas por onde eu passava e as estradas que seguíamos quando fazia bom tempo. E, como nesse divertimento japonês de mergulhar numa bacia de porcelana cheia d’água pedacinhos de papel, até então indistintos e que, depois de molhados, se estiram, se delineiam, se cobrem, se diferenciam, tornam-se flores, casas, personagens consistentes e reconhecíveis, assim agora todas as flores de nosso jardim e as do parque do sr. Swann, e as ninfeias do Vivonne, e a boa gente da aldeia e suas pequenas moradias e a igreja e toda a Combray e seus arredores, tudo isso que toma forma e solidez, saiu, cidade e jardins, de minha taça de chá.

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“Em busca do tempo perdido – volume 1 – No caminho de Swann”, de Marcel Proust, tradução de Mario Quintana.

Muro é cultura

Adoniran Barbosa, 1935

Lembro que, em São Paulo, toda vez que saía do meu colégio para voltar a pé para casa, passava diante duma casa de esquina, do outro lado da rua, em cujo muro estava pichado: “Muro é cultura”. Eu estudava no Colégio Spinosa e minha casa distanciava alguns poucos quarteirões. E mesmo com o passar dos anos — talvez tenham sido poucos, para uma criança dois anos são uma eternidade — o proprietário da casa não se atrevia a apagar aquela inscrição, talvez porque não quisesse se mostrar um perseguidor da cultura e da livre expressão, ou talvez porque achasse a frase engraçada, como eu ainda a acho. Lembro de vê-lo uma única vez, ao portão: um velhinho de baixa estatura ainda afeito à moda de usar chapéu. Só me inteirei de quem ele realmente era quando faleceu. Hoje é seu aniversário de nascimento e, caso já não tivesse cumprido sua missão, ele estaria completando 105 anos de idade. Enfim… feliz aniversário, Adoniran Barbosa!

Procura-se empregada feia. Bem feia.

Em 2000, na Casa do Sol, ficamos alguns meses em apuros ou, como dizíamos, no mato com oitenta cachorros mas sem nenhuma empregada doméstica. Não me lembro exatamente por que Hilda Hilst havia demitido a anterior, mas, salvo engano, creio que tinha algo a ver com a qualidade do café feito por ela. Qual a importância do café? Ora, uma casa cheia de escritores é praticamente movida à cafeína. Naquela época, além da própria Hilda, morávamos lá eu, Zé Luis Mora Fuentes e Bruno Tolentino. Ficou arranjado que, se Mora Fuentes fosse a São Paulo, Chico, o caseiro, prepararia as refeições da Hilda e eu, a dos demais. Com Mora Fuentes presente, ele decidiria o que cozinhar e quem iria ajudá-lo. Eu, Chico e Mora Fuentes também dividíamos as tarefas de lavagem das roupas e da louça. Antônio Ramos, secretário do Bruno, lavava as roupas deles e, marceneiro de profissão, prosseguia com a reforma das portas, das janelas e do forro da casa. Chico continuava a cargo dos canis e seu Jaime, do jardim. Hilda, que não sabia sequer fritar ovos, e Bruno, que não estava bem de saúde, continuariam suas leituras e escritos. Limpezas gerais só ocorreriam em casos de extrema necessidade, e isto significava: ficaríamos mergulhados em pó e poeira por muito tempo. Em suma, após aproveitar um refúgio literário cheio de regalias, eu me vi numa situação digna de república estudantil, onde cada um acaba se dedicando mais ao trabalho braçal do que aos estudos.

— Carne com batata de novo?

Era Antônio, reclamando mais uma vez dos meus dotes culinários. Sim, certa feita, durante os quinze dias de ausência do Mora Fuentes, que era metido a mestre cuca, fiz uma panelada de carne moída com batata para durar a semana inteira. Parecia ração de quartel.

— Antônio — eu retrucava — você foi morador de rua, eufemismo pra mendigo, e ainda está reclamando da minha comida? Você passou fome, meu.

— Eu sei, Yuri, desculpa. Mas não estou conseguindo explicar isso pro meu estômago.

Com o correr dos dias, a coisa tornou-se mais complicada. Sem uma agenda, tudo estava entregue ao acaso. Ninguém mais acertava sua vez de fazer o café — o que sempre resultava numa garrafa térmica vazia e no mau humor da Hilda — ou atinava se havia algum perigo em beber vinho do Porto antes de lavar pratos ou descascar batatas. E havia, como acabamos por descobrir. Chico estava particularmente tenso, pois, mesmo antes das novas tarefas, os cães já o deixavam sobrecarregado. Sim, era preciso contratar urgentemente uma nova empregada.

— Zé, você já encontrou alguém? — perguntava Hilda a Mora Fuentes, que, sendo um transplantado, recém retornara de suas visitas periódicas ao médico.

— Ai, Hilda, ainda não. Mas já liguei pra várias pessoas e a Inês também está ajudando.

Inês Parada era nossa vizinha e morava na casa que pertencera a Bedecilda Vaz Cardoso, mãe de Hilda. Aquela bela residência havia sido a antiga sede de uma próspera fazenda cafeeira. Mas Inês tampouco vinha obtendo sucesso na tarefa incumbida: nada de candidatas à função!

Duas ou três semanas mais tarde, a confusão já era tanta que, num belo dia, Bruno Tolentino anunciou que deixaria Antônio conosco para se refugiar por algum tempo no Rio de Janeiro. Disse que se hospedaria com sua antiga babá, fato esse que achei bastante curioso: um homem com mais de sessenta anos hospedado com sua própria babá! E Bruno falava dela com imenso carinho, como se falasse da própria mãe. E ele, aliás, apesar de excluído das tarefas, já havia contribuído na cozinha com pelo menos quatro feijoadas, as quais ia preparando — “corta a couve mais fininha, Yuri!” — enquanto nos narrava inúmeros “causos”.

— Vai ficar muito tempo no Rio, Bruno?

— Umas duas semanas. Assim o Antônio aproveitará para restaurar o forro do nosso quarto. Não estou com saúde para respirar esse pó de serragem.

Foi numa dessas semanas de ausência do Tolentino que recebemos o telefonema de um aluno da Oficina de Roteiristas da TV Globo. Hilda me passou o telefone e me pediu para descobrir o que ele queria, já que o sujeito falava sofregamente sem nunca chegar ao busílis, o que muito a irritava. Odiava gente “vaselina”.

— Ele quer vir te visitar com uma amiga, Hilda.

— Hoje?

— Sim. Agora à tarde.

— Mas a gente não tem empregada, Yuri.

Sorri: — Deixa que eu faço o café, senhora H.

Uma hora mais tarde, eu estava justamente aguardando a água entrar em ebulição quando ouvi um carro adentrar a chácara. Os cães, como sempre, ficaram em polvorosa. Imagino que Mora Fuentes tenha ido recebê-los à porta enquanto Hilda, como de costume, os aguardava na sala de TV. Menos de um minuto depois, ouvi vozes e, de repente, Chico veio da sala para a cozinha, os olhos esbugalhados.

— O que foi, Chico?

— Yuri do céu!

— O que aconteceu, Chico?! Fala logo.

— Minino di Deus!! — exclamou novamente em voz baixa e, em seguida, ignorando-me, saiu pela porta dos fundos na direção do canil.

Ai, ai, pensei comigo. Está me cheirando a mais problemas.

Foi então a vez de Mora Fuentes abrir a porta da sala, meter a cabeça na cozinha e indagar:

— Já tá pronto, Yuri?

— Terminando, Zé — e, ao olhar para ele, notei que estava lívido, os olhos tão arregalados quanto os do Chico.

— Que cara é essa, Zé? O que vocês estão fazendo aí?

— Ai, Yuri… — e suspirou longamente, desaparecendo em seguida.

A situação era bem estranha. O que estaria acontecendo? Peguei a garrafa térmica, coloquei as xícaras numa bandeja e me dirigi à sala. O tal roteirista era um sujeito baixo, gordinho e vestia paletó e gravata. A tal amiga que o acompanhava era… seria possível? Grace Kelly?!! Sim, Grace Kelly esculpida em carrara… Mas… caramba! Grace Kelly já habitava outra morada do universo havia anos!

— Boa tarde — eu disse. — Olá, olá.

— Este é meu amigo Yuri, jovem escritor — apresentou-me Hilda.

Eles me cumprimentaram e, sem perder tempo, o roteirista meteu-se a falar detalhadamente do roteiro de longa-metragem que tinha em mãos, o qual, fez questão de ressaltar, permaneceria conosco para que dele extraíssemos uma opinião crítica. Hilda olhava para Mora Fuentes com a clara intenção de transferir-lhe a incumbência, mas este, em vez de olhar para mim tencionando fazer o mesmo hierarquia abaixo, estava tão em órbita quanto eu. Só me lembro até aí. Não sei mais o que o gordinho falou. Roteiro? Que roteiro? A beleza daquela mulher, uma catarinense chamada Irene, era opressiva, dolorida até. Desandava qualquer veleidade de dar atenção a outro ser humano circundante. Na verdade, chamá-la de Grace Kelly era como xingá-la de canhão ou capivara. Quem sabe, após uma hipotética noitada regada a litros de álcool, curtindo olheiras enormes, com rosto e olhos muito inchados, e isso, claro, depois de apanhar na rua a ponto de se desfigurar, só então Irene devesse acordar tão quasímoda, feia e torta quanto… a Grace Kelly. Talvez, se ela batesse uma bicicleta de frente com um caminhão, sim, talvez assim ficasse parecida com a Grace Kelly. Ela era muito mais linda, tipo a irmã que Grace Kelly teria invejado mortalmente. Meu Deus, Grace Kelly teria odiado aquela mulher! Jamais a deixaria hospedar-se em Mônaco. Já Hitchcock, claro, teria subido pelas paredes. Nem durante meus anos de sociedade num estúdio fotográfico de São Paulo eu vira uma modelo tão bela.

— Então você também é escritor?

E agora ela se dirigia a mim! Caí das alturas. Olhando em torno, notei que Hilda, Mora Fuentes e o tal roteirista haviam se deslocado até o escritório, onde o visitante certamente ganharia algum livro autografado. Eu e Irene estávamos sozinhos! Quanto tempo teria durado meu transe?

— Sim, sim — gaguejei. — Mas por enquanto só publiquei um livro.

— Nossa, que legal. Eu faço Letras na UNICAMP.

— Sério?! Letras?

Aquela senhorita de vestidinho de verão branco, seio conspícuo, longas pernas e rasteirinhas se levantou para pegar a garrafa térmica e percebi que, se estivesse de saltos, ficaria mais alta do que eu. Eu me adiantei e lhe servi o café.

— Desculpa pelo café mal feito, Irene. Estamos sem empregada faz uns dois meses. Tá difícil conseguir outra. Elas se assustam com a quantidade de cachorros e desaparecem no primeiro dia.

— É para morar aqui?

— Não necessariamente, mas, se for preciso, a gente pode liberar um quarto. Conhece alguém?

— Uê! Eu topo!

Foi minha vez de arregalar os olhos: — Você?! Trabalhar aqui?!!

— Por que não? É a Casa do Sol! Eu faria qualquer coisa pela Hilda e por vocês. E eu adoro cachorros! Sem falar que dá para ir até a UNICAMP de bicicleta.

Aquela foi a idéia mais genial, mais espetacular daquele ano. Eu me segurei para não dar pulos como quem comemora um gol da seleção.

— Mas… e o seu namorado? Não vai reclamar?

— Quem? Esse cara aí? Não é meu namorado, não. Eu conheci ele hoje na UNICAMP. Ele veio do Rio de Janeiro. Foi até a faculdade perguntar se alguém sabia onde a Hilda Hilst morava e eu me ofereci para trazê-lo. Eu sabia o endereço mas nunca tive coragem de vir aqui.

O rapport fora estabelecido. Conversamos animadamente por vários minutos. Rolou uma química, digamos. Sorrisos e olhares daqui e de lá. Contei-lhe rapidamente dois ou três casos engraçados sobre a Casa. Rimos. Ela me falou de Santa Catarina e de Florianópolis, sobre como era solitário estudar em outra cidade. Anotei o telefone dela num pedaço de papel. Eu não via a hora de contar a novidade aos demais. Irene, Irene… Coitada da Grace Kelly!
Meia hora depois, Mora Fuentes retornou do escritório com o roteirista e ficamos os quatro conversando amenidades. Hilda permaneceu no escritório, provavelmente entediada com o papo melífluo do visitante. A certa altura, Antônio me chamou da porta que dá para o átrio. Fui até lá.

— Yuri, o Chico me disse que tem uma deusa aí na sala.

— Cara…

— Então é verdade?

— É. E tem mais: ela vai ser a nova empregada!

— O quê? Tá brincando!

— Verdade.

— Viu ela, Antônio? — perguntou Chico, vindo dos fundos.

— Ela vai ser a empregada, Chico!

— Ôxe! — exclamou ele, espantado. — Ces tão maluco?

Eu ri: — Maluco por quê, Chico?

— Isso vai dá briga de faca, moço. Já vou até amolá minha peixeira.

— Como assim, Chico? — perguntei, rindo.

— Esse monte de cabra soltero em casa! Isto aqui não é mostero, não. Até o Zé se arrupiô todim quando viu ela.

Antônio interveio: — Chico, eu sou foragido da polícia e ex-morador de rua. Você é caseiro e analfabeto. Ela é muita areia pro nosso caminhão. O Bruno tem aids e, por causa disso, diz que já deu um fora até na Vera Fischer. O Mora Fuentes é comprometido. Deixa que o Yuri toma conta dela.

— O quê? Tá doido, Antonho?! Ela num vai ser a empregada? Então, empregada tá é no mesmo nível que eu, diacho.
Rimos. De fato, ali estava um bom motivo para uma briga de faca. Seria uma boa idéia repassar mentalmente minhas aulas de maculelê. Talvez fossem finalmente úteis.

Voltei então à sala, onde conversamos mais alguns minutos. Irene me tratava com uma intimidade natural e cálida que só augurava felizes tempos vindouros. Se ela tivesse permanecido conosco mais meia hora, eu teria visualizado até mesmo as feições dos nossos futuros filhos.

Quando nossos visitantes se preparavam para partir, Irene, ao se despedir de mim, me disse ao ouvido:

— Yuri, só tem um problema: não sei fazer café!

Eu ri: — Eu te ensino! Eu mesmo só aprendi este ano, na noite do aniversário da Hilda. E, se você quiser, eu faço e a gente diz pra ela que foi você quem fez.

— Combinado! — e me devolveu aquele sorriso que teria enfartado Hitchcock.

Fomos todos até o alpendre, devo ter prometido ao roteirista que leria o roteiro dele — até hoje não sei se alguém o leu (quem mandou o cara trazer consigo semelhante fator de diversionismo?) — e, quando o carro se afastou em direção à rodovia Campinas-Mogi Mirim, eu disse ao Mora Fuentes.

— Zé, ela quer ser nossa empregada!

— Uma empregada linda que estuda Letras? Não acredito!

— Sério, cara!

— É minha! Eu vi primeiro! — disse ele, rindo. — Eu sou mais experiente, publiquei mais livros, vocês não são páreos para mim — e deu uma gargalhada de vilão de desenho animado. — Deixa só ela ficar sabendo que eu me correspondia com a Clarice Lispector!

Ouvindo nossas risadas, Hilda nos chamou do escritório:

— Do que é que vocês estão falando aí?

Fomos até lá. Hilda, sentada à mesa, óculos na ponta do nariz, cigarro entre os dedos, pegou um grande cristal de rocha e o utilizou para marcar a página do livro que vinha lendo.

— Hilda… — comecei, empolgado. — Já arranjamos uma nova empregada!

— Que bom, Yuri! Você falou com a Inês?

— Não, Hilda — atalhou Mora Fuentes. — É a Irene, ela vai trabalhar aqui.

Hilda franziu o cenho: — Irene? Que Irene?

— Essa garota que acabou de sair, Hilda! — respondi de pronto. — Ela disse que pode vir morar com a gente, disse que lava, passa, cozinha, borda e que, quando precisar, irá à UNICAMP de bicicleta.

Hilda retirou os óculos e se levantou de supetão: — O quê?! Nem pensar!!!

Eu e Mora Fuentes ficamos paralisados: seria possível que a irmã mais bonita da Grace Kelly já não seria nossa empregada? Ficamos mudos uns vinte segundos, apreciando o esfarelamento do nosso sonho.

— Por que não, Hildeta? — finalmente indagou Mora Fuentes, tão desconsolado quanto eu.

— Vocês ficaram loucos?! — perguntou, quase enfurecida. — Se essa mulher vier morar aqui, vocês vão me deixar apodrecer num canto e só vão reparar que estou morta quando eu começar a feder. Não, não… Nem pensar!

Então partimos para argumentos supostamente mais pragmáticos: discorremos sobre a dificuldade de se conseguir funcionárias que não temessem tantos cães, falamos de como Irene teria maior respeito e cuidado com todos nós, uma vez que se tratava duma leitora e estudiosa de literatura, falamos de sua simpatia e educação, e assim por diante. Hilda foi inabalável:

— A mulher desta casa sou eu! Quando falarem com a Inês, peçam para ela arranjar uma empregada feia. Bem feia. E chega de conversa!

Naquele momento, eu me lembrei do dia em que Hilda me convidou para morar na sua chácara. Na ocasião, ela dizia necessitar de um secretário e eu me lembrei de uma amiga, estudante de Letras na USP. Ao me oferecer para convidá-la, Hilda me censurou:

— Não, mulher não! Mulheres são chatas demais, só discutem besteiras. — E depois de uma pausa, acrescentou: — Por que não vem você morar aqui, Yuri?

Em suma, o nome da chácara era Casa do Sol, e não Casa dos Sóis. Só havia lugar ali para uma estrela, do contrário todo o sistema planetário entraria em colapso. Ao menos parecia ser esse o ponto de vista da senhora H, cuja decadência física se ressentia eventualmente da beleza de outras mulheres mais jovens. Ela, que décadas antes também fora uma linda mulher, tendo literalmente atraído as atenções de Marlon Brando, Dean Martin, Howard Hughes, Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes, não conseguia lidar muito bem com a novidade diária da velhice. Diante de visitas ocasionais, ela sabia disfarçar como ninguém, mas no dia-a-dia a história era outra. Os dias que se seguiram, por exemplo, à estréia de sua dentadura postiça foram aterrorizantes: dizendo que sentia ter “um cotovelo dentro da boca”, falou diversas vezes em suicídio. Claro, como Hilda tinha fé e realmente temia a Deus (principalmente depois do uísque), tudo não passou de drama. Mas que drama! Só quem a conheceu, ou leu seus livros, poderia fazer uma idéia da intensidade. Agora, cá entre nós, o pior de tudo não foi sua recusa em me deixar convidar Irene. O pior mesmo foi, no dia seguinte, enquanto lavava minha roupa, encontrar no bolso da minha calça jeans um pedaço de papel completamente derretido: o número do telefone de Irene não passava de um borrão! Na UNICAMP, ninguém soube me dar qualquer informação. Nunca mais a vi. Fugaz, a irmã mais bela de Grace Kelly passou por nosso sistema como um cometa, com sua cauda brilhante e inesquecível.

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Este relato fará parte do livro “O Exorcista na Casa do Sol”, a sair em breve.

Pai-dos-burros

Aurélio

Ontem, Bárbara, minha sobrinha de 6 anos de idade, apareceu por aqui toda entretida com um dicionário de língua portuguesa.

— T’yuri, me fala uma palavra.

Eu dizia uma palavra qualquer e ela buscava o significado. Repetiu o procedimento algumas vezes. Lá pelas tantas eu lhe perguntei:

— Qual é o nome desse livro, Bárbara?

— Dicionário.

— Sim. Mas ele tem outro nome também.

— Qual?

— Pai-dos-burros.

Ela, sorrindo, e acostumada com minhas brincadeiras, me encarou com uma expressão de imensa incredulidade.

— É verdade — eu disse. — Procura aí para você ver.

Ainda desconfiada, começou a revirar as páginas e, de fato, encontrou a definição: “Pai-dos-burros: Bras. Fam. dicionário”. Ela então arregalou os olhos:

— Então todo mundo que olha no dicionário é burro?

— Não, esse nome é de brincadeira. Ninguém conhece todas as palavras que existem. Por isso todo mundo usa o dicionário.

— Menos o vô-dos-burros, né?

— Vô-dos-burros? — perguntei, rindo.

— É, o homem que escreveu o dicionário. O pai do pai-dos-burros. Pai do pai é vô, né.

Bárbara sempre tem razão.

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