palavras aos homens e mulheres da Madrugada

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A minoria das minorias

Neguinho vem me falar de minorias e de preconceito… Meu, você já tentou ser um escritor no Brasil? É como ser um travesti extraterrestre. Aliás, você leu quantos livros este ano?

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Se você pretende ser um escritor profissional num país de analfabetos funcionais, saiba que a mãe da sua futura namorada preferirá ser apresentada a um pretendente que seja simultaneamente judeu muçulmano negro xavante travesti esquerdista. (Ora, ao menos um tal pretendente deve ter usufruído de várias cotas e agora tem um emprego público estável.)

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Em 1997, após concluir os contos d’A Tragicomédia Acadêmica, deixei Brasília e voltei a São Paulo onde me tornei sócio de um estúdio fotográfico. Mas um dos meus sócios só me apresentava às pessoas assim: “Este é o Yuri, meu amigo escritor”. Eu ficava roxo de vergonha como se ele tivesse dito: “Este é o Yuri, meu amigo que é simultaneamente chinês bosquímano xavante muçulmano judeu comunista direitista e travesti”. Ora, vocês precisam ver a cara de incredulidade de quem olha para um suposto escritor de vinte e poucos anos. Dava vontade de me jogar debaixo da mesa. Acho que a única pessoa que aceitou esse meu rótulo de primeira foi a Duda, personagem do meu relato A Bacante da Boca do Lixo. A vida dela era tão maluca que certamente teria acreditado se eu me confessasse um extraterrestre. Bom, ao menos ela lia. Aliás, só quem lê muito, só quem possui uma imaginação ampla, acredita na possibilidade de se deparar com uma coisa tão bizarra quanto um escritor. É por isso que Hilda Hilst, Bruno Tolentino e Olavo de Carvalho, ao me conhecerem, não me presentearam com nenhum sorriso escarninho. (Sem falar, é claro, que os três já haviam passado pela mesma situação.) Enfim, foi por essas e outras que limitaram-se a me dizer: “Vou ler seu livro”.

Fonte: meu Facebook.

Dúvida calorenta

Não sei se o fato de ser acordado por periquitos, de tomar o café da manhã com beija-flores, de ser espionado por tucanos (os pássaros, não os políticos), de receber o anúncio das 18 horas por meio de araras barulhentas, enfim, não sei se tudo isso compensa viver num lugar tão quente…

Diálogo cavernícola inesquecível

Enquanto seguíamos o Sumô, nosso gordo guia japonês — um estudante de geologia da USP —, eu e Daniel Christino, hoje professor na UFG, nos vimos numa tremenda enrascada dentro de uma das cavernas do PETAR, no Vale do Ribeira. Não me lembro se foi na Morro Preto ou se na Água Suja. (Na caverna Santana, foi tudo tranqüilo.) Lá pelas tantas, contornávamos uma imensa parede de rocha tendo um abismo à nossa frente, cujo fundo, se é que existia, desaparecia na escuridão. Íamos por uma trilha muito estreita, rente à parede, dessas que só costumamos ver em filmes do Indiana Jones ou do Senhor dos Anéis. Conforme seguíamos, a parede se inclinava sobre nós e, por isso, tínhamos de ir caminhando cada vez mais encolhidos, até que, por fim, já estávamos agachados e nos movendo de lado, de costas para a parede. A certa altura, para meu espanto, ao olhar para a esquerda, não vi mais o Sumô.

— Cadê você, Sumô?!

— Tô aqui — respondeu, sabe-se lá de onde. — Agora coloca a bunda no chão e vem se arrastando de lado. Tem um patamar aqui. E não olhe para baixo!

“Colocar a bunda no chão?”, pensei. “Isso vai contra tudo o que aprendi sobre escaladas: ‘Nunca coloque a bunda no chão! No ponga las nalgas en el suelo! Se necessário, ande como um caranguejo, etc.'”. Fiquei ali tentando decidir se ia ou não ia, já em posição de caranguejo, claro, quando então meus pés escorregaram e eu me vi realmente de bunda no chão, as pernas balançando sobre o abismo, as mãos salvadoras agarradas a umas saliências de rocha, como se eu estivesse a praticar o exercício de “tríceps na cadeira”. Tenso, de olhos arregalados, a um minuto de distância de entrar em pânico, de repente ouço o Daniel me chamar à minha direita com a maior fleuma deste mundo, como se fosse um lorde inglês:

— Yuri, será que você poderia fazer o favor de salvar a minha vida?

— Quê?! — soltei e, ao olhar na direção dele, o foco da minha carbureteira o iluminou: o cara estava na mesmíssima situação que eu.

— Daniel — comecei, a meio caminho entre o pânico e uma insuportável vontade de rir — salvo, sim, claro. Mas peraí: primeiro preciso salvar a minha própria vida!

Quando nos lembramos dessa história, damos muitas risadas, mas até hoje não consigo me lembrar como saímos da enrascada.

…então NÃO COMPRE meu livro!

Veja o comentário que o leitor Guibson Dantas escreveu na Amazon sobre A Tragicomédia Acadêmica:

“Como acadêmico e ferrenho crítico do ambiente universitário brasileiro atual – repleto de comunistas que nunca leram nada, de liberais que mal sabem quem foi Adam Smith, de religiosos fanáticos e militantes gays fascistas -, resolvi comprar o referido livro na esperança de qualificar minhas críticas ou obter novas informações sobre o tema. Confesso que me decepcionei demais com o livro. Muito bobo, com contos juvenis e sem nexo. Sinceramente? Não gaste tempo com esse livro. A vida é curta.”

Entenderam? Ele comprou um livro de — como diria Harold Bloom — “LITERATURA DE IMAGINAÇÃO” para “qualificar minhas [as dele] críticas ou obter novas informações” sobre a encheção de saco política dos dias atuais. Se alguém tiver o mesmo intuito, então NÃO COMPRE MEU LIVRO! Só um sujeito completamente desprovido de cultura literária, de imaginação e, principalmente, de senso de humor pode pretender buscar essas coisas num livro de ficção, num livro humorístico. Seria como ler As Viagens de Gulliver em busca de novos pontos turísticos! Nunca tive a pretensão de escrever ensaios sobre a vida universitária e, caso a tivesse, teria escrito ensaios (surpresa!), e não esses dezenove contos cujas tramas e personagens me deram um imenso trabalho. (E nem preciso dizer que, na época em que os escrevi — 1996-1997 —, esses conflitos ideológicos não eram tão exacerbados, conspícuos e problemáticos como o são hoje.) Os contos são juvenis? Muito provavelmente, afinal eu os escrevi aos 25 anos de idade com a intenção de apresentar aos demais universitários um livro que eu gostaria de ter encontrado nas livrarias e que NUNCA ENCONTREI. Ora, a maioria dos estudantes é constituída de jovens, não vejo nenhum problema em me dirigir principalmente a eles. (Uma das epígrafes mostra que eu tinha plena consciência disso.)

Fico sempre muito contente e sinceramente agradecido quando alguém — no Facebook, por mensagem direta ou por email — elogia meu livro. E são muitas mensagens! Mas juro que cheguei a um momento da vida em que elogios e críticas são assimilados por minha consciência de uma forma muito semelhante: ou estão colocando meu ego para baixo, ou o estão colocando para cima. Sim, no fundo, é sempre uma questão de ego. E o ego, durante o processo de criação, não manda em nada! Eu sei qual é o valor do meu trabalho, conheço meus méritos e deméritos, minhas qualidades e defeitos, e por isso sou sempre o meu crítico mais ferrenho. Claro, quando as críticas são construtivas, mesmo sendo negativas, sempre as ouço e medito muito sobre seu conteúdo. Ora, não sou onisciente, um feedback justo, originado de uma perspectiva totalmente diferente da minha, é sempre proveitoso. No entanto, a “crítica” do leitor acima é apenas o comentário do “acadêmico” que comprou o livro errado: comprou ficção em vez de um estudo antropológico. Ora, para um suposto pesquisador da academia, a incapacidade de pesquisar a respeito de um livro antes de comprá-lo é algo cômico e, no fundo, apenas ressalta a substância dos contos: a universidade vive uma tragicomédia.

Agora, é bom receber elogios? Claro que é, mas não me permito acreditar plenamente neles, do contrário, poderia achar que já cheguei no ápice, esquecendo pois de me aprimorar. É chato receber críticas destrutivas? É óbvio que sim, mas tampouco me permito acatá-las, do contrário, não conseguirei me permitir a liberdade necessária para criar, pois essa liberdade exige autoconfiança e um enorme foda-se para as opiniões circundantes, sejam elas quais forem. O que me chateia, no caso presente, é que pretendo deixar de morar sob o viaduto — leram o texto anterior? — e os comentários de um leitor desavisado como esse apenas atrapalham a venda do livro. Como disse Monteiro Lobato em sua última entrevista, referindo-se a si mesmo: para um escritor profissional, “seu livro predileto é o que lhe dá mais dinheiro”. Assim, quem quiser realmente me deixar muitíssimo feliz, além de me elogiar diretamente, diga também o que achou do livro nos sites em que o comprou. Beleza? Muchas gracias.

Feliz aniversário, Hilda Hilst! La Blanca!

Se ainda estivesse neste mundo, Hilda Hilst completaria hoje 86 anos de idade. Em sua homenagem, seguem abaixo alguns links de relatos sobre a época em que dividimos o mesmo teto. (¿Por que “La Blanca”? Porque, no inverno, graças a meu longo gorro de lã, Hilda me chamava de Dunga e eu, em retribuição, a chamava de Blancanieves.) Espero que você tenha razão, Hilda, e que a transcomunicação seja uma realidade onde você está: vai que você tem acesso ao que escrevemos aqui… (Sugestão para o Zuckerberg: curtidas do Além.)

PRECISA-SE DE EMPREGADA FEIA. BEM FEIA.

HILDA HILST, O IPTU E A CHAVE DA CIDADE

HOMEM TAMBÉM TEM PÊLO

O EXORCISTA NA CASA DO SOL

HILDA HILST E O FEMINISMO

HILDA HILST E SEU RADAR MENTAL

A MELHOR DAS CASAS POSSÍVEIS

O MARCENEIRO E O POETA

O IPTUZÃO DE HILDA HILST

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Postado no Facebook.

Muro é cultura

Adoniran Barbosa, 1935

Lembro que, em São Paulo, toda vez que saía do meu colégio para voltar a pé para casa, passava diante duma casa de esquina, do outro lado da rua, em cujo muro estava pichado: “Muro é cultura”. Eu estudava no Colégio Spinosa e minha casa distanciava alguns poucos quarteirões. E mesmo com o passar dos anos — talvez tenham sido poucos, para uma criança dois anos são uma eternidade — o proprietário da casa não se atrevia a apagar aquela inscrição, talvez porque não quisesse se mostrar um perseguidor da cultura e da livre expressão, ou talvez porque achasse a frase engraçada, como eu ainda a acho. Lembro de vê-lo uma única vez, ao portão: um velhinho de baixa estatura ainda afeito à moda de usar chapéu. Só me inteirei de quem ele realmente era quando faleceu. Hoje é seu aniversário de nascimento e, caso já não tivesse cumprido sua missão, ele estaria completando 105 anos de idade. Enfim… feliz aniversário, Adoniran Barbosa!

Tradutor americano conta como conheceu a obra de Hilda Hilst

Letters from a Seducer [Cartas de um sedutor] – Hilda Hilst, Translated by John Keene, Nightboat Books
DANIEL MEDIN: How did you discover Hilda Hilst’s writing? What led you to want to translate this book? [TRAD.: Como você descobriu a escrita de Hilda Hilst? O que o levou a querer traduzir esse livro?]

JOHN KEENE: My first real encounters with Hilst’s writing are a decidedly 21st century phenomenon. I had seen her name mentioned several times in various critical texts, and finally did an online search for her work about a decade ago. What I found and dove into was the old Angelfire website, still live, that Yuri Vieira dos Santos set up for her in 1999, and launched from her Casa do Sol. It was via that site, which features links to many of her works, photos, and lists of translations, that I was able to immerse myself in Hilst’s world. [TRAD.: Meu primeiro encontro real com a escrita de Hilst é decididamente um fenômeno do século XXI. Eu tinha visto o nome dela ser mencionado diversas vezes em vários textos críticos, e finalmente fiz uma pesquisa online por seu trabalho cerca de uma década atrás. O que encontrei e onde mergulhei estava hospedado no velho Angelfire, um site ainda existente, que Yuri Vieira dos Santos criou para ela em 1999 e lançou a partir da Casa do Sol. Foi mediante aquele site, que apresentava links para muitos de seus trabalhos, fotos e traduções, que me tornei apto a imergir no mundo de Hilda Hilst.]

Fonte: Three Percent.

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